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Produção e luta: jovens querem incentivo para ficar no campo

Qual a única profissão de que precisamos três vezes ao dia? É essa pergunta que, muitas vezes, a professora e coordenadora-adjunta do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Cidonea Deponti, leva para a sala de aula. A resposta é uma só: a profissão de agricultor. Mas o futuro depende também da sucessão rural, principalmente nas pequenas propriedades da agricultura familiar, responsáveis pela produção de 70% dos alimentos consumidos no País, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Foi para lutar por mais qualidade de vida no campo e por incentivo a políticas públicas para que a juventude se mantenha no meio rural que, nessa semana, 24 jovens do Vale do Rio Pardo e do Baixo Jacuí foram a Brasília. Eles participaram do 4º Festival Nacional da Juventude Rural, que teve a temática “Semeando resistência e cultivando um mundo novo”. A manutenção dessas pessoas no meio rural é o assunto desta reportagem especial, que aborda os obstáculos e aprendizados desses trabalhadores e trabalhadoras do campo.

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Presença forte da região

Juliana Nascimento e Fabiano Weiland, de Vale do Sol, vivenciaram experiência única

Produtores na localidade de Linha Formosa, em Vale do Sol, o casal Fabiano Weiland e Juliana Nascimento, ambos de 23 anos, esteve no 4º Festival Nacional da Juventude Rural, que ocorreu de terça, 25, a quinta-feira, 27, em Brasília. Fabiano define essa experiência como única e incrível. “Foram mais de 5 mil jovens de todos o Brasil que estiveram no festival. Foi lindo e emocionante ter essa oportunidade de ir pela primeira vez.” Ele salienta que o Brasil é rico em diversidade de cultura e produção. “Participar do evento e conversar com várias pessoas com sotaques e vivências bem diferentes das nossa aqui do Sul é fantástico.”

A vivência proporcionou conhecer outras realidades da produção rural brasileira, com desafios diferentes dos que são enfrentados no Rio Grande do Sul. “Um relato de jovens da delegação do Nordeste que nos surpreendeu muito foi que, na região onde vivem, não ocorrem chuvas significativas há mais de sete anos. Esses mesmos passaram alguns dias viajando de barco e ônibus para chegar a Brasília.”

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Segundo o jovem produtor, é importante que sejam realizados eventos como o Festival Nacional, porque isso mostra para todo o Brasil que a juventude está presente e quer continuar no meio rural. De acordo com Fabiano, entre os vários desafios que os jovens encontram para ficar no campo estão fatores como acesso a estudo de qualidade, acesso à internet e políticas públicas de amparo. “Precisamos da criação de política específica para influenciar e dar condições à permanência no campo e de desburocratização de outras políticas existentes que não oferecem condições de acesso, entre outras causas importantes. Deveríamos ter mais credibilidade para acesso a crédito rural, dando mais oportunidades para que o jovem possa investir na sucessão”, comenta Fabiano Weiland.

Governo se comprometeu a melhorar políticas

A coordenadora de Jovens da regional sindical Vale do Rio Pardo e Baixo Jacuí, filiada à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), Marieli Müller, ressalta que a programação do 4º Festival Nacional da Juventude Rural foi muito intensa durante os três dias. Na terça-feira pela manhã, o grupo de 24 jovens da regional visitou o Congresso Nacional, com o objetivo de conhecer o lugar onde são tomadas as decisões. “Na parte da tarde, participamos da abertura e o ponto alto foi a mística, quando entraram jovens com produtos de todo o Brasil, pois nosso país é muito diversificado. Depois disso, já aconteceram os painéis com diversas falas dos jovens.”

Comitiva de 24 jovens da regional sindical Vale do Rio Pardo e Baixo Jacuí participou do Festival Nacional da Juventude Rural

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Na terça e na noite quarta-feira, 26, ocorreram apresentações artístico-culturais. “Cada Estado trouxe sua história a partir de uma representação artística e a gente conheceu os jovens e os Estados a partir dessas apresentações.” Já no último dia do evento, quinta-feira, a comitiva acordou às 4 horas para carregar as malas para o retorno. Às 7 horas em ponto, saiu para a marcha que terminou no Congresso.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não esteve presente em razão de outras agendas, mas enviou representação. “Tivemos a leitura da carta, e o governo se comprometeu em pensar em créditos com juros mais baixos para a juventude e desburocratizar o acesso de políticas públicas. Falou-se na questão da agroecologia, da educação do campo, da pedagogia da alternância, e o governo vai fazer a revisão disso tudo.” Conforme Marieli, o governo federal se comprometeu em reformular o plano da juventude rural.

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Outro aspecto interessante, segundo ela, é que dentro da programação do Festival ocorreu a Conferência da Saúde. “Quando falamos em juventude, é impossível não falar em saúde no campo. Porque para permanecer a gente precisa de saúde e, principalmente, de prevenção.”

Para a coordenadora, o resultado pode ser avaliado como muito positivo. Ela adianta que em dezembro será realizada a Conferência da Juventude Rural. “Vamos poder novamente levar nossas demandas para Brasília”, afirma.

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Da porteira para dentro

Cidonea Deponti e Silvio Arend: pesquisas para entender movimento de evasão de jovens do campo | Foto: Alencar da Rosa

A sucessão familiar rural foi tema de pesquisas de estudantes do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Desenvolvimento Regional da Unisc. O coordenador do PPG, Silvio Cezar Arend, e a coordenadora-adjunta, Cidonea Deponti, que orientaram os trabalhos, explicam quais são os principais desafios para manter a juventude no meio rural. Bem além dos problemas da porteira para fora, como estradas deficitárias e falta de sinal de telefonia e de internet, e necessidade de políticas públicas, a evasão dos jovens do campo pode passar pela falta de planejamento da própria família.

Para Cidonea, sucessão é um dos assuntos mais importantes quando se trata da juventude rural. No entanto, esse não é um problema isolado no Vale do Rio Pardo, pois está presente no Estado inteiro. “Não acreditamos que o jovem tem a obrigação de permanecer no campo. Pensamos que ele tem que optar por ficar, que não existe essa imposição, pois na verdade todos somos livres. No entanto, verificamos a partir desses estudos que há alguns aspectos que favorecem a escolha do jovem em ficar no meio rural e um deles é a questão do planejamento.”

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Nas pesquisas realizadas até agora, chama a atenção dos orientadores que, como geralmente é o patriarca quem trabalha o processo de sucessão com os filhos, se ele leva o filho para dentro do negócio, dá autonomia para tomada de decisões e faz com que ele participe das ações, há uma probabilidade maior de o jovem ficar no meio. “Agora, quando o pai quer que o filho fique, mas se coloca como dono do negócio e o filho como empregado ou alguém que só ajuda mas não tem protagonismo, isso geralmente se torna um fator que faz o jovem se afastar”, diz a docente. De acordo com Cidonea, é preciso que se organize uma interface entre pais e filhos para que se possa fortalecer e ter a continuidade do negócio.

Conforme Silvio Arend, quanto mais aberto e receptivo for o relacionamento na família, maior a chance de o filho se integrar sem grandes conflitos, o que irá favorecer a sucessão na gestão da propriedade ou agroindústria. “O filho é o trabalho braçal, mas quando ele vem com uma ideia, não é nem uma inovação, é um pequeno ajuste de gestão mesmo, o pai diz que não, que sempre fez assim. E aí começam os conflitos.”

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O coordenador do PPG salienta também a importância da infraestrutura no meio rural. “Muitas vezes esse jovem está sendo condenado a uma situação que não é de desenvolvimento, porque desenvolvimento é qualidade de vida, oportunidade de acesso à comunicação, informação, renda, saúde, habitação, saneamento.”

A pedagogia das Escolas Família Agrícola (EFA), como as que funcionam em Santa Cruz do Sul e de Vale do Sol, por exemplo, conforme os pesquisadores, favorece a manutenção do estabelecimento familiar. “São duas semanas na escola, duas em casa. Esses alunos da EFA, quando voltam para a propriedade, vão colocando em prática o que aprenderam nas semanas anteriores na escola. As famílias que enviam alunos para as EFAs já estão predispostas a receber algo em troca”, observa Arend.

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O futuro depende, e muito, da sucessão familiar nas agroindústrias familiares. Silvio Arend, que é também economista, ressalta que o consumidor sentirá um forte impacto caso a evasão dos jovens do campo cresça consideravelmente. “Não é um risco desprezível, apesar de não sabermos o percentual. Precisamos dos dados do Censo do IBGE, pois é preciso saber onde essas pessoas estão e que idade elas têm. É necessário um primeiro olhar sobre quem [ainda] está no campo para depois pensar em quem vai produzir alimento para a cidade.”

Educação que faz a diferença

Ivan Luis Hauth, de 18 anos, concluiu o Ensino Médio na Efasc no ano passado. Ainda falta o estágio para poder se formar técnico agrícola. Porém, desde que começou a estudar na escola, leva os conhecimentos que adquiriu para a propriedade rural que toca junto com os pais e o irmão em Linha Boa Vista, interior de Santa Cruz do Sul. Como forma de incentivo, ele recebe dos pais um salário fixo e desde pequeno aprendeu a lida na terra.

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Atualmente, o carro-chefe da agroindústria familiar são produtos orgânicos como hortaliças, legumes e frutas, que são vendidos nas feiras rurais do município e por meio de entregas. “Temos de tudo, é uma produção bem diversificada”, comenta.

Até o momento, o jovem não cogitou deixar o meio rural .“Nunca parei para pensar nisso. O pensamento é continuar com meu irmão, seguir o trabalho aqui com os meus pais e dar continuidade à propriedade. Tenho o estágio para fazer fora, mas quero continuar aqui.” Ele acredita que, para incentivar os jovens a se manterem na administração das propriedades, é necessário o incentivo às políticas públicas e o estudo é parte importantíssima disso, pois o ajuda a melhorar ainda mais o trabalho. “Conheço uns 30 que se formaram na Efasc e só falam bem, e a maioria continua no meio rural, a escola incentiva muito isso”, acrescenta.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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