Repercute em Santa Cruz do Sul um vídeo gravado pela diretora da Escola Ernesto Alves, Janaina Venzon, sobre a distribuição do livro “O Avesso da Pele” (2020), de Jeferson Tenório. A obra foi entregue na instituição, integrando o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), que avalia e disponibiliza obras didáticas e literárias às escolas públicas das redes federal, estadual e municipal. O romance, que aborda centralmente o racismo estrutural, foi criticado duramente pela diretora por passagens que contém palavras de baixo calão e explicitam o ato sexual entre personagens.
O livro, de 208 páginas, integra o acervo do PNLD de 2021, e é destinado aos alunos do Ensino Médio. A obra é vencedora do Prêmio Jabuti na categoria “Romance Literário” em 2021, além de ter tido direitos vendidos para países como Portugal, Itália, Inglaterra, Canadá, França, México, Eslováquia, Suécia, China, Bélgica e EUA. Janaina Venzon avalia que o material é impróprio e a disponibilização da obra nas escolas é “inadmissível”. Professora de literatura renomada em Santa Cruz, Sônia Luz rebate a acusação: “Às vezes as pessoas dão a sua opinião sem conhecer o todo”, declarou (ouça a entrevista na íntegra abaixo).
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Em contraponto às declarações da diretora do Ernesto Alves, a obra foi defendida pela professora de literatura, contadora de histórias e personalidade incentivadora da leitura da Feira do Livro de 2019, Sônia Luz. O principal ponto ressaltado por ela é de que é preciso conhecer a obra como um todo para poder avalia-la. “Analisar uma obra literária não é uma coisa muito fácil. Primeiro eu preciso ler, eu preciso saber quem é o autor, qual é o contexto que essa história está inserida”, declarou.
Conforme Sônia, o livro de Tenório ajuda a “compreender a identidade brasileira, negra, humana, o nosso drama existencial”. “Ele não simplesmente inventou termos para colocar ali, porque achou que fosse ser mais agressivo ou menos agressivo. E a gente sabe que uma obra está dentro de um contexto no qual ela está inserida. E por isso eu acho superimportante que os professores e outras pessoas, leiam todo o livro. Porque se nós pegarmos um trecho de uma obra, um pedacinho de um quadro, uma cena de um filme, nós não vamos ter consciência de tudo isso que abrange. Eu te diria que é um espelho da nossa comunidade”, destacou, em entrevista ao programa Radar.
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A professora ainda rebate a manifestação de que a obra não deveria ser disponibilizada nas escolas: “Eu acredito que profissionais da educação que somos, a gente nunca pode sonegar nada ao aluno. Mesmo que às vezes, num primeiro momento, para nós pareça uma coisa absurda. E eu sinceramente li, os meus filhos leram, a gente debateu sobre isso, eu assisti muitos debates a favor, contra, e a crítica sempre se manifestou muito positiva para o todo da obra. Então se nós vamos pegar toda a história do livro, ela é sensacional. Todo adolescente, todo adulto, todo estudioso, toda pessoa humana deveria ler.”
Além disso, Sônia reforça que o uso da linguagem está sempre inserido em um contexto. “Nenhuma linguagem deve ser considerada como vulgar, como chula. Não existe linguagem mais rica ou mais pobre. Existem linguagens que nós temos mais capacidade de compreensão e outras que até nos assustam porque nós não estamos naquela vivência.”
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Por fim, indicou, novamente, que a obra seja lida pelas pessoas que a criticam. “Se eu visse só aquele recorte [do vídeo], se eu não tivesse conhecimento da obra, se não conhecesse o texto como um todo, eu também não indicaria de forma nenhuma”, ressaltou. “E o que me deixou até constrangida ou incomodada é que as vezes as pessoas dão a sua opinião sem conhecer o todo. E aí é muito difícil.”
O autor e professor Jeferson Tenório foi o primeiro escritor negro e o mais jovem a ser homenageado com o patronato da Feira do Livro de Porto Alegre, na 66ª edição, em 2020. Nascido no Rio de Janeiro em 1977 e radicado em Porto Alegre, Tenório é formado em Letras pela UFRGS. Ainda é mestre em literaturas Luso-africanas pela UFRGS e doutor em Teoria Literária pela PUC-RS.
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