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Rede de proteção: conheça as frentes no combate à violência contra a mulher

Os dados referentes à violência doméstica assustam mais a cada ano. Se esses valores representam um aumento do número efetivo de agressões ou se há uma quantidade maior de registros, não é claro. A violência em contexto afetivo se manifesta no chamado ciclo da violência, em que se repetem fases de tensão, explosão e reconciliação, que vão se agravando e podem culminar na violência fatal – o feminicídio. Muitas vítimas de violência doméstica têm dificuldade para denunciar as agressões, o que exige que a rede de proteção esteja pronta para acolher estas mulheres.

Para buscar uma aproximação com a imprensa, a Coordenadoria das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Rio Grande do Sul realizou, durante a Semana da Justiça pela Paz em Casa, a 1ª Roda de Conversa com Jornalistas. O evento ocorreu na manhã da última quinta-feira, 12, na Sala de Espera Humanizada do Foro Central I, em Porto Alegre, com a participação das juízas de Direito Madgéli Frantz Machado e Andréa Rezende Russo.

O encontro abordou temas como o papel da imprensa no combate à violência contra as mulheres. Conforme Madgéli, além de trazer a público casos envolvendo violência doméstica e familiar, a cobertura da imprensa é um importante canal de denúncia e orientação às vítimas sobre direitos e serviços. “O objetivo é estreitar relações com a imprensa, para divulgar as nossas ações e a realidade dos juizados. A mídia pode ser utilizada para desconstruir os estereótipos de gênero”, disse.

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O Rio Grande do Sul possui nove juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher. No ano passado, o número de medidas protetivas concedidas no Estado foi de 110.123. Em 2018 haviam sido 102.701. No entanto, grande parte das medidas não gera processos, e das que geram, muitas não são condenatórias. “O índice de desistência das mulheres é muito grande, de cerca de 60%”, explicou Andréa. “A medida protetiva funciona quando o agressor se assusta e foge. Algumas vítimas não querem prejudicar os companheiros, só querem que eles parem. A maioria não tem esse sentimento de punir ou prender, muitas precisam da pensão, não querem prejudicar os filhos ou o emprego dos homens.”

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Os dados dos indicadores de violência contra as mulheres no Rio Grande do Sul, da Secretaria da Segurança Pública, apontam que apenas em janeiro de 2020 foram registrados no Estado 3.359 casos de ameaça, 2.083 de lesão corporal e 134 de estupro, além de dez feminicídios consumados e 32 tentativas. Isso representa um aumento de 233% em relação a janeiro de 2018. No ano passado foram 359 tentativas e 97 consumados.

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Destes 97 feminicídios, a situação dos autores após o crime varia: 52 foram recolhidos e seguem presos, 19 se mataram e outros 20 estão em outras situações, respondendo em liberdade ou foragidos. Dos casos de feminicídio registrados no Estado em 2019, 74% das ocorrências se deram dentro do contexto doméstico, com maior frequência aos sábados e segundas-feiras. E 42% das vítimas já possuíam registro de ocorrência contra o agressor.

Apenas quatro vítimas tinham medida protetiva de urgência em vigor na época do fato. Ou seja, 96% não contavam com esse recurso, quando o potencial agressor deve se manter afastado por ordem judicial. “Acredito muito neste instrumento de proteção previsto na Lei Maria da Penha e precisamos avançar numa grande rede de acolhida das mulheres sob risco da violência”, disse a chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor, ao divulgar os dados na última semana.

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Projeto Borboleta

Coordenado pelas equipes dos juizados de Porto Alegre, o Projeto Borboleta desenvolve ações multidisciplinares em favor das vítimas e dependentes – como os filhos que podem ter presenciado as agressões – e também dos autores de violência doméstica. O programa tem layout diferenciados das unidades que atendem casos de violência doméstica e sala de espera e acolhimento humanizado. Um convênio com universidades oferece atendimentos de psicologia. Os participantes podem fazer aulas de arteterapia, oficinas e cursos profissionalizantes do Senac.

Para as mulheres, o foco é que elas se livrem da culpa e se enxerguem de uma forma diferente nos grupos de acolhimento. “A depressão é muito presente entre as vítimas de violência doméstica, muitas têm histórico de tentativas de suicídio, assim como os filhos adolescentes que testemunharam as agressões”, disse Madgéli Frantz Machado.

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Na opinião da juíza, é necessário existir uma rede especializada para atendimento das vítimas e também um trabalho de prevenção. Muitos casos são de filhos dependentes químicos que agridem a mãe, e ela registra a ocorrência para conseguir internação. A estrutura do Judiciário também poderia ser melhorada, já que a demanda é muito grande para o número atual de servidores. Cada juizado especializado de Porto Alegre atende cerca de 130 pessoas por dia.

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Um dos desafios é encontrar pessoas dispostas a abraçar esse tipo tão delicado de trabalho. “Realizamos muitas capacitações, mas é preciso que as pessoas tenham amor pela causa, se empenhem e se dediquem e compreendam a importância. Neste tipo de trabalho ou tu ama ou tu vai embora”, explicou Madgéli, que atua no setor há 12 anos. Para ela, é preciso saber como tratar as pessoas que chegam machucadas e fragilizadas e tentar entender e não julgar as mulheres.

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Conforme a juíza Andréa Rezende Russo, em relação aos agressores, na maioria são réus primários e com bons antecedentes. Nos casos de ameaça e lesão corporal leve, em que a pena costuma ser de prestação de serviços comunitários, ela os encaminha aos grupos reflexivos de gênero. “Eles têm que ter uma reflexão para a mudança comportamental”, explicou. Para a juíza, as condenações de serviço acabavam deixando os homens mais irritados e não resolviam o problema. Já os que participam dos grupos reflexivos apresentam níveis de reincidência mínimos.

ENTREVISTA

Madgéli Frantz Machado – Juíza titular do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Porto Alegre

Qual a importância da imprensa no combate à violência contra a mulher? O que pode ser feito para ajudar o trabalho do Judiciário?
A imprensa tem uma importância muito grande neste processo de evitar a prática de violência contra a mulher. Um papel extremamente importante especialmente na parte de prevenção e transformação do comportamento das pessoas. O que a gente vê hoje é que esses crimes vêm sendo praticados em razão de comportamentos machistas, dominadores e controladores que não reconhecem que a mulher é portadora de direitos mínimos, de liberdade e de escolha. A imprensa pode atuar no sentido de fazer esclarecimentos para a população, para as mulheres, de que muitas situações que a mulher não enxerga como sendo violência, na verdade não são situações naturais, mostrando também quais os caminhos que essa mulher pode percorrer para evitar essa violência ou para buscar ajuda no momento em que ela sofreu essa violência.

Como você avalia essa aproximação com os jornalistas? Qual a importância deste tipo de conversa?
É muito importante, primeiro para que com essa aproximação o Poder Judiciário possa também mostrar o trabalho que ele desenvolve, mostrar toda a estrutura de prevenção e combate à violência contra a mulher que o Estado do Rio Grande do Sul dispõe. E se colocar à disposição, aberta para a imprensa, para esclarecimentos e para contribuir com essas matérias que são produzidas, porque eu entendo que no momento em que existe uma cobertura a respeito de uma situação que já aconteceu é muito importante que se possibilite uma reflexão das pessoas a respeito destes fatos. O que acontece é que muitas vezes as mulheres acabam sendo colocadas como algozes, então em vez de o homem ter a conduta avaliada, o autor daquela violência, acaba se criticando, avaliando e julgando a conduta daquela mulher. A gente sabe que para que a gente possa fazer qualquer apreciação é muito importante saber que os crimes de violência doméstica são envoltos em um ciclo de violência. A gente tem que se colocar no lugar daquela mulher que sofreu a violência para conseguir compreender aqueles comportamentos que, na ótica de muitas pessoas, são inaceitáveis. A situação dela é diferente, para que ela possa sair do ciclo de violência é muito importante que exista uma atuação em rede, precisa de um acompanhamento psicológico, às vezes um atendimento psiquiátrico, para que aquela mulher seja tratada e consiga se reconhecer como detentora de direitos, de autonomia e de poder escolher os relacionamentos e não se sentir culpada, porque a culpa é muito presente na mulher que sofre violência.

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Rede de apoio em Santa Cruz do Sul

Os casos de violência contra a mulher são significativos e vêm aumentando em Santa Cruz do Sul, de acordo com a delegada Lisandra de Castro de Carvalho, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). De 2018 a 2019 foram 100 casos a mais. O último ano teve 373 medidas protetivas deferidas no município. “As medidas protetivas de urgência foram os mecanismos que mais modificaram a situação do combate à violência contra a mulher, por meio da Lei Maria da Penha”, explicou.

A delegada avalia que a Polícia Civil não possui um número adequado de servidores na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e na Deam para atender à demanda. “Deveríamos ter policiais mulheres em maior número para os registros durante as 24 horas. Também teríamos que contar com uma vara especializada em violência doméstica.”

O enfrentamento à violência doméstica em Santa Cruz do Sul tem na Brigada Militar um dos principais recursos, a Patrulha Maria da Penha. Conforme o capitão Rafael Carvalho Menezes, são dez policiais militares, entre homens e mulheres, que se revezam na escala de atendimento. “Em 2019 fizemos com a Patrulha Maria da Penha 517 visitas a mulheres com medidas protetivas de urgência em vigor e cadastramos 232 vítimas na rede”, disse. No ano passado a BM confeccionou 148 certidões para o término do acompanhamento. Atualmente 470 mulheres estão na rede proteção e sendo acompanhadas pela patrulha.

Em Santa Cruz ainda atua o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, que reúne representantes de órgãos da sociedade civil, governamentais e instituições públicas. O grupo trabalha informando sobre as políticas públicas voltadas à mulher em todas as localidades. Conforme a vice-presidente do conselho, a advogada Nicole Weber, as representantes participam da rede de proteção, em contato com o Escritório de Defesa dos Direitos da Mulher, Delegacia da Mulher, Patrulha Maria da Penha, Judiciário e outros órgãos. “Uma vez por mês, temos reunião com o juiz dos casos de violência contra a mulher para avaliarmos juntos o quadro em Santa Cruz e encontrarmos meios de inibir a violência por intermédio do trabalho conjunto”, disse.

Entre as atribuições das conselheiras estão ainda orientar as mulheres sobre os direitos delas e procedimentos das denúncias e acompanhar vítimas nas delegacias. Mulheres que sofrem violência e precisam de ajuda podem entrar em contato pela página do conselho no Facebook, por mensagem no Instagram ou diretamente por contato telefônico ou virtual com alguma conselheira. Também podem ir ao Escritório de Defesa dos Direitos da Mulher, localizado no Centro Integrado de Segurança Pública e Cidadania, no Bairro Arroio Grande, ou ligar para o 3715-9305.

Nicole também é ativista e pesquisadora de temas que envolvem o gênero feminino, realiza palestras e desenvolve um trabalho nas redes sociais voltado ao estímulo e informação sobre os direitos das mulheres. A advogada ainda é coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa e trabalha juntamente com as nove deputadas da bancada gaúcha em políticas públicas para mulheres, além de fazer atendimento em balcão, encaminhando as mulheres aos serviços adequados.

Na semana passada, a região recebeu um veículo exclusivo para a Patrulha Maria da Penha, do 23º Batalhão de Polícia Militar. Ele foi obtido a partir de articulação da deputada estadual Kelly Moraes e do deputado federal Marcelo Moraes, com apoio do vice-governador e secretário de Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, e acompanhamento de Nicole Weber. “Sempre que precisei da ajuda das soldadas da Patrulha Maria da Penha, elas atenderam de prontidão, além de possuírem capacitação diferenciada para esses casos. Precisamos valorizá-las”, ressaltou. “Acreditamos na manutenção de políticas públicas para as mulheres. A Patrulha Maria da Penha faz um serviço humanizado e tem profissionais capacitados. É essencial que o poder público olhe para estes profissionais.”

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OS TIPOS

Violência contra a mulher – é qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico, ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.

Violência de gênero – violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.

Violência doméstica – quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, negligência e abandono.

Violência familiar – violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha, etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).

Violência física – ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa.

Violência institucional – tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas, etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades.

Violência moral – ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher.

Violência patrimonial – ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.

Violência psicológica – ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.

Violência sexual – acão que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros. Consta ainda do Código Penal Brasileiro: a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

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