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LITERATURA

“Quando escrevo, eu me sinto vivo”, afirma Luís Beck da Silva Neto em entrevista à Gazeta

Luís Beck da Silva Neto: “A pandemia foi maior do que possamos aquilatar”, afirma

O volume Reverberações do humano, que lançou neste domingo, 13, em Santa Cruz do Sul, recupera parcela de textos que Luís Beck da Silva Neto havia compartilhado em obra anterior, Crônicas de um médico, neto, filho e pai, de edição independente, em 2018. Como aquele livro acabou tendo circulação restrita a seu círculo mais próximo, agora amplia a visibilidade com a nova produção, pela editora BesouroBox.

Entre os dois lançamentos houve a pandemia. É desse período, de distanciamento social e quarentena, que vem a maior parcela das crônicas novas, agregadas às presentes na obra de estreia. Sobre a ameaça da Covid-19, com sua formação e sua vivência de médico, Luís não hesita em apontar os profundos e traumáticos efeitos que ela deixou em tantas famílias. Em entrevista que concedeu à Gazeta do Sul nesta semana, frisa que “as repercussões na intimidade de cada lar foram gigantescas”.

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Em Reverberações do humano, Luís Beck aborda situações que testemunha na condição de médico, confrontado com o ambiente de atuação profissional, mas deixa transparecer igualmente a sua emoção com as pequenas alegrias (ou surpresas) do cotidiano.

Muitas delas são as flagradas em realidade doméstica, no convívio do lar, e expressam particularmente seu afeto e ternura por familiares e amigos, com destaque para tudo o que diz respeito a sua terra natal. Por isso, muitos de seus conhecidos, entre eles ex-colegas do tempo em que estudou no Colégio São Luís, certamente identificarão situações comuns.

Na conversa com a Gazeta, Luís também fala de suas leituras e de suas predileções literárias. E salienta que a escrita, os registros em forma de crônicas, é uma forma de oxigenar a vivência em relação à rotina: “Hoje, creio que cada indivíduo necessita ter seus escapes”, frisa. “Meu hábito de escrever tem sido uma destas escapadas. Quando escrevo, me sinto vivo.”

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Entrevista – Luís Beck da Silva Neto, médico e escritor

  • Gazeta Em que momento o gosto pela escrita, em especial das crônicas, surgiu em sua vida?
    Parece-me que coincidiu com o nascimento do Pedro. De todo o meu livro, apenas uma crônica foi escrita antes do nascimento dele. Todas as outras foram após. Acho que a forma de ver o mundo e importância da vida se redefiniram após a paternidade. A partir daí, situações que se vivencia na Medicina, de fim de vida, de sofrimento, passaram a ter um significado emocional ampliado. 
  • Quais são as referências do senhor em termos de leitura? Quem são as grandes predileções entre os autores, nacionais ou estrangeiros? Certamente, de longe, o que mais leio é sobre medicina. A demanda para se manter atualizado é muito grande e toma muito empenho. Mas, nas brechas que encontro, posso dizer que autores que me marcaram foram Irvin Yalom, que é psiquiatra e escreve sobre finitude. O livro De frente para o sol (original: Staring at the Sun) é sensacional, embora ele tenha escrito o clássico Quando Nietzsche chorou. Também acho genial Franz Kafka, em O processo, em que ele faz o leitor viver o que é o sentimento de culpa. E há quem diga que o sentimento de culpa move o mundo. Mais recentemente, acho que o filósofo Yuval Noah Harari tem nos ajudado a entender o mundo contemporâneo. Dos nacionais, acho que li TODAS as crônicas do David Coimbra. Não perdia nenhuma. Mas temos muitos para lembrar: Karnal, Luis Fernando Verissimo, Lya Luft… Também não perco as crônicas do Mario Corso. 
  • O ambiente da saúde, do exercício da medicina, oferece situações abordadas em suas crônicas. É um espaço que confronta com aprendizagens e reflexões, não é mesmo? Estas situações fazem parte do meu dia a dia. E não tem como minimizá-las. Acho que, se o médico não sentir a dor do paciente, ele deixa de fazer medicina. Várias dessas situações estão retratadas no livro. 
  • Como tem sido a relação do senhor com sua terra natal? Ainda a visita com frequência? Muitos contatos? Tenho um carinho e um vínculo afetivo enorme com as minhas raízes. E as preservo. Visito Santa Cruz menos do que eu gostaria. Mas, graças a Deus, minha irmã que mora na cidade contribui muito para que este vínculo permaneça. Há poucos dias, ainda participei de um campeonato de basquete dos ex-alunos do São Luís. 
    Muitas das crônicas contextualizam o período da pandemia. O que aquela experiência nos deixa como lições? A pandemia foi maior do que possamos aquilatar. As repercussões na intimidade de cada lar foram gigantescas. E o consultório médico é uma luneta direcionada para dentro desses lares, onde a gente vivencia essas repercussões. Certamente, cada um tirou suas eventuais lições, mas as repercussões, boas ou más, foram enormes. 
  • O subtítulo do livro aponta para reverberações “que salvam da rotina”. Por que a nossa rotina está tão tóxica, digamos, que precisamos hoje ser salvos dela? Sim. A rotina mata. Hoje, creio que cada indivíduo necessita ter seus escapes. Algo que goste de fazer que seja fora do rotineiro. Meu hábito de escrever tem sido uma dessas escapadas. Quando escrevo, me sinto vivo. 
  • Uma crônica sugere que “a vitória está em casa”. De que casa se trata e a que vitória o senhor alude? Em alusão ao jargão britânico “The Victory is in the Kitchen”, quando a população inglesa foi orientada por Churchill a economizar na comida para ganhar a primeira grande guerra, usei esse termo na pandemia porque a vitória estava em “ficar em casa”.
  • Num texto, o senhor comenta de um médico passar “ao outro lado do balcão”, isto é, ver-se na condição de paciente. Escrever seria, também, uma forma de “enxergar” sob outro ângulo?
    Certamente, a experiencia de ser paciente é muito significativa para um médico. Ser paciente contribui para nos tornarmos melhores médicos. Nada como passar pelo caminho que os pacientes passam. 
  • O senhor menciona a experiência de ter autografado livro em sua terra natal. Que expectativa alimenta, agora, para esse reencontro com a sua terra? Espero que a ótima experiência se repita. Naturalmente. 
  • Na linha de série de seu livro, nos dias atuais, no Brasil e no mundo, o que faz o senhor pensar “tamo perdido”? Não sabemos o que esperar de nossas crianças quando se tornarem adultas. O mundo que elas vivem hoje é brutalmente diferente do que vivemos há poucas décadas. O mundo de informações a que elas estão expostas é inimaginável. Por isso, não tenho como saber o que nos aguarda. Por isso: tamo perdido!

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