Embora a vice-prefeita de Santa Cruz do Sul, Helena Hermany (PP), tenha começado a semana trabalhando em seu novo gabinete, a investigação do Ministério Público sobre a expulsão de Helena de sua antiga sala continua. Nesta quarta-feira o promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, vai ouvir mais testemunhas e até sexta deve concluir o inquérito civil aberto no último dia 20.
Barin adiantou à Rádio Gazeta que deve ajuizar ação civil pública por improbidade administrativa contra o prefeito Telmo Kirst (PP) e o secretário municipal de Administração e Transparência, Vanir Ramos de Azevedo. “Os fatos apurados já estão bastante provados e houve ilegalidade”, destacou, referindo-se ao episódio da vice-prefeita. “Qualquer estudante de Direito sabe apontar a ilegalidade”, reforçou, dizendo que “um gestor não pode retirar o espaço de trabalho de um agente eleito pela comunidade sem que haja um ato administrativo justificando e que esse agente seja previamente comunicado. O que houve em Santa Cruz beira as raias do ridículo”.
LEIA MAIS: “Eu gostaria que retornasse o Telmo do primeiro mandato”, diz Helena no novo gabinete
Publicidade
Com base no que apurou até aqui, o promotor aproveitará a semana para ampliar a investigação, que incluirá o que chama de “clima de terrorismo que se instalou em ambientes da Prefeitura por situações de represália adotadas a partir de desagrados políticos do prefeito”. “Foi esse contexto que ensejou a retirada da vice-prefeita de seu gabinete”, analisa, dizendo que a narrativa criada pela Prefeitura para os fatos “é facilmente desmentida pelos fatos”.
Na entrevista desta manhã o promotor também comentou a longa nota divulgada pelo prefeito na noite de sexta-feira, dividida em 11 tópicos sobre a crise política iniciada no último dia 19. “É uma narrativa descolada da realidade. Ao invés de assumir seus atos, opta pela vitimização”, interpreta o promotor. “Fico bastante triste com isso tudo. Espero que no âmbito funcional essa página seja virada. Fui provocado a agir para reparar uma situação ilegal por ele produzida”, frisa Barin, referindo-se a Telmo.
Publicidade
No fim da manhã o promotor divulgou uma nota oficial sobre o assunto. Confira na íntegra.
NOTA À IMPRENSA
Publicidade
Sobre a entrevista atribuída a Telmo Kirst, publicada em Gazeta do Sul de 30/31 de março de 2019, este Promotor de Justiça manifesta como segue;
O Prefeito, na entrevista, cria uma narrativa política, facilmente desmentida por provas, incluindo os depoimentos do Secretário Vanir Ramos de Azevedo e do servidor Eduardo Morales Wisiniewski, do setor de RH da Sec. de Administração. Penso que a entrevista deveria ser um momento de reflexão, porque apenas uma pessoa deu causa a tudo isso: o próprio Prefeito. E aí, diante das consequências de seus atos, em vez de assumi-los, o Prefeito opta pela “vitimização”, narrativa desconectada da realidade.
Vamos aos fatos objetivamente apurados na investigação, até aqui:
Publicidade
Dia 19 de março: a Vice-Prefeita Helena é exonerada da Sec. de Habitação. No mesmo dia, a Chefe de Gabinete da Vice-Prefeita, Ângela Saraiva, recebe telefonema de Eduardo (servidor do RH) comunicando que, a mando do Prefeito, ela está exonerada. Por que exonerar a Chefe de Gabinete da Vice-Prefeita? Ângela não recebe nenhum ato formal da exoneração, nem no dia, nem nos seguintes.
Dia 20 de março: o Sec. Vanir, a mando do Prefeito, vai até o gabinete da Vice-Prefeita e diz que ela tem de desocupar o local imediatamente (ou, no máximo, até o dia seguinte), caso contrário outros CCs ligados a Helena seriam exonerados (palavras da Vice-Prefeita). Ângela já estava exonerada por telefone naquele momento. Nunca existiu nenhum ato administrativo, formal e prévio, de mudança do local do Gabinete, que desde janeiro de 2013 sempre foi ali, e ali permanecia no site da Prefeitura. Não havia nenhuma estrutura pronta para receber, no dia 20, o gabinete da Vice-Prefeita. Ou seja, procede a informação de que a Vice-Prefeita deveria ficar em casa, pois não tinha onde trabalhar. Tudo leva a crer que, sim, houve expulsão ou despejo. Mas, disse o Prefeito na entrevista: “em nenhum momento ela foi impedida de exercer suas atribuições”…
Dia 20 de março: Helena vem ao MP. O Prefeito “lamenta”. Mas o que ela poderia fazer diante de situação que, além de flagrantemente ilegal, a expôs a um vexame público continuado? Num comparativo absurdo, caso Helena fosse ao gabinete de Telmo e dissesse a ele que deveria deixar o local imediatamente, o que ele faria? Alguém já ouviu falar de um presidente, governador ou prefeito ter feito algo similar? O MP tem o dever de fiscalizar a lei e adotar providências diante da ilegalidade.
Publicidade
Dia 21 de março: o MP instaura investigação, pois os fatos trazem indicativos de improbidade (lesão ao erário e ferimento aos princípios da Adm. Pública) e oficia ao Prefeito para providenciar, imediatamente, estrutura física do gabinete da Vice-Prefeita.
Nos dias seguintes: o local de onde a Vice-Prefeita foi retirada não recebe nenhuma modificação. O local anunciado do “novo” gabinete não recebe nenhuma preparação ou reforma. No item 3 da entrevista do Prefeito, ele diz: “houve orientação para criação do novo espaço”. Será verdade?
Na segunda, dia 25, em diligência do MP, é constatado que o local de onde a Prefeita foi retirada não recebeu nenhuma modificação. Igualmente, o local do “novo” gabinete não havia recebido nenhuma preparação ou reforma, e continuava a ser a Sec. de Cultura. No site da Pref., o endereço do gabinete da Vice-Prefeita seguia o de sempre (o antigo).
Na quarta, dia 27, em audiência no MP, o Sec. Vanir afirma que o local de onde a Prefeita foi retirada não recebeu nenhuma modificação. Ainda, o local do “novo” gabinete não havia recebido nenhuma preparação ou reforma, o que, nas palavras do Sec., seria feito “nos próximos dias”. No site da Pref., o endereço do gabinete da Vice-Prefeita seguia o de sempre.
No mesmo dia 27, a Prefeitura, por nota, disse que Ângela não foi exonerada. Isso é falso. O servidor Eduardo admitiu ter ligado para Ângela, no dia 19, a mando do Prefeito ou de Vanir, comunicando da exoneração. A situação apenas foi revista no dia 25, quando o mesmo servidor disse a Ângela que Vanir havia alterado algo e ela permaneceria no cargo de chefe de gabinete da Vice-Prefeita. Ângela é que fez a ligação e gravou a conversa.
Na quinta, dia 28, vem ao MP certidão feita por tabelionato de que o local do “novo” gabinete não havia recebido nenhuma preparação ou reforma. Lá continuava funcionando a Sec. de Cultura. Mas, no site da Pref., o endereço do gabinete da Vice Prefeita havia mudado: era o da Secretaria da Cultura…
Ou seja, do dia 20 ao dia 28 de março, a mudança feita pelo Prefeito foi alterar o endereço no site. Mas, disse o Prefeito na entrevista: “as adequações eram necessárias”. Então, por que nada foi feito em 8 dias? Onde, senão em casa, a Vice-Prefeita poderia trabalhar nesse período?
E aí o mais inusitado: diante da prova da manutenção da ilegalidade, no mesmo dia 28 o MP oficia novamente ao Prefeito anunciando que haveria imediata Ação Civil Pública caso não existisse o gabinete da Vice-Prefeita até segunda, dia 1º de abril. A providência foi cumprida em menos de 24h… Logo, poderia ter sido cumprida ainda no dia 20 de março. A menção à cogitação do pleito de afastamento do cargo, pelo MP, deu-se porque está prevista em lei exatamente para situações em que o agente público insiste na ilegalidade. Foi o que aconteceu em Herveiras.
Essas são as explicações sobre o caso, que este Promotor apenas faz neste momento devido à entrevista dada pelo Prefeito. A investigação segue, mas todos os fatos acima narrados já estão apurados.
Por fim, quanto às críticas do Prefeito a este Promotor:
1 Disse o Prefeito que não irá permitir abuso do poder: fico mais tranquilo. Deve significar que o evento ilegal e, friso, vexatório não apenas à pessoa da Vice-Prefeita, mas à nossa cidade, não mais se repetirá. No momento oportuno irei adotar as providências legais quanto à menção do Prefeito de que atuei com abuso de poder, o que desborda de uma apreciação crítica.
2 A menção à cogitação do pleito de afastamento do cargo do Prefeito deu-se porque é o remédio previsto em lei exatamente para situações em que o agente público insiste na ilegalidade. Eu e o Prefeito somos agentes públicos e temos o dever de cumprir nossas funções dentro da legalidade. Não é uma opção. Da minha parte, será sempre assim. A atuação do MP é impessoal: Telmo Kirst e qualquer outro servidor público terão o mesmo tratamento técnico, isento e com pretensão de eficiência no restabelecimento da legalidade.
3 “O Promotor tem feito um julgamento público e parcial”. O IC é público e o caso também. O Sec. Vanir pediu o sigilo do IC, o que foi indeferido, por não haver exceção. A regra é a publicidade. Pedir sigilo e bradar transparência não soa contraditório? Até agora, manifestei-me em quatro momentos: na instauração do IC; no esclarecimento quanto ao caso de Ângela; na tomada de providências pela permanência da Vice-Prefeita sem um gabinete, oito dias depois de ser retirada do seu; e diante da entrevista do Prefeito, que insinua “abuso do poder” na minha atuação. Sempre sobre fatos. Se os fatos dizem contra o Prefeito, é ele o responsável por isso. Seguirei primando pela transparência e publicidade dos atos como regra, pois é o comando da lei.
4 “O Promotor não julga”. Isso é óbvio. Mas o Promotor tem o dever de investigar e adotar providências mesmo antes do fim da investigação, sobretudo com a percepção de manutenção da ilegalidade. Ao fim da investigação, é atribuição do Promotor decidir pelo arquivamento ou ajuizamento da ação. No caso concreto, o Prefeito sabe que não agi com abuso de poder ou ilegalmente, tanto que, em menos de 24h após receber a determinação do MP, na última quinta-feira, ele tratou de finalmente providenciar a disponibilização de um gabinete real à Vice-Prefeita.
5 O Prefeito encerra com expressões como “a verdade prevalecer”, “criminalização da política”, “desvio do foco”, “transparência e verdade”. Os fatos apurados foram antes esclarecidos. Não vejo como boa a estratégia de duvidar da inteligência dos cidadãos, apelando para a velha narrativa da perseguição e “vitimização”. Penso que melhor seria uma reflexão dos seus próprios atos. Pois foram atos do Prefeito que, exclusivamente, criaram todo esse contexto, que não é nada bom para Santa Cruz do Sul.
O MP, por seu 2ª Promotor de Justiça Especializado, seguirá atuando como determina a lei e como exige a população de Santa Cruz do Sul, com técnica, isenção, impessoalidade e transparência, sempre na busca da legalidade e da eficiência do serviço público.
Santa Cruz do Sul, 1º/04/2019.
Érico Fernando Barin,
Promotor de Justiça.
This website uses cookies.