Na pequena paróquia católica da qual faço parte na Inglaterra, por vezes transportamos pessoas com problemas de mobilidade para as missas dominicais. Uma senhora, em particular, é motivo de alegria para meus filhos, que fazem questão de ajudá-la a sair de casa, carregam pertences e escutam a voz fragilizada com admiração e respeito. Maureen Carroll está próxima de completar um século e, enquanto a saúde permitiu, dedicou a vida à caridade e ao auxílio espiritual, na comunidade e fora dela. Há dois anos, Maureen recebeu um reconhecimento pessoal da Rainha Elizabeth II, que a homenageou com a Medalha do Império Britânico, uma honra mais que merecida.
Para quem nasceu e cresceu em uma república, não é fácil compreender o sentido da monarquia, com chefes de estado cujo único mérito para receber o cargo é o de ter saído de um ventre real. Já meus filhos, nascidos e criados no Reino Unido, encaram de forma natural o fato de a Rainha simbolizar a unidade da nação e se orgulham de ter uma vizinha que foi condecorada pela monarca.
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Na prática, a coroa britânica não tem mais poder efetivo. Como qualquer chefe de estado, porém, ela tem o dever de representar a unidade de um povo, proporcionando estabilidade tanto nas horas difíceis quanto nos momentos de júbilo. Elizabeth II soube representar melhor que ninguém essa segurança, sem deslizes, sem palavras mal colocadas, sem interferência política e sem extremos emocionais. Fez sempre o que tinha que ser feito, e o fez com maestria. É claro que tal união também pode ser representada por governantes eleitos democraticamente, desde que trabalhem pelo bem do povo e saibam se comportar à altura do cargo, dentro e fora do país.
Levará tempo para nos adaptarmos à ideia de que Elizabeth II não é mais a rainha. A maioria da população britânica nunca teve outro soberano e o futuro dirá se o novo rei, Charles III, conseguirá manter pelo menos uma fração da popularidade que a mãe soube habilmente construir. Apesar da pompa e do luxo que sempre a envolveu, Elizabeth me pareceu, pela postura e dedicação ao serviço público, ter uma certa aura de humildade.
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Tornou-se a herdeira presuntiva da coroa somente aos 10 anos, quando o tio, Eduardo VIII, abdicou do trono. Aliás, apesar de o motivo da abdicação ter sido o desejo de se casar com uma norte-americana divorciada, Eduardo, indiretamente, salvou o reino de ter um monarca admirador de Hitler, lembrando que, já na primeira guerra, a Casa de Hannover, originalmente alemã, mudou o sobrenome para Windsor, dissociando-se assim do tradicional inimigo dos ingleses.
Elizabeth jamais foi à escola, teve uma infância limitada ao convívio familiar e não era uma mulher com cultura excepcional. Aos 25 anos, com a morte do pai, tornou-se chefe de estado de 32 países (hoje restam 15, entre eles o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia), líder da comunidade britânica de 54 nações (Commonwealth) e Governadora Suprema da Igreja Anglicana. Ao ser coroada, o primeiro-ministro – foram 15 no total – era Winston Churchil e os líderes da China e da União Soviética eram, respectivamente, Mao Tsé-Tung e Josef Stálin.
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A Rainha viveu os últimos dias no local predileto dela, o Castelo de Balmoral, nas terras altas da Escócia, com o isolamento e o prestígio que desfrutava na região, mesmo diante da possibilidade cada vez maior de a Escócia se separar do Reino Unido. Ao entardecer de 8 de setembro, o sentimento na Grã-Bretanha era de que, ao menos por um instante, a história havia parado. Como não poderia deixar de ser, houve tristeza, mas não exacerbação, em uma cultura que se orgulha de manter a calma e o bom humor em situações adversas.
Foram poucas as oportunidades de conhecer a personalidade de Elizabeth fora do papel oficial. Uma pergunta que era feita seguidamente à monarca sempre me chamou a atenção. “Dos líderes mundiais que havia encontrado em sete décadas, qual deles tinha deixado a impressão mais marcante?” Sem titubear, ela dizia se tratar de Nelson Mandela, que sempre a tratou de Elizabeth, sem os títulos e as reverências tradicionais. A rainha repetia que Mandela havia sido a pessoa menos rancorosa que conheceu, e que, ao mesmo tempo, era a que mais razões tinha para guardar rancores. Considerava-o um símbolo de sofisticação na simplicidade, algo que também nos diz muito sobre o caráter e a real majestade de Elizabeth II.
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