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Quarenta anos nos bastidores da História

Desde 1981, Santa Cruz teve oito prefeitos e mais de 200 vereadores escolhidos pela população em 10 eleições municipais. Nesse período, a Câmara mudou de endereço duas vezes e mais de 6,7 mil leis foram aprovadas, algumas com grande impacto social e que resultaram de intensas discussões e controvérsias. Todos esses movimentos históricos foram acompanhados de muito perto por um servidor que é dono de trajetória rara no setor público. Trata-se de Sérgio Böhm, que no início deste mês completou 40 anos de atuação na direção do Legislativo municipal.

Böhm tinha apenas 24 anos quando ingressou na Câmara. Natural de Venâncio Aires, mudou-se para Santa Cruz aos 18 para estudar no seminário, onde formou-se em Filosofia. O emprego no parlamento foi praticamente o único de sua vida – antes, havia trabalhado por apenas dois meses como repórter no Riovale Jornal. A oportunidade surgiu a convite do então presidente.

Em um primeiro momento, Böhm recusou, mas acabou cedendo dias depois, quando a oferta foi reiterada. “Ele disse que era uma função de importância e que eu poderia crescer e me realizar profissionalmente. Acabei aceitando, mas sem imaginar que ficaria tanto tempo”, recorda.

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À época, a Câmara funcionava no segundo piso do Palacinho e era muito mais enxuta e analógica. Com 21 vereadores, quatro a mais do que hoje, eram apenas dois funcionários – além de Sérgio, uma servidora responsável pela limpeza do plenário e pelo cafezinho. Como os parlamentares não tinham assessores diretos, cabia a Sérgio viabilizar o trabalho de todos. Antes das sessões, que já aconteciam nas noites de segunda-feira, eles chegavam com as proposições que seriam levadas à discussão para que Sérgio datilografasse – a máquina de escrever, aliás, era o único equipamento de que a Casa dispunha. “Às vezes a reunião estava começando e eu estava datilografando os expedientes e pedidos dos vereadores ainda. Alguns até traziam pronto, mas a maioria fazia na hora”, conta.

Além dos projetos, Sérgio também era responsável por fazer as atas, que naquele tempo eram lidas na reunião seguinte. “E os vereadores ficavam muito atentos porque qualquer palavra poderia ser usada contra eles politicamente. Era o único registro que ficava das sessões”, conta. Em alguns casos, os parlamentares ainda solicitavam que seus pronunciamentos fossem transcritos na íntegra, o que tornava o trabalho ainda mais difícil. Em 1982, Sérgio chegou a pedir demissão após um vereador propor que todos os discursos passassem a constar de forma integral nas atas. Em função disso, ele recuou.

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CIGARRO E “PISCADA” NA SESSÃO
Nos primeiros anos como servidor, Sérgio testemunhou um período “mais romântico” da Câmara de Vereadores. No plenário, por exemplo, era permitido fumar durante as sessões. E dos 21 vereadores, a maioria fumava. “Como as janelas ficavam fechadas, era um inferno”, ri. Outro detalhe é que, como eram muitos vereadores e cada proposição era votada e discutida separadamente (não havia votação em bloco, como hoje), as sessões se tornavam extremamente longas: começavam às 20 horas e se estendiam, às vezes, até 1 ou 2 horas da manhã. “Tanto que houve casos de vereadores que caíram da cadeira porque pegaram no sono”, lembra.

“Ajudando o vereador, tu ajudas a comunidade”
Das quatro sedes que a Câmara de Santa Cruz já teve, Sérgio atuou em três. Primeiro, no Palacinho. A partir de 1991, na Júlio de Castilhos, no prédio do antigo Cine Apolo e, desde 2016, na esquina da Assis Brasil com a Fernando Abott.

Nessas quatro décadas, assistiu de camarote – já que desde sempre costuma sentar ao lado do presidente durante as sessões – a alguns dos momentos mais importantes da história política local. Estava, por exemplo, na inesquecível sessão de 21 de dezembro de 1990, quando foi aprovada a Lei do Livre Horário do Comércio. A votação foi acompanhada de uma manifestação barulhenta de comerciários que lotaram o acanhado plenário. “Foi a mais marcante de todas as sessões”, conta.

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Esse clima se repetiria 28 anos depois, no segundo semestre de 2018, após a aprovação da Lei dos Vales, quando servidores municipais realizaram protestos em série durante meses, praticamente inviabilizando o andamento das sessões. “Foi um momento tenso. Tínhamos que respeitar o direito à manifestação, mas não podíamos permitir que se impedisse os trabalhos”, lembra.

Mais do que testemunha, Sérgio, mesmo nos bastidores, também ajudou a escrever a história do município. Uma das suas principais funções é auxiliar os vereadores novos a adaptarem-se às atividades legislativas. Em função disso, muitas das leis em vigor no município tiveram a sua participação direta na elaboração. Para ele, isso é um motivo de orgulho: “Ajudando o vereador, tu estás ajudando indiretamente a comunidade.”

Além disso, também contribuiu, por exemplo, com a redação da atual Lei Orgânica, promulgada em 1990, e do atual Regimento Interno da Câmara, em vigor desde 1992.

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UNANIMIDADE
A função de Sérgio sempre exigiu neutralidade, já que precisa atender a todos os vereadores, independente de partido ou ideologia. E embora a Câmara seja um ambiente de tensões e disputas, ele conquistou prestígio de todos os lados e é hoje uma unanimidade. “Talvez a minha formação em Filosofia tenha ajudado. Sempre consegui que as pessoas confiassem em mim. Eles sabiam que podiam contar comigo”, relata.

Esse reconhecimento foi o que o manteve no posto, apesar dos ventos da política sempre estarem mudando de direção. Quando chegou à Câmara, Sérgio era celetista e só conquistou estabilidade após a Constituição de 1988.

Em 2004, recebeu o título de cidadão santa-cruzense do próprio Legislativo. Na ocasião, convidou todos os políticos com quem havia trabalhado, de todas as matizes. Ninguém faltou. “Foi uma das poucas vezes em que eles sentaram na mesma mesa não para fazer um debate, mas para participar de uma festa.” Apesar disso, assegura que jamais pensou em fazer política e que nunca recebeu alguma proposta nesse sentido.

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Com a experiência de quatro décadas, também aprendeu a respeitar o trabalho dos vereadores, nem sempre compreendido pela sociedade. Refere-se à Câmara como “pulmão da democracia” e garante sentir muito orgulho do que faz. “Muitas vezes a comunidade só vê o vereador na hora da reunião. Mas vereador é vereador 24 horas por dia e as pessoas têm acesso à casa dele”, observa. A consideração pelos vereadores é tamanha que, na entrevista à Gazeta do Sul, fez questão de não citar o nome de nenhum, para não cometer injustiças. E, ao menos por enquanto, não tem planos de aposentadoria. “Me sinto bem aqui. E acho que ainda posso ajudar.”

Além da carreira na Câmara, Sérgio também é conhecido por sua atuação no esporte. É presidente da Federação Gaúcha Desportiva de Eisstocksport e integra as equipes, praticamente só formadas por atletas santa-cruzenses, que representam o Brasil a cada dois anos nos torneios mundiais. Em 16 anos de prática, já competiu na Itália, Austrália, Alemanha, Canadá e Paraguai. No plano pessoal, é casado há 36 anos com Rejane e pai de Diogo, Samuel e Augusto.

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