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Qufu, China: Herança milenar e constante renovação

Minhas viagens de trabalho na China envolvem longas distâncias domésticas entre as várias províncias. Nos últimos anos, dispensei o transporte aéreo e usei somente trens. Em menos de 15 anos, o país construiu uma rede eletrificada de 38 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade (acima de 300 km/h). Uma viagem de Pequim a Xangai (equivalente a Porto Alegre-Rio de Janeiro) pode ser feita em menos de cinco horas. A conveniência, o conforto e os preços acessíveis permitem o transporte de mais de 2 bilhões de passageiros por ano.

Em uma das paradas do trecho em que eu viajava, na província de Shandong, o nome da estação me chamou a atenção: Qufu (pronuncia-se Tziufu). É a cidade natal de Kong Qiu, filósofo que teve seu nome latinizado como Confúcio (551-479 a.C.). Em poucos segundos, decidi não perder a chance de conhecer a terra que gerou os ensinamentos que regem a malha social e governamental chinesa há 25 séculos. Pouco antes de a porta se fechar, recolhi a bagagem e desembarquei.

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Um dos fenômenos pouco entendidos da história humana é o fato de a filosofia escrita ter florescido de forma independente, em torno do mesmo período, em distintas regiões do planeta. É como se houvesse um inconsciente coletivo que se move em uma mesma inércia na humanidade. O pensamento desses pioneiros teve um impacto profundo na forma que hoje pensamos e vivemos em todo o mundo. Os textos fundamentais da filosofia indiana (Upanichades) foram escritos entre os séculos 6 e 8 a.C. Na mesma época, na Grécia, aparece o primeiro filósofo pré-Socrático de relevância, Tales de Mileto, nascido em 624 a.C. O nascimento de Sidarta Gautama, o Buda, teria ocorrido no mesmo século, embora alguns estudos indiquem que ele teria vindo ao mundo em torno de 480 a.C., mesmo período de Sócrates.

Uma estátua recente de Confúcio, com 72 metros de altura, em Qufu

Por fim, em Qufu, em 551 a.C., nascia o primeiro grande filósofo chinês. Na China, não havia uma forte cultura religiosa ou sobrenatural, o que explica o naturalismo de sua filosofia. Os princípios dos ensinamentos de Confúcio estão concentrados nos cinco livros chamados Clássicos e, em especial, nos Analectos, um compêndio de diálogos entre o mestre e seus discípulos. Eles formam um sistema de valores, uma teoria política e, para alguns, uma religião, mas vão além, definindo normas de ordem hierárquica baseadas no respeito pelos mais velhos, pelos antepassados e pela tradição.

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O termo confucianismo foi cunhado pelos jesuítas que chegaram na China no século 16. Localmente, assim como no Japão, Coreia e Vietnã, a filosofia é conhecida como Ru (estudioso), sem referência direta ao sábio de Qufu. Os pilares principais são Educação, Família e Ritual (comportamento social). “O respeito aos pais e aos mais velhos é o fundamento da harmonia nas relações sociais”, disse Confúcio. A organização da sociedade e dos governos é baseada na estrutura familiar. O respeito à hierarquia é fundamental, porém sem subordinação cega ou idolatria. Assim como os pais são respeitados por cuidarem das necessidades emocionais e físicas dos filhos, também o respeito pelo governo deve ser baseado na forma como a população é por ele tratada. O mandatário precisa agir como uma espécie de pai cuidadoso.

Discreta tumba que guarda o maior “influenciador” chinês da história

O princípio mais popular do confucianismo é o da empatia. A regra de ouro dos Analectos é seguidamente citada, embora seja raramente praticada no mundo ocidental: “Nunca faça aos outros aquilo que tu não desejas para ti” (Analectos, 15.24). Confúcio pregava que regras como essa devem fazer parte da formação das crianças para que se tornem instintivas. A revolução cultural (1966-1976) tentou banir o confucianismo, mas ele está enraizado e voltou com força após a morte de Mao Tsé-Tung.

A história chinesa permanece marcada pelas regras simples de relações pessoais e institucionais: crianças que respeitam seus pais se tornam boas pessoas para a sociedade. Membros do governo devem ser educados e equilibrados. Governos só podem ser bem-sucedidos se tiverem o apoio do povo. Os princípios de Confúcio ajudam a garantir, pelo menos no médio prazo, que governos que não favoreçam a população, ainda que ditatoriais, sejam extirpados de baixo para cima. Com a velocidade de um trem-bala, a China avança para se tornar novamente a maior economia mundial.

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