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Quem é o goleiro de Santa Cruz que conquistou a torcida do Ibiza

Embora almeje chegar ainda mais longe – como bem convém a quem comprovou na prática o poder da determinação –, Lucas Nunes Anacker pode comemorar o ponto já alcançado no rumo que escolheu. Com apenas 22 anos, é dono de uma trajetória que o levou além mar para viver do futebol, como sempre desejou. Primeiro goleiro da Unión Deportiva Ibiza, de Ibiza, na Espanha, clube que disputa a segunda divisão no país, ele hoje mantém-se do seu talento e convive com o respeito e reconhecimento de torcedores e companheiros de time na Europa.

A caminhada – ou melhor, o voo – até lá teve o início traçado em Santa Cruz do Sul, onde Lucas, ainda bebê, chegou de Rio Grande com os pais, Leonardo e Adriane Anacker, que vieram em função de trabalho. Aqui, viveu sua infância da mesma forma que muitos meninos de sua geração: fissurado por futebol. Mas não se tratava somente de um esporte, uma brincadeira ou um lazer. Muito cedo, a prática revelou-se, para ele, era um projeto de vida.

Além de ver o pai jogando com os colegas de trabalho e acompanhar as partidas de seu então time, o Grêmio, ao vivo ou pela televisão, aproveitava todas as chances que tinha para bater bola com os amigos e colegas. Como era mais alto que os outros garotos de sua idade e tinha sobrepeso, sempre acabava no gol. Mas o que poderia ser um castigo para os mais “fominhas”, para ele, virou descoberta. Encontrou-se na posição. Por volta dos 6 anos ingressou na escolinha de futebol do Rogildo, onde confirmou sua habilidade. Sabia – e então já queria – ser goleiro.

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Após um período também na escolinha de futsal CEF/Assoeva, por volta dos 10 anos, foi definitivamente para o campo, no Esporte Clube Avenida. A partir daí, Lucas, as luvas e a bola tornaram-se inseparáveis. Vieram campeonatos, títulos, testes, decepções e alegrias. Tudo ao seu tempo, demonstrando que cada esforço a mais valia a pena.

Foto: Arquivo Pessoal
Lucas, primeiro em pé da esquerda para a direita, decidiu cedo a carreira que seguiria. Descobriu-se goleiro por acaso, mas foi a habilidade que fez dele destaque na posição

 

A partir de sua atuação no Esporte Clube Avenida, aos 11, surgiu a primeira oportunidade para Lucas submeter-se a um período de teste no Internacional. “Naquela época, eu estudava de manhã e treinava três vezes por semana à tarde. Segunda, quarta e sexta, saía logo após o recreio para ir pra Porto Alegre. Me dividi entre as duas cidades, entre o futebol e o estudo. Fiz isso durante um mês, até me dizerem que não ficariam comigo naquele momento, pois eu não estava preparado.”

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Era a primeira decepção. Mas Lucas não baixou a cabeça nem os braços. Continuou trabalhando. Jogava sempre que podia, com o Avenida e outros times, durante o ano e nas férias, em amistosos e torneios. E, após um desses jogos, o Inter chamou para nova avaliação. Estava então com 12 anos. Entretanto, outra vez, foi dispensado. “Uma das piores coisas era contar para os meus pais. Me doía dar a notícia.”

O sentimento era justificável, mas Lucas sempre recebeu deles compreensão e incentivo. Sacudiu a poeira e permaneceu focado, como faz um bom arqueiro. Jogou novamente as copas de fim de ano pelo Avenida, quando apareceu a chance de ir para a AAPS, de Sobradinho, disputar o campeonato gaúcho juvenil. “Era para eu morar lá, treinar todos os dias, enfim, viver um pouco mais do que eu sempre tinha sonhado.”

Leonardo e Adriane foram resistentes à ideia. Preocupavam-se com o fato de o filho ter apenas 13 anos, bem como com seus estudos, pois ele teria de deixar a ótima escola que frequentava. “Eu falei que precisava dar este salto, sair de casa, arriscar para saber se era realmente meu caminho.”

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Então, ele foi. Enfrentou as dificuldades pelas quais passa a maioria dos meninos que perseguem o mesmo sonho que ele. Morava em um pavilhão e tudo era simples. Para ele, contudo, estava perfeito. “Eu só pensava: não quero mais tirar os pés daqui”, recorda. Ficou do início de 2010 até setembro, quando fez um bom jogo numa partida contra o Inter. O clube pediu que ele se apresentasse no dia seguinte em Porto Alegre. “Aí foi diferente. Eu já estava jogando, treinava mais seguido, estava melhor preparado, vivia mais o futebol e já estava maduro das duas vezes em que havia sido reprovado. Me chamaram não para um teste, mas para ficar.” No dia 22 daquele mês, completou 14 anos com esse grande presente.

Foto: Divulgação
Antes do início da temporada 2019-2020, no dia 11 deste mês, Lucas esteve em Santa Cruz visitando a família e os amigos. Na ocasião, conversou com a equipe da Gazeta

 

Da base do Inter para um time europeu

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No Colorado gaúcho, Lucas Anacker passou (e conquistou títulos) pelo mirim, juvenil A e B, junior e sub-23, até treinar com o Inter B, em 2015. Encontrou uma grande estrutura e muito aprendizado. Mas também experimentou as dificuldades com as quais se deparam garotos e garotas que escolhem essa vida. Morava em um apartamento com outros atletas. Havia épocas em que eram dez vivendo no local. Tinha uma rotina exaustiva de treinos, estudava paralelamente e o saldo recebido não era o suficiente para se manter sozinho.

Chegou a pensar em desistir, numa ocasião em que não estava atuando bem e a pressão do treinador de goleiros só fazia piorar seu desempenho. Via os colegas de posição em melhor forma e momento, enquanto ele se sentia cada vez mais para baixo. Contudo, o suporte emocional dos pais, mais uma vez, fez a diferença. “Conversei com minha mãe e ela foi incrível. Disse que era hora de eu fazer valer tudo que já tinha passado até ali.” E Lucas fez. Terminou aquele ano no seu auge e teve uma das lições que leva consigo até hoje. “Quando tu pensares que está no limite, persiste, porque sempre se aguenta mais um pouco.”

Clemer foi uma das figuras mais importantes para a carreira de Lucas dentro do Inter. Ex-jogador e ex-preparador de goleiros, passou a técnico do time juvenil em 2011. “Ele via algo mais em mim. Com ele, joguei sempre.” Quando o comandante assumiu o Inter B, chamou Anacker, que estava em férias, para integrá-lo ao grupo. Mas, aos 18 anos, bem mais jovem que a média de idade do time, conseguir uma oportunidade de jogar ficou difícil. Com o contrato para terminar, era preciso investir em novas possibilidades. A renovação com o clube brasileiro não aconteceu, mas o goleiro encontrou outro escudo para defender, um espanhol.

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O Real Avilés, de Avilés, no norte da Espanha, contratou-o em 2015, a partir da visualização de imagens de jogos enviadas pelo empresário de Lucas. A equipe havia caído para a terceira divisão e a meta era retornar logo para o lugar que julgava justo. O jogador brasileiro considerou ser uma oportunidade interessante, um salto para o primeiro contrato profissional e para o futebol europeu.

O comprometimento com a carreira no novo continente foi grande. E também a paciência. Reserva de um goleiro veterano, no primeiro ano Lucas fez apenas dois jogos. No segundo foram 12 e no terceiro, 16 partidas em meia temporada. Isso porque, após uma boa performance numa disputa com a equipe de Burgos, da cidade de Burgos, o clube, da segunda divisão, levou-o emprestado. No fim da temporada, quis assinar contrato. Porém, dentre várias propostas, inclusive uma de Portugal, Lucas optou pela Unión Deportiva Ibiza, onde julgava ter mais chances de poder efetivamente jogar. Fato que se concretizou.

O primeiro goleiro não estava indo muito bem no começo da temporada 2018/2019, e o treinador deu uma chance a Lucas. O clube estava a poucos pontos do rebaixamento, entretanto, depois de sua entrada como titular, a equipe engrenou nove jogos sem tomar gol, dez sem perder. O brasileiro conquistou a posição e não saiu mais. O desempenho tornou Lucas reconhecido dentro e fora de campo e lhe rendeu a renovação de contrato. Agora como primeiro goleiro.

Ascensão gradativa e contínua

Não fosse o fato de estar longe da família (à qual sempre foi muito apegado) e dos amigos, Lucas diz que estaria num momento perfeito de sua vida. Sempre teve vontade de jogar na Europa e não imaginava que a chance chegaria tão cedo, afinal, foi para a Espanha com 18 anos de idade. Os quatro anos em que já reside por lá lhe permitem agora encaminhar a cidadania espanhola, o que deve abrir ainda mais portas no futebol. “É difícil os clubes ‘queimarem’ vaga de estrangeiro no seu time com goleiro”, argumenta.

Além da cidadania, Lucas também está cada vez mais familiarizado com o país, o idioma e a cultura, bem como cada vez mais preparado enquanto profissional. Nos dois primeiros anos fora, não veio para o Brasil, pois as competições acabavam e ele seguia treinando. Empenhou-se muito no aprendizado da técnica, baixou o peso (porque lá se pratica um futebol mais ágil), enfim, fez de tudo para melhorar sua performance.

Hoje, já colhe frutos de todos esses esforços. “Tanto entre os torcedores quanto no grupo de jogadores, minha presença começou a pesar. Mesmo jovem, jogando bem, a gente vai ganhando credibilidade.” Na Ilha de Ibiza, onde mora e atua, as pessoas o reconhecem, cumprimentam, pedem para tirar fotos. E o hotelzinho onde se hospedou nos primeiros tempos ficou para trás. Atualmente, reside em um apartamento do clube e diz que vive bem, com tranquilidade. O que não mudou foi o foco de Lucas. A vida pessoal, conta, está em segundo plano. A prioridade é a profissão. “Acordo e durmo pensando em futebol. Minha vida gira em torno disso.”

O objetivo, revela, é continuar crescendo devagar, sem dar nenhum passo maior do que as pernas. E, se pudesse escolher o próximo destino, ele não estaria muito distante de onde se encontra hoje. “Gosto muito do campeonato inglês, ficaria muito realizado se jogasse lá. Poderia começar a pensar que o meu desejo de criança estaria se realizando. Admiro a forma que eles têm de trabalhar, a intensidade dos jogos, o profissionalismo, o cuidado com tudo nos mínimos detalhes. É um futebol ao nível máximo.”

 

Futebol para viver

O sonho de infância de Lucas foi adotado por seus pais, Leonardo e Adriane, assim que perceberam o que representava para o filho. Ao ver Lucas deixando o conforto de casa e se sujeitando a rotinas exaustivas de treinamento, acomodações precárias e a distância de casa e dos amigos, tiveram certeza de que o futebol era o que ele realmente queria. Então, investiram no garoto, apoiaram e incentivaram sempre. “Eu não estaria onde estou hoje se não fosse pelos meus pais”, frisa.

O goleiro sabe que contou com um suporte que muitos outros aspirantes a atleta não contam. Em contrapartida, a situação confortável de sua família deixou claro que o futebol, para ele, era uma paixão, não uma oportunidade. “Muitos tentam ir para o futebol para ganhar dinheiro, dar uma situação melhor para as pessoas que amam. E não há nada de errado com isso. Mas, no meu caso, eu preciso do futebol para viver, me realizar e ser feliz.”

Aos que sentem o mesmo, Lucas alerta que a carreira não é fácil. Observa que não se trata só de luxo, fama e fortuna. É preciso muito trabalho, dedicação e persistência. Mas, para quem se dá ao máximo e não desiste, as boas coisas, conclui ele, acontecem.

Naiara Silveira

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.

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Naiara Silveira

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