A adolescente Francine Sins Matias da Silva, de 13 anos, foi morta pelo padrasto a mando da mãe por ciúmes. Essa é a conclusão preliminar da investigação que está em andamento na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Santa Cruz do Sul. O inquérito deve ser concluído em até dez dias.
Detalhes macabros do caso foram revelados nessa sexta-feira pela delegada Lisandra de Castro de Carvalho. No início da madrugada, a mãe de Francine, Geni Sins, de 54 anos, foi presa preventivamente – com autorização da Justiça – depois que a polícia concluiu que ela teria encomendado a morte da própria filha para viver sozinha com o companheiro em um chalé em Rio Pardinho. Geni se diz inocente.
A investigação deu um salto decisivo após a prisão de Ronaldo dos Santos, de 30 anos, no fim da manhã de quinta-feira. Em um depoimento que durou quase a tarde toda, ele confessou o crime e contou detalhes de como fez para matar a adolescente asfixiada.
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Mas o que surpreendeu a polícia foi a motivação: Geni estaria desconfiada de que o companheiro (e sobrinho) mantivesse um relacionamento amoroso com a adolescente (sua enteada e prima, portanto). No depoimento, Ronaldo disse que mantinha inclusive relações sexuais com Francine desde o início do ano. A delegada aguarda os laudos que deverão comprovar que a vítima tinha vida sexual ativa.
Para dar fim à suposta relação do companheiro com a filha, no fim do ano passado Geni teria oferecido R$ 1 mil para que Ronaldo matasse a adolescente. No entanto, eles teriam chegado a um acerto às vésperas da Páscoa, quando a negociação incluiu também o pagamento de parte da moto do acusado. E foi com o cordão do chaveiro da moto que ele asfixiou Francine no mato.
Após o depoimento em que Ronaldo assumiu a autoria do crime e apontou a companheira como mandante, a delegada ouviu Geni no fim da tarde de quinta, já na condição de suspeita. Ao ser perguntada se tinha envolvimento no assassinato, a mulher passou mal e precisou ser levada para o Hospitalzinho. A reação – considerada um “teatrinho” pela delegada – foi decisiva para que Lisandra de Castro de Carvalho pedisse a prisão preventiva de Geni. A delegada já desconfiava que havia algo errado com a mulher desde antes da localização do corpo de Francine, quando ela já dava a filha como morta e apontava o companheiro como suspeito.
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Segundo a delegada, Geni e Ronaldo devem continuar presos e ser indiciados por feminicídio (por envolver violência doméstica), agravado pela asfixia e pela negociação de uma recompensa. Ele vai responder ainda por estupro de vulnerável, uma vez que Francine tinha 13 anos e, mesmo consentida, a relação sexual é crime. A mãe também poderá responder por crime sexual caso fique comprovado que ela tinha conhecimento da relação íntima entre o companheiro e a filha e, mesmo assim, se omitiu.
Irmão não acredita em participação da mãe
No dia do crime, Diones Sins Muller, irmão de Francine por parte de mãe, estava indo visitar a casa da jovem, como fazia todas as semanas, quando avistou Ronaldo, sozinho. Ao chegar à casa, Geni disse que ele havia saído com a menina para comprar ovos de Páscoa. Desconfiado, foi até onde morava o pai de Ronaldo e encontrou-o lá. “Ele estava sentado, chorando, com o rosto vermelho, mas disse que não tinha feito nada.” Mais tarde, quando voltou ao local, ele já havia sumido.
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Diones tem 18 anos e não acredita que a mãe tenha sido a mandante do crime e tampouco que Francine mantivesse um relacionamento com o padrasto, conforme concluiu a polícia. “Minha mãe está pagando pelo que não deve”, afirmou. Segundo ele, desde o início do ano, Geni vinha queixando-se do comportamento de Ronaldo, que teria chegado a quebrar uma televisão e uma máquina de lavar roupa em casa. Ele também já teria tentado agredir Francine. “Eu não acreditava, porque quando eu chegava lá, ele ficava bonzinho. Tanto que não deixei ela registrar ocorrência.”
A dor maior é a perda da irmã, que chamava de Nina e descreve como uma menina do bem e inocente. “Tenho outros irmãos, mas nenhum é como ela era. Que irmãzinha que eu perdi”, lamenta.
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Na vizinhança, perplexidade
A pequena casa de madeira e fachada rosada onde Francine morava com a mãe e o padrasto fica bem no centro de Rio Pardinho, a cerca de 100 metros da RSC-471 e em uma via de chão batido. Quem passava em frente à residência, na tarde dessa sexta-feira, ainda avistava em frente à porta um par de sapatos azuis que ela costumava usar.
Por ali, o clima ainda é de perplexidade. Uma vizinha, que mora na casa exatamente ao lado há quatro meses e costumava ver a menina passar diariamente na volta da escola, diz que jamais cogitou que algo tão grave poderia acontecer. Por outro lado, sabia que Geni e Ronaldo enfrentavam problemas pois ouviam brigas à noite. “Às vezes nem conseguíamos dormir. Mas nunca pensamos que ele poderia fazer uma coisa dessas. Até ficamos assustados quando ele ainda estava solto”, conta.
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Antônio Goldschmidt é proprietário de um armazém próximo e costumava receber Geni para tomar chimarrão e conversar. Francine também frequentava o local, onde carregava a bateria do celular e comprava balas. “Às vezes a Geni comprava uma Coca-Cola para ela. Ela sentava aqui e ficava quietinha”, conta. Segundo ele, o relacionamento das duas era bom, mas Geni já havia relatado que Ronaldo tinha um comportamento agressivo. No dia do crime, Antônio viu o padrasto e menina saírem juntos de moto, sem imaginar qual seria o desfecho.
OS PERSONAGENS
A vítima
Mais nova dos sete filhos de Geni, Francine Sins Matias da Silva tinha 13 anos. Pessoas do seu convívio descrevem a jovem como tranquila, carinhosa e retraída. Passava a maior parte do tempo em casa e geralmente só saía na parte da manhã para ir à escola Christiano Smidt, onde cursava o 7º ano do ensino fundamental. Destacava-se pelo bom desempenho e demonstrava especial interesse pelas ciências exatas. Embora não tivesse problemas de relacionamento, não costumava passar muito tempo com amigos e um de seus passatempos preferidos era usar redes sociais. Vizinhos relatam que viam ela diariamente voltando para casa com fones de ouvido e aparentava ter boa relação com o padrasto.
A mãe
Mãe de sete filhos, frutos de relacionamentos diferentes, Geni Sins tem 54 anos. Já trabalhou em lavouras de tabaco mas, segundo um dos filhos, estava sem trabalhar há cerca de dez anos, quando passou a receber auxílio-doença após ter enfrentado uma depressão. Antes de se estabelecer em Rio Pardinho, morou em Arroio do Tigre e na região central de Santa Cruz, dentre outros. Conheceu Ronaldo durante uma temporada que passou na casa de uma irmã em Linha Estância Schmidt, no interior de Boqueirão de Leão, e os dois passaram a viver juntos, com a filha mais nova dela. Passava a maior parte do tempo em casa. Geralmente, só saía para tomar chimarrão com vizinhos.
O padrasto
Ronaldo dos Santos, de 30 anos, é de uma família de fumicultores estabelecida em Linha Almeida, no interior de Sinimbu. A mãe dele é irmã de Geni Sins e aprovava o relacionamento entre sobrinho e tia. Já o pai de Ronaldo, que também tem 54 anos, era contra. A vida conjugal de Ronaldo e Geni estaria passando por um momento conturbado, e as brigas na casa seriam constantes. Já os ex-colegas dele em uma pequena fumageira de Rio Pardinho o definem como uma pessoa tranquila e de confiança. De acordo com o advogado Gilberto Klein, Ronaldo está “muito arrependido”. “Ele não tinha motivo pra matar a menina”, disse Klein, informando que o homem está em cela isolada.
“Ela era exemplar, em todos os sentidos”
Menos de três semanas antes do crime, Francine usou uma rede social para homenagear Mercedes Baumgarten, que foi sua professora de Matemática no ano passado e enfrenta problemas de saúde. “Felicidade é quando alguém diz do fundo do peito que a distância de alguém não resiste ao carinho de quem pensa em vc todo o dia. #SAUDADES PROFESSORA MELHORA LOGO”, escreveu.
Mercedes, que leciona na Escola Christiano Smidt há 28 anos mas atualmente está afastada, não conseguiu conversar com a jovem após a publicação. “Hoje fico pensando se aquilo não era um pedido de socorro”, diz.
Francine, segundo ela, era uma de suas melhores alunas e sempre teve desempenho e comportamento excelentes. Demonstrava muito interesse pelas aulas de Matemática, em especial pelas atividades práticas. “Ela era exemplar, em todos os sentidos. Era dedicada, querida e sempre ajudava colegas que tinham dificuldades.”
Segundo Mercedes, Francine era tímida e jamais comentou que enfrentasse algum problema em casa. Por isso, as condições trágicas em que morreu foram uma surpresa. “Sempre nos preocupamos mais com os alunos que têm dificuldades e acabamos nos esquecendo que os bons também podem estar precisando de ajuda.”
O CASO, SEGUNDO A POLÍCIA
Sexta, dia 14
Francine e o padrasto saem à tarde, de moto, para um passeio. Segundo apurou a polícia até aqui, ele já estava decidido a matá-la, a pedido da mãe da menina. Conforme depoimento do acusado, eles foram então para uma área de mata a cerca de dois quilômetros da casa, onde teriam tido relação sexual. Esses encontros já vinham acontecendo desde o início do ano, segundo ele. Momentos depois, Ronaldo utiliza o cordão do chaveiro da moto para asfixiar a vítima. Ao notar que Francine está desacordada, ele foge e deixa o corpo no local. Ainda durante a tarde, Geni Sins registra o desaparecimento da menina e se refere a ela como já estando morta. Ela aponta o companheiro como assassino.
Sábado, dia 15
O corpo de Francine é localizado em uma área de mata na Entrada Bauermann, no distrito de Rio Pardinho. A equipe da DPCA inicia a investigação e, conforme a delegada Lisandra de Castro de Carvalho, os vizinhos relatam que a vítima aparentava ter um bom relacionamento com o padrasto, o que ele confirma em depoimento. Já a mãe diz que Ronaldo seria agressivo e a menina não costumava sair com ele. É a primeira contradição apurada pela delegada.
Segunda, dia 17
Conforme combinado no sábado com a mãe de Francine, a equipe da DPCA vai até a casa da família, em Rio Pardinho, mas o imóvel está fechado. À tarde, uma advogada entra em contato com a delegada para colocar Geni Sins à disposição da investigação. É mais um sinal de alerta para a polícia. “Por que contratar advogada se ela não era suspeita de nada? Passamos a questionar se ela tinha conhecimento de um possível relacionamento entre Francine e Ronaldo e ela diz que não, que eles não tinham muito contato e que estava sempre em cima, monitorando”, diz Lisandra.
Quinta, dia 20, e sexta, dia 21
Procurado pela polícia, Ronaldo decide se apresentar. O pai contrata um advogado em Sinimbu e os três se encaminham para Santa Cruz quando, na RSC-287, são abordados pela BM e o suspeito é preso. Ele é levado para a DPCA, onde passa a tarde prestando depoimento. O padrasto confessa o crime, dá detalhes e acusa a companheira (e mãe de Francine) de ser a mandante. A polícia passa a tratá-la como suspeita e chama para novo depoimento. Geni passa mal e é levada ao Hospitalzinho. Enquanto a delegada aguarda o mandado de prisão, policiais monitoram Geni na casa de saúde. No início da madrugada de sexta, ela é presa por ordem judicial. Geni nega participação no crime.