Dona Natália, nossa mãe, gostava de falar das romarias para Caraaó. O Santuário ficava longe de Cerro Largo, menos pela quilometragem, mais pelo andar coletivo através de “atalhos”. O percurso se tornara quase uma obrigação: a cada terceiro domingo de novembro, ocasião em que são homenageados os Três Mártires, quem pudesse se encaminhava para os atos litúrgicos realizados em Caraaó. No retorno, fazia parte do ritual levar para casa um pouco da água coletada na fonte, considerada milagrosa.
A água sempre significou muito para Natália. Na casa materna havia uma grande cacimba que abastecia a família e quem mais da água necessitasse. Conta a lenda que ela e Arno, nosso pai, teriam se conhecido junto à cacimba. Nós, os filhos, nos habituamos a ver nossa mãe aspergindo, durante vários vezes ao dia, o rosto com água. E prestes a alçar voo, com a fala quase inaudível, ela nos deixou um recado inesquecível: “Não deixem faltar água no mundo!” Seu zelo pela água tinha caráter local e universal. Foi também em novembro, atualizado para nossos dias, que eclodiu a questão da qualidade das águas que abastecem nossa cidade.
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A preocupação com a água vem de longe. A primeira hidráulica municipal, instalada em 1907, foi implantada no atual Parque da Gruta, que compõe o Cinturão Verde de Santa Cruz do Sul. Não tardou para que o Rio Pardinho se tornasse a principal fonte de captação, condição que ocorre até hoje, pois o Lago Dourado recebe suas águas do valente rio.
Que sensação teria Natália ao lavar seu rosto com as águas hoje distribuídas?
Natália sabia unir ciência com afeto, mas era coração. Isso em eras em que a racionalidade imperava. Quem quisesse mostrar sabedoria, erguia argumentos racionais. Quanto mais lógico o exercício mental, mais “inteligente” seria a pessoa. Ao louvar alguém, se costumava dizer: “Tem razão!”, condição que tornava praticamente irrefutável qualquer novo arrazoado, dificultando a contestação. Não era incomum que acontecimentos corriqueiros fossem interpretados de forma diferente por dona Natália; especialmente nos casos de adoecimento de algum familiar. Ela parecia prever o que logo adiante se manifestaria real.
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O que nos ensinaria a sensitiva Natália nestes tempos de algoritmos e inteligência artificial? Talvez ela nos recomendasse menos soberba lógica e mais aproximação sensível com a natureza.
O nome “Natália” está associado ao “nascimento”. Na região missioneira, berço de Natália, como aqui, não é incomum relacionar o “nascimento” com a chegada de Cristo, ou seja, com o Natal. Lembramos a satisfação de nossa mãe ao montar o presépio e colocar patinhos nadando no lago de papel azul pintado de água. Ficava ainda melhor quando se conseguia imitar uma pequena cascata que descia as encostas da gruta que abrigava a criança recém-nascida.
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Neste ano, de trágicas enchentes e qualidade questionada das águas, quem sabe, possamos encontrar um cantinho em nossas moradas para abrigar as fontes de águas cristalinas, à semelhança das que nascem no Cinturão Verde. Junto a cada representação natalina, Natália, quase sem voz, repetiria: “Sejam bons e livres, jamais deixem que falte água no mundo.”
Assim, junto ao presépio organizado pela Vera, cujos cabelos cinza prateados estão voltando, desejamos um antecipado e universal “Feliz Natal!”.
Nesta quarta-feira, 11, às 10 horas, no auditório da PGM (Rua Cel. Oscar Jost, nº 1.571), o Conselho de Gestão Socioambiental estará apresentando o “Acervo Cinturão Verde”. Venha!
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