Em busca de novas fontes de recursos para financiar o transporte coletivo urbano, a Prefeitura de Santa Cruz estuda canalizar receitas do estacionamento rotativo pago para o setor. A possibilidade vem sendo discutida na esteira da reformulação do sistema de transporte no município.
O Rapidinho é administrado pelo Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro). Parte da arrecadação na Zona Azul, que atualmente abrange 46 quadras e 1.579 vagas na região central, é repassada para o custeio da Polícia Civil, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros, Instituto Geral de Perícias (IGP) e Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Em média, são enviados entre R$ 100 mil e R$ 150 mil por ano. Recursos do rotativo já ajudaram a bancar, por exemplo, aquisição de viaturas e a recente reforma da Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA).
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Desde o início do ano, o governo conversa com representantes do Consepro e dos órgãos de segurança sobre uma possível alteração no modelo, de forma que as receitas do Rapidinho passem a contribuir para tornar sustentável o transporte coletivo, sem necessidade de reajuste tarifário. O serviço vem acumulando sucessivos deficits operacionais nos últimos anos por causa da queda vertiginosa no volume de passageiros, o que se agravou com a pandemia. Em maio, por exemplo, o deficit chegou a R$ 353,6 mil.
A arrecadação média do Rapidinho chega a cerca de R$ 200 mil por mês – do ano passado para cá, houve uma queda de 20%. O entendimento no Executivo é de que, como o estacionamento rotativo é um instrumento voltado à mobilidade urbana, faria mais sentido que esses valores fossem direcionados para o setor de transporte. Esse, inclusive, é o modelo que já vigora em outros municípios, como Porto Alegre. Além disso, no fim de junho, a Prefeitura assinou um termo de cooperação por meio do qual devem ser repassados em torno de R$ 1 milhão por ano para as forças de segurança.
Procurado, o secretário municipal de Segurança, Transporte e Mobilidade Urbana, Everton Oltramari, confirmou que há conversas nesse sentido e uma proposta deve ser apresentada nas próximas semanas. Segundo ele, o governo não pretende inviabilizar a atuação do Consepro e tampouco impedir que alguma parcela dos recursos do Rapidinho seja destinada à segurança pública. Porém, Oltramari considera justo que a maior parte do valor vá para o transporte, ainda mais diante da crise nacional no setor. A medida já teria o consentimento da prefeita Helena Hermany (PP).
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Medidas estão em análise desde fevereiro
A medida estava prevista em um conjunto de sugestões apresentado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados (Agerst) em fevereiro, durante o processo que levou à decisão de congelar a tarifa do urbano. A proposta era implementar um fundo municipal para o serviço, já previsto em lei, que receberia recursos de diversas fontes, incluindo parte do faturamento do Rapidinho.
Após o congelamento da tarifa, a Prefeitura implantou um subsídio temporário ao setor. Tanto em abril quanto em maio, o valor repassado ficou em torno de R$ 273 mil. Em paralelo, foi contratada a Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec), de Porto Alegre, que vai entregar em até cinco meses um estudo técnico para reestruturação do sistema, o que deve envolver extinção da função de cobrador, redução de linhas e horários e revisão de isenções, entre outros.
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Gestão do rotativo pode ser licitada
Além de redirecionar parte da arrecadação da Zona Azul para o transporte urbano, também está no horizonte do governo licitar a gestão do Rapidinho. A Secretaria de Segurança, Transporte e Mobilidade Urbana solicitou um parecer da Procuradoria-Geral sobre o assunto, mas o entendimento preliminar é de que, por se tratar de um serviço municipal, a exploração do estacionamento rotativo pago deveria passar por licitação.
Além disso, o governo acredita que, com uma empresa privada à frente, o serviço poderia ser modernizado – com a implantação de parquímetros, por exemplo – e a inadimplência, que hoje chega a 30%, poderia ser reduzida. Segundo um levantamento realizado pelo governo, das 15 maiores cidades do Rio Grande do Sul, 12 terceirizaram a administração do rotativo e em duas (Novo Hamburgo e Passo Fundo) ele é gerido por empresas públicas. Dentre essas localidades, o modelo de Santa Cruz, onde a gestão está a cargo de um conselho por meio de convênio, é único. A maioria dos municípios também já direciona recursos para fundos de mobilidade urbana e transporte coletivo.
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O assunto será discutido em uma audiência convocada pelo Ministério Público no próximo dia 22. Em um despacho assinado no último dia 10, o promotor de Defesa Comunitária Érico Barin afirmou ser “de todo recomendável, jurídica e finalisticamente” que a Prefeitura “passe a explorar o serviço público de estacionamento rotativo pago de Santa Cruz do Sul, mediante licitação”. O convênio com o Consepro vence em outubro.
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Consepro se diz aberto ao diálogo, mas pede cautela
Questionado a respeito do assunto, o presidente do Consepro, Guido Hermes, se disse “aberto ao diálogo” mas defendeu que o tema seja tratado com cautela. A principal preocupação é com o futuro das 50 pessoas empregadas pelo Consepro atualmente, se o conselho deixar de administrar o estacionamento rotativo.
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Conforme Hermes, a alteração no modelo também pode comprometer a finalidade do conselho, que é contribuir para a segurança pública. Segundo ele, recursos oriundos da Zona Azul bancam uma série de atendimentos importantes às forças – como reforma de viaturas e instalações, por exemplo –, que levariam muito mais tempo caso dependessem de aportes do Estado. “É dinheiro da comunidade e que fica dentro da cidade”, alegou.
Por outro lado, o Consepro não se opõe a que parte da receita do Rapidinho seja repassada à Prefeitura e garante que é possível melhorar o sistema no modelo atual. De acordo com Hermes, um projeto apresentado pelo conselho ao governo há cerca de dois meses previa a instalação de 16 parquímetros e de uma viatura com câmeras para intensificar a fiscalização – o que, de acordo com ele, seria capaz de reduzir sensivelmente a inadimplência. Conforme esse projeto, a Prefeitura passaria a receber uma parcela da arrecadação.
A possível mudança, segundo o presidente do Consepro, já foi discutida com órgãos de segurança e entidades que representam o comércio, e muitos manifestaram preocupações. “Esperamos conseguir chegar a um denominador comum, sem esquecer o trabalho que o Consepro vem desempenhando na cidade há 40 anos.”
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