Estamos em um novo ano, que chega com expectativas e promessas, nos espaços públicos e privados, de que venha a ser um novo ciclo, mais sintonizado com a qualidade de vida e com a preservação (do que resta) e a recuperação (inadiável) do meio ambiente. É isso, ao menos, o que temos ouvido (mas com o tom vazio da retórica) em todos os recantos. Não é que, curiosamente, a chegada a 2025 ocorreu com recado contundente, visitinha indigesta, do 2024 que tanto ansiávamos por ter deixado para trás?
Em Porto Alegre, a tarde do primeiro dia do ano se encerrou com uma leve chuva, nada que devesse preocupar e nada nem de perto comparado com a enxurrada do outono do ano passado. Só que essa… chuvinha bastou para deixar áreas do Centro Histórico e próximas à Orla do Guaíba tomadas por água. A um ponto que o trânsito ficou inviável, o Trensurb deixou de operar e, para completar, a energia elétrica deixou parcela da população da capital gaúcha às escuras. Em pleno primeiro dia do ano. E, pasmem!, no exato instante em que um ato seria realizado para festejar, no Gasômetro, a posse do prefeito Sebastião Melo (MDB), para um segundo mandato consecutivo.
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Não é muita ironia do destino? Melo centrara sua estratégia de campanha (nem poderia ser de outra forma) na necessidade urgente de evitar que problemas com alagamentos se repetissem na cidade. Seria preciso ações fortes para dar à população a segurança efetiva que exige. Pois o primeiro dia do ano veio avisar que não é só porque se quer, ou porque se enuncia a determinação para resolver, que as coisas estarão solucionadas. Será mesmo necessário pôr mãos à obra (às obras).
O que aconteceu em Porto Alegre é o prenúncio de que situações semelhantes (ou piores) ocorrerão em muitas áreas do Rio Grande do Sul. Talvez mesmo no Vale do Rio Pardo. Nas rodovias, oito meses após a enchente, os desvios continuam sendo apenas desvios (e em alguns já é necessário desviar de novas crateras que surgiram). No entorno de arroios e rios, a parca vegetação que rebrotou não encobre a devastação, cujas marcas seguem ali. No Cinturão Verde, as rachaduras não se fecharam como passe de mágica (sequer adiantará besuntá-las com cimento, ou plantar florzinhas sobre elas). Seguirão ali, e seguirão em seu processo, que não começou ontem e não terminará amanhã.
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Estaremos fadados, condenados, a um ambiente provisório, apenas almejando um mundo real e seguro, como em peças de publicidade de um lindo planetinha que, na prática, só nos empenhamos em destruir? Nos resignamos a trilhar, enquanto sociedade, um caminho provisório para o futuro, repleto de desvios? Só que o planeta descaracterizado rodopiando pelo espaço não se contenta com desvios. Nem adianta, à entrada de um novo ano, sonhar com algum outro planeta, que nos ofereça mais segurança. Não existe outro planeta. Bom final de semana!
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