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Quando Eros adormeceu

Esta é uma história da mitologia grega. Conta-se que um dia Eros, deus do amor e da vida, adormeceu em uma caverna escura. Era uma tarde quente e ele, muito cansado, jogou-se ao chão de forma displicente – tão negligente que todas as suas flechas de Cupido caíram. Ele ignorava que aquela era a caverna de Tânatos, o deus da morte. Ao acordar, notou que suas setas encantadas haviam se misturado com as flechas de Tânatos, também espalhadas no solo. Eram tão semelhantes que Eros mal conseguia distingui-las; mesmo assim, juntou o que viu e foi embora – com os dardos do amor e da escuridão mesclados.

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Eros e Tânatos, pulsões de vida e de destruição, forças conflitantes que existem em cada ser humano. O austríaco Sigmund Freud, pai da psicanálise, recorreria a essa mitologia para desenvolver suas teses. Em 1930, início da década que viu a ascensão do nazismo, ele publicou o ensaio O mal-estar na civilização – em que, a partir desses conceitos, expõe sua visão de mundo. Para Freud, a civilização – ou a “cultura”, em traduções mais recentes – é um processo estimulado por Eros. Seu propósito é combinar indivíduos isolados, depois famílias e grupos étnicos, comunidades e nações em “uma grande unidade, a unidade da humanidade”.

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Mas o natural “instinto agressivo” do ser humano, a hostilidade de cada um contra todos e de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Tal pulsão violenta é a principal representante de Tânatos, a pulsão de morte, que ao lado de Eros divide o domínio deste mundo. Freud: “A questão fatídica para a espécie humana é saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação da vida comunal causada pelo instinto de agressão e autodestruição. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle que não teriam dificuldades em se exterminar uns aos outros, até o último.”

Claro que o ensaio é muito mais complexo do que isso, mas fiquemos por aqui. Quase um século mais tarde: guerras. Fracasso da política como conciliação de divergências. Império orgulhoso da pré-civilizatória lei do mais forte.
Exausto, Eros dorme na caverna escura.

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Guilherme Bica

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