Ao contrário de outras tragédias do passado, de viés universal, o drama da pandemia do coronavírus é conhecido e vivenciado por todos em tempo real, dada a disponbilidade tecnológica.
Esta característica diferenciada – conhecer, viver e sofrer em tempo real – sugere que estejamos diante de uma nova oportunidade que possa vir a favorecer uma integração mundial e pacifista. O acalentado sonho humano!
Dada sua emergência e dimensão, e as consequentes soluções e reações comunitárias e científicas no seu enfrentamento, advindas de todos os cantos, a experiência poderá resultar em um estado superior de compreensão e consciência acerca das limitações humanas e dos desafios coletivos.
Porém, irônica e contrariamente, a história não favorece, de modo lúcido, este desejo. A maior tragédia universal recente, a Segunda Guerra Mundial, não nos ensinou o suficiente, tanto que prosseguimos, logo após e até os dias de hoje, com as guerras e as fábricas de produtos bélicos.
Também como exemplo podemos agregar as dúvidas acerca da questão climática, objeto de tantas reuniões e resoluções mundiais. Infelizmente, sem denominador comum.
O sonho de paz mundial e integração humana é um tema recorrente através dos tempos. Oportuno recordar uma parte da longa carta de Freud a Einstein, em setembro de 1932.
Trata-se de uma resposta a um convite para participação de um grupo de notáveis. O igualmente longo e arrazoado convite de Einstein era sintetizado na seguinte pergunta: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?”.
Respondeu Freud: “(…) a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural (civilização). É a este processo que devemos o melhor daquilo que nos tornamos, bem como uma boa parte daquilo de que padecemos. (…).
Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por este motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela, não podemos mais nos conformar com ela. (…)
E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? (…) pode ser utópico esperar que (…) a atitude cultural e o justificado medo das consequências (…) venham a resultar (…) em que se ponha um término à ameaça de guerra.
Por quais caminhos (….) isso se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.”
Concluindo, caro leitor, vivenciar, enfrentar e solucionar pandemias, crises climáticas e as próprias guerras, por exemplo, são parte de nosso processo civilizatório. Neste sentido, quem sabe talvez possamos aprender algo novo com este vírus!