A rotina de quem busca uma oportunidade de emprego em um período no qual a economia caminha para trás pode ser desgastante e, muitas vezes, não resulta na tão sonhada carteira assinada. É nesse cenário, contudo, que muita gente acaba encontrando no trabalho autônomo a chance de sair da estatística do desemprego e, persistindo, transforma a crise em prosperidade.
Há dois anos, a santa-cruzense Priscila Merten Aguiar mudou-se a Erechim para acompanhar o parceiro Paulo Bayzek na empreitada de abrir uma franquia de escola de inglês. Sem conseguir um trabalho formal na cidade, ela descobriu na ponta de uma colher a receita que mudaria o futuro dos dois. “Já fazia brigadeiro de panela para comer em casa, mas quando eu comi o da minha mãe vi que a textura era diferente, muito melhor, e pedi para ela me ensinar”, contou. Aproveitando o tempo livre, decidiu levar o sabor caseiro para as ruas da nova cidade, servido de forma diferente, em pequenos potinhos. A receptividade, mesmo em um município desconhecido, surpreendeu.
“Não conhecíamos ninguém e mesmo assim a venda foi muito boa”, lembra. Quando o negócio de Paulo encontrou dificuldades para seguir em frente, os dois voltaram para a terra natal de Priscila e decidiram formalizar – como microempreendedor individual (MEI) – o que até então era apenas um complemento na renda do casal. Tendo como referência a culinária francesa, sinônimo de alta gastronomia em pequenas doses, surgiu o Le Potit, que, desde abril do ano passado, é responsável pelo sustento da casa. O investimento inicial foi de R$ 2,5 mil e consistiu em insumos para a produção dos doces e na contratação de uma empresa de comunicação para criar a marca. “Mesmo sendo microeempreendedor individual e funcionando dentro da nossa casa, queríamos que tivesse um ar profissional, que parecesse já ser algo consolidado”, contou Priscila. E a ideia funcionou.
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Hoje, o casal vende de 80 a cem unidades por dia e o valor varia entre R$ 6,50 e R$ 8,50 por potinho. O trabalho é de segunda a quinta-feira para Priscila, responsável pelo comando das panelas e por toda a parte administrativa, e de terça a sexta-feira para Paulo, que cuida das vendas, do marketing e dos contatos. Diariamente, ele percorre 12 quilômetros entre as ruas do Centro até três bairros da cidade – Arroio Grande, Independência e Santo Inácio. “Começamos batendo de porta em porta para oferecer, mas hoje já temos clientes fiéis e gente que encomenda”, explicou. O próximo passo agora é expandir. No final deste ano, Priscila concluirá o curso de confeitaria no Senac e, a partir disso, novos produtos vão surgir. “O pessoal já nos pede bolos, tortas e sobremesas para o fim de semana. A marca já está conhecida e recebemos muitos elogios, o que encoraja a aumentar as opções de produtos.”
Planejamento e trabalho duro
Liberdade para definir as formas do negócio e alterar os planos a qualquer momento estão na lista de Paulo Bayzek e Priscila Merten Aguiar – o casal Le Potit – dos pontos positivos do trabalho autônomo. Eles dão algumas dicas para quem pretende seguir por esse caminho.
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MEIs no município nos últimos quatro anos
2013
Com a crise econômica prestes a estourar, o município registrou 428 MEIs, das quais 53 fecharam no mesmo ano.
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2014
No auge da recessão, foram 247 aberturas e
30 baixas.
2015
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O aumento do desemprego coincidiu com o aumento da formalização. Foram 303 novos registros e 26 fechamentos.
2016
Consolidada a crise, a abertura de MEIs disparou para 440, uma alta de 45,2%. Destas, 18 fecharam no mesmo ano.
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2017
Até o último dia 28, a Prefeitura contabilizou 421 registros de MEI e a projeção é que esse número chegue a 600 até o fim do ano, o que representa um aumento de 36,3%. Apenas seis empresas abertas este ano na categoria fecharam as portas até agora.
O que é MEI
O empresário autônomo que formaliza seu negócio se torna um microempreendedor individual (MEI), e a empresa também é informalmente chamada de MEI. Enquadra-se nessa categoria quem fatura até R$ 60 mil por ano ou R$ 5 mil por mês, não tem participação em outra empresa como sócio ou titular e possui no máximo um empregado contratado recebendo salário-mínimo ou o piso da categoria. O MEI é isento de Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL e pode evoluir para outras categorias de negócio, conforme o faturamento aumentar. Para quem trabalha de forma autoral, é fundamental para garantir a aposentadoria.
DICA
O retorno não é imediato
Ao abrir um negócio, a maioria das pessoas espera ter retorno rápido do valor investido, especialmente se estiver enfrentando problemas financeiros. De acordo com o gerente do escritório local do Sebrae/RS, Clóvis Glesse, montar a própria empresa para fugir do desemprego é uma boa alternativa, mas requer cuidados. “É preciso planejar e conhecer o mercado, o público para quem se pretende oferecer o serviço e ter certeza de que vai existir uma demanda”, explicou.
Os empreendimentos com alimentos, por exemplo, precisam ter estrutura adequada para ser aprovados pela Vigilância Sanitária. Já as lavagens de carro, que impactam diretamente no meio ambiente, precisam de instalações corretas para atender a todas as exigências. No entanto, o erro mais comum, conforme Glesse, é imaginar um resultado instantâneo. “Em uma empresa, o salário vem depois de 30 dias de trabalho e no empreendimento pode demorar um ano ou mais para ter retorno. Diante disso, é preciso pensar: essa realmente é a saída ou estou me iludindo? A pressa ou a necessidade urgente de conseguir dinheiro pode levar ao fracasso”, explicou.
Motivos para arriscar
A crise não dura para sempre
A recessão atual não é inédita e também não deve ser a última. Como a economia funciona em ciclos, é normal que hajam momentos de dificuldade e outros de abundância, o que significa que daqui a algum tempo o mercado estará recuperado e voltará a crescer. Por isso, investir durante a crise, com planejamento, permite que a empresa conquiste espaço e facilita o encontro de fornecedores e pontos comerciais com custo menor. Quando o crescimento voltar, a empresa estará preparada para expandir ainda mais.
Empresas novas têm vantagens
Enquanto a maioria das empresas que já estão no mercado precisam se adaptar para enfrentar a crise, os negócios que surgem nesse cenário nascem otimizados para lidar com as turbulências. A crise incentiva a cautela, o planejamento bem feito e uma gestão financeira cuidadosa, além de evitar o otimismo exagerado que ocorre em períodos de alto crescimento. Dessa forma, os empreendimentos planejados durante um momento de maior recessão acabam se saindo melhor quando a economia volta a ficar favorável.
A concorrência é menor
O tempo que leva para a empresa deslanchar pode ser usado como um bom laboratório para testar o melhor modelo de negócio com uma concorrência mais baixa, já que a maioria estará cortando investimentos e adiando novos projetos por causa da crise.
Para costureira, consultoria foi fundamental
Quando Jéssica Martin decidiu empreender, há quatro anos, não estava desempregada – mas também não trabalhava com aquilo que queria. Depois de um ano inteiro de planejamento, ela deu início, na própria casa, à SulStamp, empresa de confecções que hoje fatura R$ 4,5 mil por mês. Por dia, ela corta e costura sozinha uma média de 60 camisetas. Depois, as peças são enviadas a serigrafias terceirizadas para retornar às mãos da empresária e, depois, serem enviadas aos clientes. A produção mensal fica em 1,2 mil peças. Se hoje o negócio vai bem, contudo, é porque a santa-cruzense buscou muita ajuda de profissionais do ramo.
O investimento inicial foi de R$ 350,00 e o lucro, conforme Jéssica, só começou a aparecer depois de dois anos. Foi aí, quando ela se deu conta de que as coisas estavam no rumo certo, que ela procurou o Sebrae e começou a participar de diversas palestras gratuitas. No ano passado, investiu R$ 800,00 em uma consultoria financeira. “Quando vi que tinha um pouco de dinheiro sobrando quis entender melhor como emitir notas fiscais, por exemplo, e saber se podia financiar uma máquina com o que estava ganhando. Foi fundamental”, afirmou.
Este ano, investiu o mesmo valor em uma consultoria de marketing. “Agora, como eu já estava ganhando dinheiro, precisava saber como atrair mais clientes, se o preço que eu estava praticando era bom e como eu devia divulgar a empresa”, contou. Além disso, já tem uma boa carta de clientes fiéis. “Em breve, por causa do limite de faturamento, terei que mudar de MEI para microempresa e, para o ano que vem, pretendo contratar alguns funcionários”, contou.
A melhor parte de ser empresária, para Jéssica, é a responsabilidade pelos produtos. “Sei o que estou produzindo e entregando e, com isso, consigo garantir qualidade e controlar o meu crescimento.” As dicas para quem quer empreender também começam pela abertura da MEI. “Antes de mais nada, formalizar-se, porque o MEI é barato e facilita tudo. Depois, pesquisar casos de gente que pode ser exemplo, estudar bastante o seu produto e buscar ajuda, na Prefeitura, no Sebrae, cursos na internet, tudo vale.”
De casa para o berçário industrial
Quando a confecção de Jéssica Martin precisou de mais espaço físico, ela conseguiu uma sala no Berçário Industrial de Santa Cruz do Sul, que fornece espaço e consultoria para empresas que estão começando. Segundo o coordenador do Berçário e do Banco do Povo de Santa Cruz, Paulo Mans, o caso de Jéssica é um exemplo a ser seguido.
“Às vezes a pessoa tem um bom produto, tem os recursos, mas faz escolhas erradas que comprometem tudo. Por isso, buscar uma consultoria é fundamental”, afirmou. Hoje os empresários do município encontram esse tipo de serviço de forma gratuita através do Banco do Povo, no Sebrae e com a Prefeitura, além de empresas particulares que oferecem o auxílio.
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