Salários atrasados, falta de material de trabalho e insumos, ameaças e demissões. Alguns dos relatos feitos por cinco funcionários do Hospital Regional Cristo Acolhedor, de Sobradinho, à reportagem do Jornal Gazeta da Serra. O contato com a reportagem foi feito na semana passada por uma funcionária, alegando falta de condições de trabalho, medo de represálias e abalo emocional de todo o quadro de servidores. Em uma das tardes chuvosas da semana passada, a Gazeta esteve na residência de um, onde mais quatro profissionais estiveram presentes e desabafaram. Para preservar os nomes, a pedido deles, foram gravados áudios e transcritos, para mostrar a indignação de cada um. À Gazeta, mostraram conversas e áudios do grupo de WhatsApp dos servidores e direção, onde constava funcionários se manifestando, cobrando o salário, e a direção argumentando e, por algumas vezes, coagindo o profissional e todo o grupo. Inclusive, ao enviar mensagem pedindo quando iria entrar o valor, a funcionária teria sido demitida uma semana depois.
Os depoimentos são assustadores: “Se for reclamar do salário tu é demitido. Tu não tem direito de cobrar o que é teu. Tu fica implorando por uma coisa que é tua, trabalhou o mês inteiro e tem que se humilhar para pedir o teu direito. Tu trabalhou, tu não faltou, tu não colocou atestado, saiu muitas vezes depois do teu horário e daí, quando chega no dia de receber, se tu questiona, você sofre retaliação. E se for demitido, o diretor fala que é para procurar seus direitos e que eles não irão pagar. Isso é muito ruim, não podemos questionar no grupo e nem diretamente para eles o porquê ocorre esses atrasos.”
Questionados sobre as presenças dos diretores no hospital, responderam: “Não, da parte diretiva, não vimos eles. Agora que a gente está tendo uma diretora no hospital. Assumiu há umas duas semanas. Se tu pedir as contas ou for demitido, tu não recebe teus direitos e, muito menos, o salário do mês que você trabalhou. Simplesmente mandam procurar na justiça.”
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Em outro momento citaram o descaso com relação a abertura da conta-salário em um banco. “Não fomos avisados de nada. Números estranhos ligavam para nossos celulares confirmando dados e nós bloqueávamos, achando que era golpe. Fomos questionar a direção e fomos informados que deveríamos seguir os passos e abrir as contas, pois o pagamento seria feito dessa forma. Que a decisão teria sido tomada pelo ex-administrador, pois esse teria vendido a folha de pagamento para o banco e por isso deveríamos fazer a abertura da conta.”
Também relataram sobre a contratação de serviços. “Eles não pagam ninguém. A gente está sem médico por quê? Pois a empresa de médicos que prestava atendimento não recebeu. A empresa pagava os profissionais, mas não recebia do hospital. Agora não tem médico nenhum que queira fazer plantão em Sobradinho, no Hospital Cristo Acolhedor. Pra direção não tem importância a conduta médica, eles só relatam que precisam de um CRM dentro do hospital para manter a instituição aberta.” Em outro momento, citaram que nestes últimos dias é uma mudança atrás da outra de administradores, de enfermeiros, de colegas, RH e administração. “Que você não sabe a quem obedecer. É uma terra sem lei”. O motivo de procurar a reportagem é esse: “Estamos desesperados, se sentindo humilhados. Por isso achamos que nosso município precisa saber o que ocorre realmente aqui dentro. Precisamos de mais apoio, pois o pessoal sabe que a verba de deputados que entra, não vem para os funcionários e nem para a estrutura do hospital. Se é que vem realmente.”
Também tem um relato sobre funcionárias que tiveram bebês e não receberam a licença maternidade. “Muitos funcionários que tiraram férias, já voltaram a trabalhar e ainda não receberam um real.”
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Outro depoimento fala sobre o ambiente de trabalho: “Estamos em local insalubre, não tem realização de dedetização no hospital, são animais peçonhentos que pacientes relatam que têm. Nós vimos ratos, baratas, mosquitos, piolho de pombas, as quais ficam na parte superior do hospital. Nunca mais foi feita a dedetização. Não temos condições de trabalho, não temos material para atender os pacientes. Precisamos nos humilhar e pedir material para fazer uma punção, para pedir uma medicação, saco de lixo, copo plástico de água, não tem. Não tem material na enfermagem e até material de escritório para a gente fazer as planilhas. Até folha de ofício estava faltando esses dias. Falta medicação, luvas, produtos de limpeza, os funcionários chegam a trazer de casa ou ir até a farmácia comprar uma caixa de luva para trabalhar e isso não foi nem uma ou duas vezes, foram várias, inclusive medicação. Com relação aos exames, quando o paciente interna e é responsabilidade do hospital, o médico tem que dizer que não tem, pois o hospital não paga os fornecedores. Pacientes ficam ali, dias e dias e o problema não é resolvido. Somos orientados a segurar os pacientes em observação durante dois dias, sem internar, para a prefeitura pagar o exame e ter o diagnóstico. Nós estamos trabalhando em um campo de guerra. Se não faz como eles querem, é rua. Sem nenhum direito.”
Em entrevista para a Rádio Gazeta, após a enchente, o presidente da Associação São Marcos, mantenedora dos hospitais São João Evangelista, de Segredo, e Regional Cristo Acolhedor, de Sobradinho, disse que o hospital não estaria precisando de insumos, como diesel para o gerador, água e alimentação. As funcionárias discordaram e ficaram apavoradas: “Não, não era verdade, pois teve doações de pacientes que estavam durante o dia e a noite internados que doaram mais de 20 litros de diesel para manter o equipamento ligado. Foi relatado na rádio que teria abrigo e comida para quem tinha sido atingido. Mas não tinha comida nem para os pacientes internados e nem para nós, funcionários. O Hospital estava sem água e como ele foi falar aquilo?”, indagaram.
Em um outro depoimento, uma funcionária mostrou toda sua indignação: “Nós profissionais estamos enfrentando uma situação extremamente difícil. Não somente com a gestão atual, mas durante alguns anos nossos salários não estão sendo pagos em dia. Nós não temos direito a FGTS, nós não recebemos nosso retroativo, não recebemos nosso piso, e quando questionamos a gestão atual, somos coagidos. E, alguns que questionaram, infelizmente foram demitidos, causando mais medo no resto da equipe. É uma súplica que estou fazendo nesta denúncia, onde o hospital se encontra em uma forma de calamidade, porque o ambiente está insalubre, não temos material para trabalhar. Não temos nem o controle da higienização, já encontramos baratas próximas aos leitos de pacientes, com risco de contaminação. É com muito medo que estou fazendo esta denúncia, pois estudei para fazer o que faço, que é cuidar das pessoas. É algo que faço com todo o coração e alma, mas gostaria de ser reconhecida por isso e receber meus direitos. Receber o mínimo que é meu salário. A comunicação com a gestão do hospital não funciona mais, acabou coagindo os colegas quando questionaram isso e foram demitidos. Foram vários.”
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Atualizando as informações, no início desta semana o grupo que realizou os depoimentos afirmou que, nos últimos dias, quatro enfermeiras pediram demissões, sendo que restou somente uma registrada. Além de três técnicas em enfermagem que pediram demissão e uma foi demitida. “Quem pediu demissão, viu que seriam afastadas, colocaram atestado para fazer o pedido na sequência, não aparecendo o registro na carteira de trabalho.”
Presidente do Sindisaúde-SCS fala sobre a questão
José Carlos Haas, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Santa Cruz do Sul (Sindisaúde-SCS), com sede em Santa Cruz do Sul e base territorial no Vale do Rio Pardo, em fala encaminhada à Gazeta, salientou que “é do conhecimento do Sindicato que a empresa não recolhe Fundo de Garantia, que não paga as verbas rescisórias e não quitam, inclusive, os eventuais desligamentos conforme a legislação preconiza, e pior, aí o colega ter que judicializar para buscar os seus direitos. Isso tem sido apresentado junto à nossa assessoria jurídica, que demanda essas ações”.
Conforme Haas, também se somam férias atrasadas ou não pagas, acordos trabalhistas ajustados em juízo que não quitam. “Outro detalhe, além da jornada, praticam banco de horas e não tem ajuste. Não tem ajuste porque precisa um acordo com o Sindicato, acordo coletivo não realizado ano passado, desde quando assumiram essa nova direção do hospital”, mencionou Haas.
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O presidente do Sindisaúde-SCS disse também que há relatos sobre a falta de funcionários. “Diante de todo esse cenário, o Sindicato, através de sua assessoria jurídica, tem buscado bloqueio de contas para viabilizar pagamentos. Tudo isso é rotina já há muito tempo. E vou mais longe, e por essas situações todas tem os prédios penhorados. Veja só. Prédios penhorados diante de todo esse relato que essa evolução de situações que se apresentam. Aí fica a nossa pergunta: onde está o gestor público do município de Sobradinho? Inclusive do município de Segredo. Para nós, já há muito tempo deveria ter feito a intervenção. Isso é do interesse da sociedade, é do interesse e para o bem dos trabalhadores que lá estão e que muitos ficam pouco tempo. E nós não precisamos só falar dos funcionários humildes, que são os trabalhadores que atuam dentro da empresa. Exemplos estão aí, inclusive de profissionais médicos, que eu não falo por eles, mas os exemplos estão aí. Então é lamentável passar um relato, e aquilo que os colegas passaram tem uma grande tristeza para nós isso chegar a esse ponto. E não tem nada de inverdade, infelizmente. Onde isto vai parar? Ministério Público tem conhecimento. Porque o Sindicato não é um órgão fiscalizador, o Sindicato é um órgão que busca ajustar condições de trabalho, que busca fazer com que isso seja praticado, os ajustes que não acontecem, então não acontecendo a dificuldade aumenta. E nós estamos em um outro empenho, em um outro processo, e diante da calamidade das enchentes o judiciário está praticamente paralisado já faz 30 dias. Então, ações novas estão aí por vir e, certamente, isso vai acontecer, talvez a partir da semana que vem, quando realmente o judiciário volta e acaba aí acontecendo a evolução dos encaminhamentos”, falou José Carlos Haas, que acrescentou: “E dizer que, junto com os trabalhadores, eles sabem do nosso empenho, da nossa tentativa de buscar resguardar os seus direitos, e que infelizmente acabou não acontecendo.”
Direção do Hospital deve se manifestar na próxima semana
Após a veiculação da denúncia na Rádio Gazeta FM 98.1 e no Portal Gaz, a atual diretoria do Hospital Regional Cristo Acolhedor entrou em contato com a reportagem. Shauan de Oliveira Junior se mostrou surpreso com as denúncias e prometeu conceder uma entrevista na próxima semana, pois está em viagem. Também garantiu que irá apresentar as notas de compra de alimentos e provas sobre as demais acusações.
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