Diz-se que a vida começa mesmo aos 40 anos. Por essa lógica, eu nasci nessa sexta-feira, dia 11, pesando uns cem quilos e medindo perto de 1,70, já de óculos, já com alguns fios de cabelo brancos, já com direito a votar e a dirigir, já bem casado e com orgulho de meus quatro filhos; mas também já tendo que me preocupar com as contas de água e luz, com o IPTU e com o IPVA, com o custo de vida e a inflação. Ou seja, não terei uma infância só de brincadeiras e destituída de preocupações, como deveria ocorrer a todas as crianças.
Claro, claro. A expressão acima, sobre a vida começar aos 40, é metafórica. Extremamente metafórica. O 40, sabe-se, é um número sagrado, cabalístico, repleto de significados. Consta no Antigo Testamento, por exemplo, que após atravessar o Mar Vermelho, os hebreus vagaram pelo deserto por 40 anos até chegar a Canaã, a Terra Prometida – o que, na prática, equivale a uma distância de 200 quilômetros. Tivessem ônibus na época, os hebreus poderiam ter feito a excursão em pouco mais de duas horas. Mesmo a pé, como estavam, poderiam ter chegado em menos de uma semana, com direito a várias pausas para relaxar, apreciar a paisagem e descansar as pernas.
Ocorre que na Bíblia e em textos sagrados de praticamente todas as religiões o 40, seja em dias, meses ou anos, equivale a um tempo de provações, de preparação e acúmulo de sabedoria, tudo isso para, enfim, chegar a algo melhor. Na esteira desse simbolismo, acredita-se que aos 40 anos de idade você já tenha feito tantas burradas que aprendeu a não repeti-las, o que lhe garante uma vida melhor dali para frente, com muito mais acertos do que erros. A nova vida que começa aos 40, portanto, é uma vida sem tantas burradas.
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Mas, tendo chegado aos 40 anos, não me sinto assim tão confiante e sábio. Ao contrário. Cada vez mais me vejo forçado a repetir o mantra atribuído a Sócrates, o filósofo: “Só sei que nada sei”. E olha que Sócrates sabia de muitas coisas.
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Para mim, os 40 anos estão representando uma fase de incertezas, talvez por ter descoberto que, diante da complexidade do universo, ainda não sei nada. Chego a sentir certa inveja pelas certezas que tem a nossa caçula, Ágatha. A traquinas tem convicções tão arraigadas, que nada a convence do contrário.
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– O Naruto tornou-se invencível – garantiu-me outro dia. – É o ninja mais poderoso que existe.
– É mesmo? – questionei. – E se ele tivesse que enfrentar o Homem de Ferro?
– O Naruto venceria fácil, fácil – respondeu a traquinas, com ar de desdém.
– Lançaria sobre ele um jutsu de fogo, que derreteria a armadura e deixaria o Tony Stark à mostra.
Para quem não sabe, os jutsus, nos animes do Naruto, são técnicas ninja que envolvem a manipulação do chakra e permitem o uso de grandes poderes mágicos contra os adversários. Mas, ainda assim, não me convenci de que Naruto poderia vencer qualquer herói. Seguindo o método socrático, resolvi aplicar mais perguntas na caçula, para vê-la
cair em contradição (sim, esse era um dos passatempos prediletos de Sócrates nas ruas de Atenas).
– E se a luta fosse contra o Incrível Hulk? – perguntei.
– O Naruto lançaria sobre ele um jutsu de serpente. A imensa cobra envolveria os braços e pernas do Hulk, e ele ficaria imobilizado.
– E se fosse contra o Super-Homem?
– O Naruto lançaria sobre ele um jutsu de kryptonita.
– Jutsu de kryptonita? E por acaso isso já aconteceu nos animes?
– Não. Mas o Naruto poderia criar esse novo golpe manipulando seu chakra.
Então me dei por vencido e não insisti na edificante discussão. Sócrates certamente iria mais além, listando os inúmeros deuses e semideuses do panteão grego, em busca de algum que pudesse derrotar o Naruto. Contudo, se tem uma coisa que aprendi, ao longos destes 40 anos, é que não sou Sócrates.
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Uma coisa que sei é como acaba a longa trajetória do Naruto. Sei-o não por ter 40 anos, mas porque o Ricardo Júnior me contou. O final, segundo ele, é triste. Combinamos, lá em casa, de não passar esse spoiler à Ágatha. Deixaremos que ela descubra por si, com o passar do tempo.
Afinal, esse é o curso da vida. A experiência e o conhecimento que acumulamos ao longo dos anos, mais do que reduzir nosso índice de burradas, fazem-nos colocar abaixo nossas próprias convicções e mostram-nos que, na verdade, não sabemos nada. Pode não parecer, mas essa é uma das belezas da vida. É, como diz a canção, a beleza de ser um eterno aprendiz. Eis aí a grande lição de quem chega aos 40 anos.
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