Entrei correndo na estação ferroviária de Nagoia, vindo direto da última reunião da semana e com poucos minutos para encontrar a plataforma onde embarcaria no shinkansen (trem-bala) que, eu bem sabia, não atrasaria nem um segundo. Finalmente em meu assento, afrouxei a gravata enquanto, bastante ofegante, suava profusamente graças ao exercício forçado e ao verão quente e úmido dos vales de Honshu, a principal ilha do Japão. Gentilmente, um nativo ao meu lado me alcançou uma pequena toalha e colocou uma garrafa d’água sobre minha mesinha, perguntando se eu estava bem. Meu destino era Quioto, 130 km mais a oeste e a 450 km da capital, Tóquio. Aquele gentil senhor, apesar de não falar bem inglês, forneceu ótimas dicas sobre essa antiga capital japonesa e, mais que tudo, transmitiu a gentileza e o cuidado que tão bem caracterizam a cultura nipônica.
Quioto foi a sede de imperadores e xoguns (ditadores militares apontados pelo monarca) do país do sol nascente por 11 séculos, desde a fundação da cidade, em 794, até a transferência da corte para Tóquio, em 1869. A metrópole mistura arquitetura moderna, como o impressionante complexo da estação central, com locais tradicionais e antigos, a maioria deles ao longo da bela avenida central, Teramachi, onde elegantes policiais com suas luvas brancas organizam o trânsito de veículos e turistas que percorrem os vários templos budistas e xintoístas, assim como as outras construções ancestrais que fazem de Quioto a capital cultural do Japão.
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O Palácio Ninomaru, no complexo do Castelo de Nijo, foi construído em 1603 pelo fundador do último xogunato (Tokugawa) e impressiona pela atenção aos detalhes. Em uma das dependências, a Sala do Rouxinol, o barulho que os passos provocam sobre o piso de madeira foi projetado para imitar o entoar do pássaro. Além da melodia, era também um dispositivo de segurança para alertar sobre eventuais incautos que por ali passassem na calada da noite. Outra atração literalmente brilhante é o pavilhão dourado de Kinkaku-ji, construído no século 14 como residência para o Xogun Yoshimitsu e hoje transformado em templo zen-budista. Mais afastado do centro da cidade, o belíssimo templo Kyiomizu-dera oferece uma vista espetacular do vale de Kansai. Dezenas de outros templos, bem como o antigo Palácio Imperial, fazem da região um magnífico tesouro cultural.
Em 1997, foi assinado na cidade um tratado entre 192 países para a redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, conhecido como Protocolo de Quioto. Levado mais a sério por alguns países do que por outros, foi uma forma de reconhecimento das constantes mudanças climáticas, cujas consequências catastróficas seguem provando a importância desse e de outros acordos ambientais, que oxalá sejam cumpridos de forma mais responsável daqui para frente.
O Japão convida à contemplação de belos lugares e paisagens. Além disso, somos compelidos a observar e aprender com muitos aspectos de sua cultura, por vezes difícil de ser entendida. A organização, o respeito, a devoção ao trabalho – em alguns casos exagerada – e a valorização da harmonia nas relações pessoais são frutos de várias tradições filosóficas e religiosas, mas também da necessidade de sobrevivência e desenvolvimento em um pequeno arquipélago com alta densidade populacional e seguidamente castigado por vulcões, terremotos e tufões.
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A chamada cidade dos Samurais, apesar de ter sido alvo de bombardeios durante a Segunda Guerra, foi uma das únicas no Japão a conservar uma parte significativa da arquitetura original. No final do conflito, os Estados Unidos considerou lançar uma bomba atômica sobre Quioto. Além de densamente povoado, o local era o centro intelectual do Japão. Por insistência de Henry Stimson, secretário da Guerra nas administrações Roosevelt e Truman, o lugar que o americano conhecera em sua lua de mel acabou sendo retirado da lista de alvos potenciais. Como sabemos, as cidades de Hiroshima e Nagasaki não tiveram a mesma sorte.
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