Exonerada e com uma trajetória de 30 anos dedicados ao magistério, a ex-secretária de Saúde de Vera Cruz recebeu a Gazeta do Sul nessa sexta-feira para falar pela primeira vez sobre a Operação Fura-Fila, que investiga irregularidades no agendamento de consultas e exames pelo SUS na cidade.
Abalada com o afastamento, Eliana Giehl deu sua versão sobre os procedimentos realizados na Secretaria da Saúde até a última terça-feira, quando deixou a pasta por ordem judicial a pedido do Ministério Público. Ela nega que tenha havido favorecimento de pacientes.
“Primeiro, o paciente é atendido em uma das unidades de atenção básica. O médico desse posto faz a avaliação inicial e pode solicitar uma consulta de especialista ou algum exame”, diz Eliana. Depois, conforme ela, os dados da consulta vão para um programa de computador, em que o médico determina o grau de risco do paciente atendido. “Existem dois sistemas, um para a regulação regional, outro para especialidades que não têm atendimento aqui.” Quando o paciente está na regulação estadual, acaba a ingerência sobre ele. “A gente só tem acesso à colocação na fila”, assegura Eliana.
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ENTREVISTA
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Gazeta do Sul – Como era a sua relação com a população de Vera Cruz?
Eliana Maria Giehl – Eu sempre me propus a atender bem as pessoas. Eu queria conhecer a comunidade, até porque sou de Santa Cruz. Na secretaria eu trabalhava de portas abertas, na intenção de resolver os problemas que as pessoas tinham. Tínhamos solicitações de exames, como ressonâncias e tomografias, paradas desde 2014, em uma pilha. Fizemos um mutirão para colocar em dia essa demanda. A partir daí, eu disse aos meus colegas: “Não quero mais saber de exames em pastas guardados, esperando pela marcação”. Agora o paciente pede e, no máximo, em duas semanas precisa ser atendido. Essa foi uma medida para colocar agilidade no sistema, independente de ser “A” ou “B”.
Quem eram essas pessoas que procuravam o atendimento direto com a senhora?
Inicialmente ocorria por conta da demora na marcação de exames. Eram pacientes que aguardavam anos para a realização de um exame. Nós passamos a investir mais na contratação desses procedimentos, via consórcio intermunicipal. O prefeito sempre dizia para limparmos a fila de espera, era isso que nós queríamos. Depois começaram a surgir demandas de cirurgias. Pessoas que aguardavam anos por uma operação, indo de um hospital para o outro. Em algumas situações eu precisava me posicionar, especialmente junto à Coordenadoria Regional de Saúde. Em reuniões, nós discutíamos com mais secretários da região.
Alguma vez a senhora recebeu pedidos para apressar atendimentos?
Nós recebíamos pedidos de agentes políticos, mas não só do PTB. Todos os partidos faziam isso. Assim como chegavam pedidos diretos da comunidade. O máximo que podíamos fazer, nesses casos, era verificar qual era a situação ou até recomendar uma nova consulta com médico do posto. De forma nenhuma a gente modificava a posição dos pacientes. Se isso é furar a fila, então o que é quando a gente recebe uma determinação da Justiça para realizar uma cirurgia? Neste ano, na alta complexidade de traumatologia, nós tínhamos 49 pacientes aguardando na fila. Recebemos três ações judiciais para pacientes das últimas posições da lista. Isso não é furar a fila? E os outros que estão aguardando? Quando alguém exige o procedimento judicialmente, isso não é furar a fila?
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Quando entra um atendimento de urgência, o que se faz?
Nesses casos, o médico do posto liga para o Hospital Santa Cruz, que tem a maioria das referências. Esse médico narra a situação do paciente, e aí o profissional do Santa Cruz avalia o grau de emergência. O mesmo procedimento ocorre no Hospital Vera Cruz. A ligação é feita para o hospital de referência, que determina se é viável encaminhar ou não o paciente à urgência.
A senhora pensa em retornar ao cargo de secretária, caso a decisão de afastamento seja revertida na Justiça?
Eu penso em voltar sim. Eu gostaria de sair pela porta da frente e cumprir meu mandato enquanto o prefeito confiar em mim. Sempre fui leal ao meu prefeito, sempre procurei fazer tudo de melhor. Na secretaria, nós revolucionamos tantos processos. Criamos o agendamento pelo telefone, por aplicativos, mutirão de especialidades. Tínhamos a intenção de fazer outro mutirão, agora de cirurgias vasculares, que têm uma demanda grande. Como chegou o fim do ano e os recursos ficaram escassos, deixamos para o ano que vem.
A senhora se arrepende de ter deixado a “porta aberta” para atender diretamente a comunidade, já que essa postura pode ter modificado o entendimento das pessoas com relação à fila de espera?
Não me arrependo. Porque o nosso propósito foi sempre receber bem. O paciente precisa sair com uma resposta, é desumano ver as pessoas sofrendo na sua frente e não dizer nada a elas. Dizer apenas que não se tem previsão de atendimento. Um “não” pode ser dito de diversas maneiras, a gente precisa dar explicações e esperança aos pacientes. No Sistema Único de Saúde há uma espera muito grande e, às vezes, ninguém se importa com isso.
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Como a senhora está se sentindo agora?
Eu sinto frustração. Não esperava que a minha vida pública fosse acabar dessa maneira. Eu sempre deixei um bom legado para todo mundo. É complicado (pausa), muito complicado.
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