Crianças pequenas e “grandes”, de todas as idades, ao longo de gerações contabilizam ídolos na literatura mundo afora, muitos dos quais firmaram sua fama já no século 19. Quem não se emocionou com alguma história dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm? Ou do dinamarquês Hans Christian Andersen? Ou ainda do francês Charles Perrault, este século 17? Os contos e as lendas que eles legaram fixaram-se no imaginário coletivo.
Mas eis que no século 20 um brasileiro se agregou a esse grupo, forjando um patrimônio definitivo, um orgulho absoluto para a nação: ele assinou pelo nome de José Bento Renato Monteiro Lobato, ou simplesmente Monteiro Lobato. Nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté, cidade de 232 mil habitantes, população atual, a 130 quilômetros da capital paulista, na qual faleceu em 4 de julho de 1948, aos 66 anos.
E foi há cem anos, mais especificamente em 24 dezembro, na véspera do Natal de 1920, que Lobato surpreendeu com o lançamento de um volume então quase despretensioso: A menina do narizinho arrebitado. Começava ali um dos mais bem-sucedidos projetos literários e editoriais do Brasil, que talvez até rivalize com a obra do maior expoente da literatura brasileira, o carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908).
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Ao longo do processo, e até a conclusão, em 1947, o conjunto passou a ser conhecido como Sítio do Picapau Amarelo. Na reunião dos 23 volumes, mostra-se à altura dos grandes projetos de literatura fantástica de viés infantojuvenil em todo o mundo, e em todos os tempos.
Reinações
Na medida em que o primeiro volume ia ganhando popularidade, e diante da excelente receptividade à história de Narizinho, Lobato foi agregando novos enredos e novos títulos. Com a posterior transposição das histórias para os palcos e ainda para as telas, com a disseminação de um novo formato de comunicação, a televisão, já após o falecimento do criador da série literária, os personagens do Sítio, como hoje são chamados, tornaram-se íntimos de todas as crianças, em todas as regiões nacionais.
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Como tal, foram uma espécie de vetor por excelência de união nacional, proporcionando um olhar sobre a história do país e, naturalmente, universal, sob a criatividade de um brasileiro, com lucidez, ternura e alegria. Ajudaram a forjar um Brasil moderno, mas apoiado em valores e em pilares essencialmente autênticos, de interior, de ruralidade, de bucolismo.
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Afinal, nunca se pode esquecer: o Sítio, como Lobato o idealizou, é um lugar um tanto idílico, idealizado, mas nem por isso deixa de sediar todos os dramas e as angústias que são essencialmente humanas, do cotidiano. Como tal, a sua atualidade segue desconcertante, cem anos depois.
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A primeira história da menina do narizinho arrebitado posteriormente seria republicada e incorporada ao primeiro volume definitivo da série, Reinações de Narizinho, de 1931, mas os títulos seguintes trariam O Saci, em 1921; Fábulas, em 1922; As aventuras de Hans Staden, de 1927, no qual Lobato já recupera as andanças do viajante alemão que foi capturado pelos tupinambás no século 16 e conseguiu escapar; e Peter Pan, em 1930. Entre personagens universais, ficcionais ou históricos, de diferentes épocas da humanidade, Lobato proporciona um passeio no tempo e no espaço, ensinando história mas, especialmente, fazendo viajar na imaginação.
E até hoje, por conta da leitura dos livros originais de Lobato ou pelas adaptações televisivas, das quais as diversas versões da TV Globo formaram uma legião de fãs do Sítio, personagens como a Cuca, o Visconde de Sabugosa, o Saci, a Narizinho, o Pedrinho, e, claro, a Vovó Benta, que acolhe a todos em seu sítio, moram no coração de cada brasileiro. É a esse recanto, que guarda aventuras e fixa lições e vivências, que os leitores se recolhem quando buscam se reencontrar com alguns dos elementos essenciais da condição humana.
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