Sem vínculo familiar e 50 anos mais jovem, Régis de Oliveira Júnior tornou-se a pessoa mais próxima de Telmo Kirst: nos últimos anos, almoçava com ele diariamente, passava com ele as datas festivas e esteve ao seu lado durante todo o tratamento contra o câncer descoberto em 2018, que o levou à morte no último domingo, 20 de dezembro. Nessa quarta-feira, 23, Régis falou sobre os últimos dias de Telmo.
ENTREVISTA
O senhor foi a pessoa mais próxima de Telmo nos últimos anos. Como esse vínculo se criou?
Foi durante a campanha da reeleição em 2016. Eu estava como assessor de comunicação da Prefeitura e acabei acompanhando ele em debates, escrevendo programas de televisão. Foi ali que nos aproximamos e Telmo passou a ter confiança em mim. Logo que passou a campanha, ele me convidou para ser secretário. Foi um momento muito emocionante, porque ele passou a enxergar em mim a possibilidade de continuar com o legado dele. A partir dali, ele me deu a tarefa de ser o porta-voz do seu governo. Depois, me deu o comando da Secretaria da Saúde, me convidou para ser presidente do partido, me deu oportunidade de conhecer pessoas importantes. Passamos a ter uma convivência diária, passei a fazer parte da família dele, ele me tratava como se eu fosse filho e eu passei a vê-lo como um pai.
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E como ele encarou o fato de não ter havido apoio no grupo governista para a candidatura do senhor a prefeito?
Este ano foi totalmente atípico para nós. Tínhamos muitos planos para 2020, o prefeito pretendia entregar muitas obras, e a pandemia transformou tudo. A grande preocupação dele era que o legado tivesse continuidade. Eu deixei a Secretaria de Saúde no meio da pandemia, com o propósito de participar de uma chapa majoritária. Só que durante o período das convenções surgiu, e isso não é de conhecimento da população, muita pressão emocional para cima de mim, sobre a minha vida, as coisas que eu gosto, minha família. E havia preocupação que acontecesse comigo o que aconteceu com outros candidatos, que foram vítimas de fake news. Então eu disse para o prefeito que ainda não estava preparado, e ele compreendeu. E dentro do próprio grupo também não havia apoio, porque as pessoas achavam que a maneira com que eu lidava com certos assuntos não agradava. Talvez eu tenha absorvido muito das características do prefeito, da forma que ele tinha de lidar com as coisas.
O senhor faz uma autocrítica em relação a isso?
Sim, todos os dias. A minha ascensão na Prefeitura foi muito rápida. Comecei como estagiário, depois como assessor, logo fui para a Secretaria de Comunicação. Depois comandei uma pasta com um orçamento de mais de R$ 160 milhões e já comecei a ser provocado a concorrer a prefeito e ser o sucessor de Telmo Kirst.
Os últimos dois anos do governo foram bastante turbulentos. O senhor acha que foi tudo estratégico ou ele se perdeu?
O prefeito, durante toda a sua história, teve enfrentamentos políticos. Era a forma como lidava com as situações, e ele tinha muita coragem para enfrentar seus adversários. Isso se tornou mais evidente nos últimos tempos, mas eu acho que ele sabia o que estava fazendo.
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Após a confirmação da candidatura da Jaqueline Marques, ele acreditava que podia ganhar a eleição?
Ele sempre acreditou que podia fazer o sucessor, tanto que participou da campanha da Jaque, defendeu ela, pediu votos. Talvez não tenhamos conseguido passar a mensagem de continuidade. Mas eu disse, após a eleição, que as pessoas compreendem a Helena (Hermany, prefeita eleita) como continuidade do prefeito, porque em duas oportunidades ela concorreu como vice. E, apesar do ótimo trabalho feito pela Jaque, as pessoas têm um certo receio de apostar em uma coisa nova.
E como o Telmo recebeu a vitória da Helena?
Foi um dia difícil. O prefeito torcia para pessoas que ele gostaria que chegassem a um resultado satisfatório no pleito, o que acabou não acontecendo. Ninguém gosta de perder uma eleição, e ele havia vencido todas as eleições que disputou na vida.
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O Telmo foi muito próximo da família Hermany durante décadas. Ele manifestava alguma dor pelo rompimento?
Acho que nos últimos dias eles se perdoaram. No dia em que ele foi hospitalizado, conversei por telefone com a Helena e ela disse coisas que eu transmiti para ele. Acho que essa briga acabou naquele momento.
Como foi quando o Telmo descobriu a doença?
Ele sempre foi muito discreto em relação a isso. Teve situações em que fazia quimioterapia e ia direto para a Prefeitura despachar. Ele sempre quis cumprir seu mandato, então manteve isso em um círculo muito restrito de pessoas e tentava manter os compromissos de prefeito. Mas há dois anos ele estava se tratando.
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E em que momento ele abriu a situação para outras pessoas?
Isso se tornou público em uma reunião do partido durante a campanha. Como ele fazia parte do grupo de risco (da Covid-19) e fazia quimioterapia, não podia estar ativamente nas ruas, e teve que justificar isso para o grupo. Até aquele momento, as coisas estavam indo bem, o prefeito estava se recuperando, a quimioterapia estava respondendo. Isso acabou dando uma sobrevida significativa para ele.
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E esses últimos dois meses, como foram?
Ele deixou de fazer o tratamento em Porto Alegre, passou a se tratar em Santa Cruz, e passou a fazer as aplicações de quimioterapia em casa, em home care. E começou a despachar dali, porque ele queria muito ficar em casa. Aquela casa (na Rua Gaspar Silveira Martins) tinha uma simbologia muito especial para ele, foi ali que ele nasceu, cresceu e ali que queria passar os últimos momentos da vida. O tratamento, nos últimos 60 dias, chegou a responder, mas por conta do avanço da doença, ele precisou de atendimento hospitalar e aí tudo aconteceu. Até o último dia, estávamos com a expectativa de que ele saísse bem do hospital e pudesse ficar em casa pelo menos até o fim do ano. Ele até pediu para comer um picolé. Queria de vinho, mas eu fui lá e peguei de uva (risos).
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Achas que ele estava preparado para morrer?
Acho que ninguém nunca está. Mas ele sabia que era uma doença grave que e a consequência do descontrole da doença é a morte. Ele nos preparou muito para esse momento, falou sobre onde queria ser enterrado, como queria que fosse. Consegui atender a todos os pedidos dele. Falta somente um que, quando eu atender, as pessoas vão saber.
Como será o seu futuro? Continuas na política?
Vou agora finalizar os compromissos que tenho com o prefeito Carlão. Conversei com ele, ele foi muito cortês e respeitoso e tem a intenção de manter viva a memória do Telmo. Depois, vou cuidar um pouco de mim. Estudar alguma coisa, enfim, reorganizar a minha vida. Tive uma vida muito intensa com o prefeito e, de fato, ainda não tenho planos.
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O que a convivência com o Telmo te ensinou a respeito dele?
Poucos conheciam o Telmo Kirst de verdade. A impressão que as pessoas tinham é que ele era uma pessoa fria, distante. Mas era um cara apaixonado pela vida. Gostava de cantar. Todas as vezes que íamos de carro a Porto Alegre, ele gostava de cantar Roberto Carlos. Gostava de assistir a séries, gostava de fazer churrasco, amava os filhos. Talvez os momentos mais felizes dele nessa fase da doença foram os de convivência com os netos. Era como ele desestressava e parava um pouco de pensar na saúde. Adorava estar repleto de gente, com bastante bebida. Assistia futebol com o filho toda quarta-feira. E o principal ensinamento dele para mim foi ser leal com as pessoas. Muitas pessoas que Telmo ajudou e a quem deu oportunidade acabaram traindo ele. E eu fiquei com ele até o último segundo.
Ele tinha mágoas?
Sim. E ele fez questão de manifestar isso para as pessoas de quem tinha mágoas. Desde a eleição, algumas pessoas receberam cartas ou mensagens de texto dele. Quando internou, ainda estava lúcido e pediu para que eu conversasse com algumas pessoas para também manifestar o carinho que tinha por elas. Pediu para que eu falasse com o (Humberto) Canuso, com o (Glademir) Aroldi, com o (José Paulo Dorneles) Japur e a com a doutora Tricia (Schaidhauer). Foram pessoas importantes, amigos de vida.
Quais, na tua opinião, foram o maior acerto e o maior erro do Telmo?
O maior acerto foi a condição na qual ele colocou Santa Cruz, uma condição de respeito, de economia forte, de uma Prefeitura que honra com seus compromissos e também de uma cidade mais bonita, humana, organizada. Talvez o grande erro foi não ter demonstrado quem ele era de verdade, essa pessoa carinhosa, amável e apaixonada pela vida. Ele deveria ter dito mais vezes que amava as pessoas.
O que esperas do novo governo?
Espero que honre muito o nome do prefeito, que todas as divergências políticas, mágoas e palavras que talvez soaram desagradáveis tenham sido enterradas junto com o prefeito, e que a gente só fique com as coisas boas que ele fez.
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