Muito se fala em “pátria” e “patriotismo” hoje, em amar o Brasil e lutar por ele. Nessas horas, difícil não lembrar do maior patriota já criado por nossa literatura, o major Policarpo Quaresma. Um nacionalista implacável, para quem o único objetivo da vida era louvar as glórias do País – reais ou imaginadas – e torná-las ainda maiores.
Lembrei do personagem também porque, na semana passada, morreu Paulo Thiago Paes, o diretor que levou Triste fim de Policarpo Quaresma ao cinema – com o título de Policarpo Quaresma, o Herói do Brasil (1998). Mas o que o herói e o livro de Lima Barreto, publicado em 1915, têm a ver com o sentimento de nossos dias? Que patriotismo é esse?
Rio de Janeiro, fins do século 19. O major Quaresma é um funcionário público de meia-idade e também estudioso do Brasil, de suas riquezas e cultura. Em sua busca obsessiva pela autêntica identidade nacional, chega a propor o tupi como idioma oficial. Envia um requerimento à Câmara, pedindo que se abandone a língua portuguesa para adotar a dos indígenas. A reação é de susto. Se até aquele momento era visto como um excêntrico inofensivo, Quaresma passa a ser considerado louco, quem sabe perigoso, e acaba internado em um hospício. Os cidadãos de bem que o cercam não entendem como alguém pode gostar tanto de índios.
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Tempos depois, aparentemente “recuperado”, Quaresma vai à guerra: é recrutado para lutar na Revolta da Armada, pelo lado do governo, sob comando do marechal Floriano Peixoto. E aí vai perder suas últimas ilusões. A violência do Estado contra os rebeldes, carnificina gratuita, é um choque. “Onde estava a doçura de nossa gente”, pergunta-se. Sim, Policarpo Quaresma acreditava em doçura. Percebe, porém, que sempre vivera num mundo irreal. Mesmo assim, continua ingênuo: escreve uma carta para Floriano, denunciando os massacres. Consegue apenas ser preso e condenado como traidor da pátria. Ele, o maior patriota de todos.
No seu patriotismo, contudo, não havia espaço ou justificativa para matar brasileiros. Pátria era também o seu povo, inteiro, sem discriminações. Isso é o que separa o major Quaresma de muitos nacionalistas de hoje: a lealdade e o respeito ao País, e não a qualquer partido ou governo de ocasião.
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