“Eu te amo”, afirmou uma seguidora com o livro recém-autografado agarrado nos braços. “Sonhei contigo”, disse outra, quase em lágrimas, enquanto apertava a mão do espiritista. Sobraram cenas de comoção e abraços prolongados na noite dessa quarta-feira, em Santa Cruz do Sul. Todos queriam encostar ou simplesmente ficar perto de Divaldo Franco. “Fenômeno” do espiritismo no Brasil, o médium falou para 1,3 mil pessoas na Inside e mostrou por que arrasta multidões onde quer que esteja: foi atencioso com todos que manifestaram mensagens de carinho e brincou, provando que o senso de humor é uma de suas marcas. Sorriu e agradeceu por, mais uma vez, estar ali.
Faz 30 anos que o baiano natural de Feira da Santana vem a Santa Cruz. Sua relação com a cidade é tão íntima que até o título de Cidadão Santa-cruzense ele recebeu em abril do ano passado. Aqui conquistou amigos que viraram seguidores e formaram uma rede de apoio voluntária. O presidente da Associação Espírita Francisco de Assis. Enio Medeiros, e sua esposa, Jaqueline, por exemplo, viajam ao lado do espiritista desde 2009 e o ajudam a vender suas obras. Este ano visitaram 16 países e 21 cidades. Tudo é por conta deles. Já a voluntária do Centro Espírita A Caminho da Luz, Nivalda Steffens, 66 anos, fica encarregada de preparar os almoços para o médium em suas passagens por aqui.” Ele gosta muito de churrasco – em especial da picanha –, galeto e de um bom carreteiro.”
Divaldo também é movido a café. A cafeína é seu “combustível” diário para se manter acordado. “Escrevo e psicografo de seis a oito horas por dia. Como não tenho secretária, sou eu quem digita, revisa e revisa de novo.” Essa prática lhe rende uma média diária de apenas quatro horas de sono. E quem disse que ele se mostra cansado? “Quanto mais a pessoa tem desafios, mais ela desenvolve os neurônios. Eu me aposentei para poder trabalhar no ideal.” E haja tempo para conciliar tantas atividades.
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Hoje o médium viaja de 180 a 220 dias por ano ministrando palestras e seminários. Em Passo Fundo, nessa segunda, 4 mil pessoas foram conferir a fala de Divaldo. Já em Novo Hamburgo, na sexta, mais 1,8 mil. Ele também recebe mais de cem e-mails diários e 200 mensagens no WhatsApp. Só lamenta não estar mais ativo na internet. “Sei que tem muitos sites e páginas em meu nome, mas não participo, pois não tenho tempo. Preciso cuidar da mediunidade.” Mas não é porque dedica boa parte do seu tempo à doutrina espírita que ele deixa de cuidar da aparência. Aos 90 anos, Divaldo pinta, sim, o cabelo e faz questão de manter-se elegante nos trajes que escolhe. “Autoestima me faz bem. E assim, eu fico menos assustador para o os outros”, brinca.
Com 280 livros publicados – e 11 prontos que devem ser divulgados somente após desencarnar – Divaldo não se considera um “escolhido”. “Sou uma pessoa normal, que serve à doutrina espírita. A diferença é que sou perseverante. Nada me desanima.” Somente no minisseminário em Santa Cruz, marcaram presença moradores de Vera Cruz, Candelária, Sobradinho, Santa Maria, Rio Pardo, Pelotas, Arambaré, Guaíba, Lajeado, Bento Gonçalves, Colinas e até Uruguai e Paraguai.
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Com vocês, Divaldo
Catolicismo x espiritismo
“Acredito que muitos católicos estão hoje migrando para o espiritismo, pois historicamente a religião tem uma doutrina punitiva. As religiões, no passado, eram castradoras. Vemos na psicografia que o erro não é mais uma questão afligente. O erro é aprendizagem. Para andar, caímos. Para falar, erramos. Moralmente também nos equivocamos, mas não podemos ser impedidos de progredir. Felizmente a igreja conta com um homem extraordinário, que é o papa Francisco. Ele tem conseguido derrubar os tabus medievais que hoje não se justificam.”
Por que arrasta multidões?
“É porque o espiritismo é uma doutrina tão fascinante que agrada a todo mundo. Nós temos perguntas, e os espíritos têm respostas claras e perfeitamente atuais com a ciência contemporânea. Para o espiritismo, nada é proibido. Temos o direito de fazer o que a consciência nos permite, mas com responsabilidade. Tudo o que fizermos temos que dar conta.”
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Positivo na crise
“O grande problema da crise econômica e social que vivemos hoje é o indivíduo. As pessoas vivem dramas e angústias. Isso forma uma crise grupal que se multiplica. Por outro lado, acredito que podemos ser positivos, porque todo progresso se dá depois de uma crise. Na Revolução Industrial, por exemplo, o mundo sofreu a perda de emprego, entretanto deu mais dignidade ao trabalho das pessoas. Em um processo cultural, ela também traz lições. Os recomeços são resultados de uma crise. Sempre há uma mudança de conceito e de oportunidade. É importante ressaltar, porém, que quem está em paz consigo mesmo lamenta o que acontece, mas não está em crise, porque está de bem.”
Relacionamentos
“Muitos me perguntam por que não casei. E respondo: porque não tive tempo. Minha vida foi pautada por lutas. Desde cedo, tive que trabalhar. Cuidei dos meus pais e depois de meus filhos. Tenho cinco legítimos, 684 adotados e mais de 400 netos.”
Como se descobriu médium
“A minha primeira visão psíquica foi aos 4 anos. Tudo começa quando você tem visões psíquicas. Anda na rua, lembra de um amigo e encontra ele. A psicologia chama isso de sincronicidade. Nós chamamos de intuição. É uma percepção paranormal. Nós ficamos sensíveis. E assim como os profissionais se educam e procuram se especializar, nós, médiuns, precisamos da meditação, do silêncio, da prece, da paz interior. É muito fácil.”
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O segredo para ter boa disposição aos 90 anos
Aos 90 anos, a disposição de Divaldo Franco impressiona. Nos minisseminários que ministra (de pé) não manifesta sinais de exaustão, tampouco tropeça nas palavras. A boa oratória, aliás, é uma das características que fazem as pessoas não se dispersarem durante seu discurso. Em cada encontro são novos temas, novas histórias e uma riqueza de detalhes. Seja antes, seja depois da palestra, também atende todos – todos mesmo – que buscam uma palavra de conforto.
Não há, entretanto, um grande mistério sobre a sua saúde. A alimentação, segundo ele, é “normal”, tanto que não dispensa aquele churrasquinho quando está em solo gaúcho. Ao longo destas nove décadas, ele só manteve algumas precauções relacionadas aos hábitos. “Nunca fumei, nuca bebi e tive muito cuidado com o sexo para não me tornar dependente de uma função orgânica.” De resto, não tem dúvida: é o modo como encara a vida. “Evitei censurar os outros. Dou o direito de cada um ser como é”. É claro que ele reforça o amor para fortalecer as relações. “É tão fácil amar. Um sorriso, um aperto de mão, um pouco de alegria. Faça dessa proposta uma terapia. Ame e você não adoece.”
Divaldo Franco também afirma ter problemas, assim como “todo mundo”. Mas avalia que alcança a plenitude na hora em que aprende a administrá-los com serenidade. Se ele é feliz? “Está na cara, né?”, finaliza com aquele sorrisão.
Não há filtro religioso para ser espírita
Não há filtro religioso para se identificar com os ensinamentos de Divaldo Pereira Franco. O médium atende evangélicos, católicos ou qualquer pessoa interessada em conhecer a doutrina. Segundo o censo do IBGE de 2010, 345 mil gaúchos já se consideram espíritas. Já em Santa Cruz do Sul, segundo o presidente da Associação Espírita Francisco de Assis, Ênio Medeiros, há cinco centros espíritas.
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O movimento, que já completa 160 anos de existência, segue a raiz do cristianimo tradicional, mas inclui vertentes da ciência, em especial da psicologia, e da filosofia em sua base de credo. O precursor da doutrina, Allan Kardec, explicou em 1959 que o espiritismo é a ciência que estuda a origem, a natureza e o destino dos espíritos.
Mansão já tirou 160 mil da miséria
Considerado um dos maiores médiuns e propagadores do espiritismo no Brasil, Divaldo Franco lidera uma obra social que já tirou 160 mil pessoas da miséria. Tudo o que arrecada com a venda de livros e palestras que faz Brasil e mundo afora, o espiritista reverte para a Mansão do Caminho. Localizado em Salvador, o centro foi construído ainda em 1952 por Divaldo e seu primo, Nilson de Souza Pereira.
Trata-se de um complexo educacional e assistencial que atende hoje 5 mil crianças carentes e oferece creche, escola, oficinas de artes e educação integral, cursos de informática, policlínica e até um centro de parto normal. Divaldo se sustenta com o dinheiro que recebe como funcionário público aposentado e, quando não está viajando, reside no próprio complexo.
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