Manuel Bandeira é um dos mais importantes e mais palatáveis poetas brasileiros. Nasceu em Recife em 1886, mas viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro para onde se mudou sua família em 1890. Em 1904, contraiu tuberculose, na época considerada como “a moléstia que não perdoa”. Fez tratamento na Suíça e se safou da morte para brilhar na literatura brasileira. Morreu em 13 de outubro de 1968. Deixou vasta obra em poesia e também em prosa.
Bandeira mesmo se autointitulava “poeta menor”, o que não corresponde à força lírica de sua poesia. No livro Libertinagem (1930), está um de seus poemas mais conhecidos – “Vou-me embora pra Pasárgada” –, que, de uma forma ou outra, remete à vida de cada um de nós. O poema confronta o aqui e o lá; a realidade e o sonho; a dor, a tristeza e a melancolia com o prazer, a alegria e a felicidade que projetamos ou imaginamos num mundo ideal.
O poeta recorda que ouviu pela primeira vez a palavra Pasárgada quando tinha 16 anos. Confessa que nunca lhe saiu da memória, originando um de seus poemas de mais longa gestação. “Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!” A primeira das cinco estrofes anuncia: “Vou-me embora pra Pasárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada”.
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Pasárgada é uma cidade da antiga Pérsia, atual Irã, onde hoje existe um sítio arqueológico, considerado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. O monumento mais importante do local é um túmulo, que se supõe, mediante inúmeras incertezas e controvérsias, ser do rei Ciro, o Grande. O nome é estranho, mas bonito, tomado pela vogal “a”, o que lhe confere um tom de claridade, suavidade, paz. “Vou-me embora pra Pasárgada” soa totalmente poético, diferente, por exemplo, de “Vou-me embora pra Gramado dos Formigueiros”.
A vida presente de Bandeira, marcada pela doença, pelas limitações físicas que esta lhe impunha, pela visualização da morte iminente, projeta o conteúdo do poema. Morando sozinho, desanimado, triste, decide: “Vou-me embora pra Pasárgada/ Aqui não sou feliz”. Nesse espaço imaginário, ideal, antevê um mundo de delícias, uma paisagem fabulosa, um lugar maravilhoso, sem regras, sem limitações, sem obstáculo algum. Até poderá cometer atrocidades, ofender, mentir, que nada lhe acontecerá, porque será amigo do rei.
E amigos do rei, nós sabemos, sempre merecem perdão.
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Em algum momento, todos nós, ou quase todos, temos alguma crise com o mundo real, com a vida que levamos, com o emprego que nos sustenta, com o tempo presente, e sonhamos com uma Pasárgada, uma praia charmosa, um punhado de amigos, um sítio tranquilo, viagens e paragens sem fim. Como Elis canta: “Eu quero uma casa no campo/ Onde eu possa ficar do tamanho da paz/ E tenha somente a certeza/ Dos limites do corpo e nada mais/ … Dos amigos do peito e nada mais”.
Como poucos conseguem alcançar esse mundo ideal, de sonho, de devaneio, vamos procurá-lo na arte ou em outro recanto da alma, que sempre nos permitem direito à paz e à felicidade. Ou, quem sabe, a Pasárgada está próxima e nós ainda não a descobrimos.
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