O sonho de adquirir um bom carro, depois de anos juntando as economias, pode virar pesadelo devido à ação de golpistas que utilizam a internet. Para fisgar as vítimas, a isca lançada pelos criminosos são ofertas irresistíveis de automóveis, em falsos sites de leilão, com preços e lances bem abaixo do mercado. Quem acaba seduzido por tais propostas termina sem o dinheiro e sem o veículo.
A ação dos estelionatários que aplicam o chamado golpe do leilão falso vem atraindo a atenção dos órgãos de segurança e causa preocupação entre os leiloeiros oficiais. De um ano para cá, uma sequência de golpes do tipo já foi aplicada por criminosos que criam sites falsos de leilões de veículos.
A fraude consiste na divulgação, na internet, de automóveis à venda com lances iniciais muito abaixo da metade do valor de mercado, o que acaba chamando a atenção das pessoas. Seduzidas pela possibilidade de compra a custo baixíssimo, as vítimas fornecem seus dados e depositam o valor, depois do “encerramento do pregão”, sem conferir qual a procedência das contas ou mesmo quem é o leiloeiro. Depois de caírem no golpe, acabam perdendo contato com os supostos leiloeiros, que os bloqueiam em seus aplicativos de mensagem.
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Recentemente, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) divulgou um comunicado a respeito do golpe, reiterando os cuidados que devem ser tomados ao buscar esse tipo de compra. Também divulgou uma lista com 600 sites falsos a serem evitados. No Rio Grande do Sul, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) fez um alerta no fim de julho, com recomendações para que as pessoas não caiam em fraudes desse tipo.
O delegado Alessander Zucuni Garcia, chefe da 2ª Delegacia de Polícia de Santa Cruz do Sul, tem acompanhado a movimentação recente desses estelionatários e relatou um episódio registrado no dia 23 de julho. Um site falso foi criado com o nome de um conhecido leiloeiro, e a vítima acreditou que participava de um leilão real de um veículo. Ela acabou depositando uma quantia na conta utilizada pelos criminosos.
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Para o leiloeiro Sérgio Roberto Scholante, as poucas ocorrências registradas na polícia contrastam com a quantidade de casos. “Infelizmente, as pessoas não registram por vários motivos, incluindo a vergonha de ter caído em um golpe desses, ou pelo fato da difícil possibilidade de reaver o valor”, comentou.
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Pandemia contribui para um aumento do número de casos
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Profissional do ramo há 25 anos, Sérgio Scholante começou a perceber os casos a partir de clientes que vieram procurá-lo para relatar suas experiências ou pedir orientações. “O diferencial do leilão é o preço. De outra forma, tu vai no mercado, escolhe a marca, cor, modelo. Porém, no leilão, encontra veículos com 70%, 60% e 50% do valor”, explica.
“Ainda assim, nos falsos leilões, há um exagero de desconto. Já vi casos onde uma Land Rover, que custaria em média uns R$ 150 mil, era oferecida por R$ 30 mil. As pessoas se desesperam pelo carro e acabam caindo, mesmo com a condição quase inacreditável, visível como golpe.”
Segundo ele, o número de ocorrências aumentou após o início da pandemia. “Em alguns casos, as pessoas querem ver os carros, mas os golpistas dizem que, com a pandemia, não é possível. Aí colocam endereços de guinchos da cidade do leilão para enganar as pessoas. Ao buscar no Street View, encontram um monte de carros em um depósito e acham que estão fazendo negócio com a empresa correta.”
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Uma característica dos sites falsos é o endereço sem final “.com.br”. “Por mais que a polícia tire do ar os que já foram investigados, eles vão recolocando, pois são sites produzidos fora do país e têm como final ‘.com’, ‘br’, ‘home’, como forma de dificultar a aplicação da legislação brasileira e o rastreamento eletrônico.” Segundo Scholante, é muito difícil perceber a diferença entre os oficiais e os falsos, que chegam a exibir informações como “site seguro” em suas páginas.
Outra característica comum é encontrar os falsos por primeiro nos portais de busca. “Os estelionatários acabam pagando publicidade ao Google para impulsionar seus sites. Por consequência, esses portais falsos, na grande maioria das vezes, ficam logo no início da busca quando alguém pesquisa por leiloeiro, por exemplo. Isso faz com que as pessoas acreditem que eles são os mais confiáveis e procurados”, observa Scholante. Também a assinatura do ator americano James Dean, morto em 1955, está em quase todos os boletos de pagamento usados pelos golpistas.
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Santa-cruzense teve site clonado
Em maio do ano passado, o leiloeiro Rangel Machado, de Santa Cruz, começou a receber inúmeras ligações de pessoas de Itaquaquecetuba, interior de São Paulo. Na oportunidade, solicitavam procedimentos sobre leilões supostamente feitos por ele, mas que, na verdade, faziam parte de um golpe orquestrado por bandidos que clonaram o site do leiloeiro santa-cruzense. “Começaram a ligar e a dizer que tinham comprado do meu site, por exemplo, um Volkswagen New Beetle, que custa cerca de R$ 100 mil, por R$ 18 mil. Expliquei que eu era leiloeiro do Rio Grande do Sul, não poderia atuar fora do Estado.”
Na ocasião, haviam utilizado a logomarca de Rangel. No endereço, foi suprimido o “.br”, tendo ficado apenas “.com”. “Registrei o boletim de ocorrência, que foi encaminhado para São Paulo. Em pouco tempo o site clonado sumiu, mas, assim como este, aparecem outros com nomes de outros leiloeiros.” Mesmo após o endereço falso ser deletado, segundo o leiloeiro, o estrago já está feito. “É um prejuízo enorme, pois as pessoas acabam ligando seu nome a um site falso e, a partir dali, passam longe dele por medo de fraude, quando na verdade ele havia sido alvo de bandidos.”
Conhecer o leiloeiro é fundamental
Para não caírem no golpe, Sérgio Scholante sugere que as pessoas não habituadas a comprar busquem uma consultoria técnica. “Isso vai evitar que se entre em uma fria. Eu mesmo já presenciei casos e livrei inúmeras pessoas que foram no meu estabelecimento verificar se a situação era real”, contou. Ele lembrou de um fato recente, de 15 de maio. Um homem estava por adquirir, em um leilão eletrônico, três máquinas metalúrgicas que totalizavam R$ 167 mil.
“Naquele dia, esse meu cliente tinha tentado fazer a transferência bancária de casa, via internet, e o banco rejeitou devido ao alto valor. Na fila da agência para fazer o depósito, resolveu me ligar e tirar a dúvida. Quando ele me disse que a empresa dos leilões era Rio Grande do Sul Leilões Oficial, eu logo disse que era falso, pois esse site, assim como outros, com nomes como Porto Alegre Leilões e Receita Federal Leilões, é criado por estelionatários para enganar as pessoas”, explicou Scholante.
“Saber quem é o leiloeiro é fundamental, e o depósito deve ser feito em contas oficiais ou judiciais, abertas para casos específicos. Nossa preocupação e o alerta ficam para pessoas que economizaram a vida inteira para adquirir um veículo e acabam perdendo o seu dinheiro para golpistas que agem apelando ao emocional e psicológico delas, vendendo um sonho a preço barato.”
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