Santa Cruz do Sul

Programa garante a regularização de imóveis nos bairros de Santa Cruz

Nos fundos da casa de dona Rosalina, há três limoeiros. Por ali ela também enterrou raízes de goiaba que agora brotam geleias, e, ao lado, folhas verdes de boldo que aliviam suas constantes dores de estômago. No mesmo cantinho, em uma horta rega couves, alfaces e rúculas, suas saladas preferidas.

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Aos 54 anos, dona Rosalina Tavares, conhecida por Rosa, teve dias mais ácidos do que doces em sua peregrinação de mãe. Vinda dos interiores do hoje município de Sinimbu, chegou em Santa Cruz casada com um marido que só lhe trouxe sofrimento. A não ser pelos oito filhos gerados. São sete vivos e o mais moço, Wellinton Fabricio, com apenas um ano e meio, faleceu. “A gente morava num barraquinho, era muito úmido, deu pontada dupla dos dois lados e o guri não aguentou”, conta.

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E do esposo ela não gosta nem de lembrar. “Um sem serventia que aprontou muito pra mim”, diz. Uma das provas são as marcas nos braços causadas por pontadas com facas em dia de fúria do homem. A pior de todas foi quando ele vendeu a casa com os filhos dentro. Coisa que Rosalina só veio a saber depois. “Meu Jesus amado, eu me avancei nele e queria rasgar ele ‘tudo’ por ter feito isso”, recorda. Depois, conta ela, ele tomou o dinheiro, abandonou a família e os 7 filhos pequenos, e dona Rosa se viu em apuros. “Foi bom me livrar dele, mas fiquei sozinha, tinha que trabalhar de noite nas fumageiras para não deixar meus pequenos sem comida. Pensei até de morrer”, desabafa.

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Os filhos cresceram e a vida de Rosalina encheu-se de esperança. Orgulha-se em mostrar que, após a prefeitura construir uma casinha melhor, a estrutura foi ampliada por um dos filhos, que fez uma lavanderia de tijolos à vista para ela. Agora, mesmo com problemas que ela diz como sendo próprios de família, duas notícias recentes encheram seu coração de alegria. A primeira foi a chegada dos netos, os dois Bês, Benício e Benjamin. A outra novidade fez ela chorar por recordar do passado de agruras, mas que agora veio como prêmio por não desistir de criar o Silvio, a Sílvia, a Simone, o Roni, Jeferson, Luís Henrique e Anderson. Angustiada por não possuir as escrituras da casa em que mora, há poucos dias, ela recebeu os documentos tão aguardados. “Meus bens eram meus filhos, porque têm o meu sangue. Mas o bem material, que agora está em meu nome, não tem preço. Chorei quando recebi as escrituras, porque me senti vencedora e agradeço muito, de coração, a prefeitura, porque consegui fazer isso sem precisar gastar”, afirmou.

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Marisa esperou por 40 anos

No bairro próximo ao de dona Rosalina, mora Marisa. Marisa da Rosa é de fala baixa. Ela diz não gostar de excentricidades, mas vale a pena dar uma esticadinha de ouvido para entender cada sílaba de sua história. Sentada em uma cadeira debaixo do sol das 10h da manhã, foi após ouvir um “paz do senhor” da vizinha que passava por ali, que ela começou o relato. Nascida no interior de Gramado Xavier, veio a Santa Cruz com um menino de dois aninhos no colo na companhia do esposo Adão. “Eu tinha uma menina nos braços e ‘tava’ gordinha de outro”, conta. Adão já faleceu. Mas ela continua tão viva, aos 71 anos, que a receita para tanta energia veio de uma ex-patroa: “Vai aprender a fazer tricô para não ficar uma velha desocupada”, ouviu.

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Marisa trabalhou a vida inteira como doméstica na casa de outros e foi deixando sua casa para depois. Mesmo que o telhado fosse metade barro metade cimento, o mais importante era colocar na mesa o arroz e o feijão para quatro bens maiores: Rosangela, Sebastião Liandro, Claudiomiro e Marcio, filhos agora adultos. Uma casa emendada com paus foi sua primeira moradia. Mas veio uma chuvarada igual a estas de junho e levou a casa embora. “Veio um pedrão lá do morro e nossa casa caiu”, relembra, dos tempos que morava no antigo Faxinal Velho.

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Ganhou a vida trabalhando de segunda a sexta e cuidando de vidas de outras famílias. Fazia comida, lavava roupa, limpava a casa. Em um dos casos, serviu por 32 anos os Frantz, seu José Elemar e Leonídia, já falecidos. A herdeira, que chamava carinhosamente dona Marisa de Má, é Angela Frantz, hoje com 52 anos e que desde os nove foi cuidada por ela. “Nossos laços sempre foram além da troca entre funcionária e patrões. Minhas lembranças são recheadas pelos pratos especiais no almoço, pela “nega maluca” do lanche da tarde e pela companhia alegre que a gente fazia nas rodas de chimarrão”, recorda Angela.

Marisa da Rosa conquistou escrituras após quatro décadas de espera | Foto: Isadora Oliveira

À dona Marisa, agora, quatro décadas depois, não lhe falta nada. A não ser o sonho acalentado por todos esses anos em ter seu nome nas escrituras da propriedade em que mora. Uma casa construída com muito esforço mas que não estava no nome de ninguém. Há poucos dias ela recebeu um documento que, de tão feliz, chegou em casa e a primeira coisa que fez foi agradecer a Deus acompanhada por seu fiel amigo no colo: o cachorrinho Otto, leal companheiro .“Muito bom este sentimento de ser dona do que é meu. Naquele dia que recebi as escrituras, só não chorei de vergonha”, revela.

Ao tirar o documento de uma pastinha, que está dentro de uma embalagem transparente, e no interior de um envelope pardo, procura com o olhar onde aparece o nome dela em letras de fôrma, e diz: “Agora ninguém pode tirar isso de mim”, afirma, e encerra citando o salmo 121 da Bíblia, gravado na sala de casa. “Rezei muito e consegui, porque esta frase significa toda minha fé: O Senhor é meu pastor, nada me faltará”, conclui.

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Como funciona

Assim como Rosalina e Marisa, a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária já realizou a entrega de escrituras para outras 23 famílias. Atualmente, 18 processos de regularização estão em fase de elaboração da Escritura Pública. Outros 20 processos estão concluídos para encaminhamento à Comissão Especial de Avaliação e Análise. A previsão é que, até o fim de ano, mais de 100 famílias sejam beneficiadas com o Programa de Regularização Municipal, de acordo com o titular da pasta Fabiano Dupont. “Por se tratar de uma questão social, humana, de emancipação dos cidadãos, a nossa prefeita Helena pediu que continuemos nesse trabalho de contemplar as famílias que ainda não possuem seus imóveis registrados formalmente”, comentou.

Conforme a Lei Municipal 9285, de 25/05/2023, estão sendo contemplados nesta modalidade de regularização os moradores do Loteamento Beckenkamp, e dos Bairros Santa Vitória, Faxinal Menino Deus, Pedreira, Bom Jesus, Rauber, Santuário e Progresso.

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Guilherme Bica

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