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“Quo vadis”, Aida?

Quo vadis? é uma frase latina que significa “Aonde você vai?”. A origem da expressão estaria ligada a um trecho dos Atos de Pedro, texto bíblico considerado apócrifo (que não foi reconhecido pelas autoridades religiosas cristãs). A narrativa fala de um encontro do apóstolo Pedro com Cristo ressuscitado.
São Pedro está fugindo dos romanos, que o haviam condenado à morte. Depara-se com Jesus a certa altura do caminho e, de imediato, pergunta: aonde vai? “Vou a Roma, para ser crucificado novamente”, responde a aparição do Cristo. Após esse episódio, Pedro teria desistido de sua fuga e retornado a Roma, onde o mataram.

Quo Vadis, Aida? é um filme de 2020 produzido na Bósnia e Herzegovina, antiga Iugoslávia e cenário de uma das guerras civis mais brutais dos anos 1990. Trata de um episódio crucial desse conflito: o massacre de Srebrenica, em julho de 1995, quando paramilitares sérvios executaram a tiros cerca de 8.300 muçulmanos bósnios, todos homens (inclusive crianças e idosos). A Aida do título é uma intérprete da ONU que tenta evitar o pior, ou pelo menos salvar marido e filhos do genocídio.

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Em meio à impotência de uma amedrontada força de paz da ONU, sempre à espera de um apoio aéreo que não vem, e a determinação de um exército empenhado na “limpeza étnica” regional, Aida encontrará antigos conhecidos. Por exemplo, um aluno dos seus tempos de professora. Agora ele é adulto e veste a farda dos carrascos.

Pois as guerras civis têm esta característica: velhos conhecidos, vizinhos e até amigos, que dividiam os mesmos espaços de convivência, tornam-se de um dia para outro inimigos mortais. E com que facilidade seres humanos são transformados em lixo. Agora, em 2024, mais de 50 conflitos armados estão em andamento. A mesma lógica: “do outro lado” não existem pessoas, somente lixo.
Crianças mortas em escolas e hospitais destruídos em Gaza? Todos terroristas. Ou iriam se tornar, de qualquer maneira. Melhor prevenir, ter piedade é vergonhoso.

Em Srebrenica, quando os tempos mais cruéis se foram, Aida encontrou nas ruas assassinos de seus entes queridos. Livres. Pois, como dizem, “o que passou, passou” e é preciso viver. Mas para onde se vai com essa memória?
“Vou a Srebrenica, novamente.”

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Guilherme Bica

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Guilherme Bica

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