Com o dia 25 de julho e o Bicentenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul cada vez mais perto, a Gazeta do Sul está indo cada vez mais longe para redescobrir a trajetória dos imigrantes e como eles contribuíram para a formação cultural, social e econômica de diversas regiões. Desta vez, a divisa do Estado foi superada para abordar a colônia de Porto Novo, que hoje corresponde ao município de Itapiranga e seu entorno, na região Oeste de Santa Catarina.
A relação com o Rio Grande do Sul e, sobretudo, com Santa Cruz do Sul, no entanto, é estreita. Isso porque a região foi colonizada a partir do empreendimento de uma entidade filantrópica chamada Volksverein (ou Sociedade União Popular), fundada em 1912 pelo padre Theodor Amstad e que reunia os alemães católicos das regiões colonizadas por eles no Estado.
O dinheiro veio das cooperativas de crédito também implantadas pelo religioso e que permitiram comprar a gleba para a formação da nova colônia, em 1926. Assim, as duas instituições, uma com recursos financeiros e a outra com mão de obra, deram início à construção dos assentamentos para os novos colonos.
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Depois da compra da gleba de Porto Novo pela Volksverein e com recursos das cooperativas de crédito do Rio Grande do Sul, o padre João Evangelista Rick partiu junto de uma comitiva para vistoriar a área adquirida, em janeiro de 1926. Em fevereiro daquele ano, outro grupo de homens chegou ao Oeste de Santa Catarina com a mesma missão. Enquanto isso, conforme explica Roque Jungblut em seu livro Porto Novo – Um documentário histórico, a campanha publicitária para atrair interessados já havia sido lançada no Congresso dos Alemães Católicos do Rio Grande do Sul.
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Nessa mesma época, João Guilherme Werlang, então presidente da Caixa Rural de Santa Cruz do Sul, registrou uma visita do religioso em seu escritório, quando este havia acabado de retornar do Estado vizinho. “O padre João Rick expôs-me o seu plano, dizendo que iria fazer a colonização comprando 100 lotes de terra de mata virgem da empresa Chapecó-Peperi Ltda. Pretendia o padre Rick adquirir gradativamente áreas de 100 lotes à proporção que fosse se desenvolvendo a colonização”, diz um trecho da anotação.
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O objetivo do padre Rick com o encontro era de que a Caixa Rural de Santa Cruz financiasse o empreendimento. Werlang, no entanto, informou que o procedimento deveria ser feito pela Central das Caixas Rurais de Porto Alegre, que havia sido fundada no ano anterior. “Solicitei que fosse [o padre Rick] a Porto Alegre e trouxesse o Albano Volkmer, presidente da Central. Em 26 de janeiro de 1926, ele retornou com Volkmer”, cita o documento. No dia seguinte, com o auxílio de um advogado, foi redigido o contrato com a constituição dos moldes em que se firmaria a colonização de Porto Novo, entre a Chapecó-Peperi Ltda. e a Volksverein.
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A assinatura do contrato ocorreu em 28 de janeiro, na sede da Caixa Rural de Santa Cruz. As duas primeiras expedições para visitar a gleba recém-comprada foram organizadas por Carlos Francisco Rohde, nas colônias velhas, e pelo padre Max Von Lassberg, a partir de Cerro Largo. Chegaram a Porto Novo em 10 de abril, em um local próximo de onde está a atual Estação Rodoviária, e ali foi erguido um monumento. Nas semanas seguintes, outros grupos interessados fizeram a mesma rota e as primeiras aquisições de lotes se deram no fim daquele mês.
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Para gerir a nova comunidade, uma comissão foi formada por Volkmer, representando a Volksverein, e Werlang, diretor da Caixa Rural de Santa Cruz, com plenos poderes para assumir os aspectos administrativos e burocráticos inerentes ao processo. Como diretor e subdiretor da colônia foram nomeados José Aloísio Franzen e Carlos Francisco Rohde, respectivamente. Os primeiros funcionários contratados foram Albino Both, Oscar Wagner, Egon Berger, Wilibaldo Stülp e Pedro Follmann.
O contrato assinado em Santa Cruz do Sul entre a Chapecó-Peperi Ltda., então dona da área, e a Volksverein previa que a empresa seria responsável por lotear as terras, abrir os acessos a todos os lotes e construir as pontes. A vendedora, contudo, não honrou suas obrigações e provocou uma falta de lotes demarcados já nos primeiros meses. Diante dessa situação, em novembro daquele ano, a Volksverein fez alterações no contrato e assumiu todas as funções.
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As primeiras compras de terras por colonizadores começaram nos últimos dias de abril de 1926, a um custo de 2 contos e 500 mil réis por um lote de 25 hectares. O valor também era financiável por meio da Caixa Rural. Os primeiros compradores foram Vicente João Schneider, de São Leopoldo; José Averbeck, alemão e ex-combatente da Primeira Guerra Mundial e morador de Santa Cruz do Sul; e Bernard Binnemayer, também alemão. Solteiros, os três trabalharam juntos. No mesmo período chegaram Carlos Francisco Angst, José Buss, Augusto Henning, Friedrich Hentges e Albino Binsfeld, estes casados e que buscariam as famílias posteriormente.
Apesar das intensas propagandas feitas pela Volksverein para atrair colonos e que prometiam terras férteis, lotes estruturados, educação, saúde e assistência espiritual, a realidade encontrada pelos compradores foi muito diferente. Ainda de acordo com a pesquisa de Roque Jungblut, as vias e os meios de acesso eram “desumanos”, com passagens por estradas abertas em meio ao mato, atoleiros e as fortes correntezas dos rios.
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Nesse trajeto, muitos perderam seus pertences. Alguns ainda compraram os lotes no mapa e se surpreenderam negativamente com as condições dos terrenos devido à existência de muitas pedras e morros.
Mesmo com todas essas dificuldades, a colonizadora e os colonos, aos poucos, resolveram os problemas e fizeram a colônia de Porto Novo prosperar. Esse avanço pôde ser percebido no aumento populacional progressivo. Passados apenas quatro anos, em 1930, o número de habitantes já ultrapassava a 1,3 mil. Em 1940, saltou para 4,8 mil e em 1950, 24 anos após a fundação, a soma passava de 12 mil moradores.
No início dos anos 1950, insatisfeita em ser apenas um distrito de Chapecó, a colônia de Porto Novo, já há muito rebatizada de Itapiranga (“pedra vermelha”, em Tupi-Guarani), começou a luta pela emancipação. Foram longos anos de negociações e embates políticos com a Câmara de Vereadores de Chapecó e com a Assembleia Legislativa de Santa Catarina antes que a proposta pudesse avançar. Até 1953, apesar de atender aos requisitos de arrecadação, o distrito não alcançava a população mínima estabelecida, que era de 20 mil habitantes.
Nesse mesmo ano, após uma mudança na constituição estadual, oito distritos foram emancipados: São Miguel do Oeste, São Carlos, Mondaí, Palmitos, Dionísio Cerqueira, Xaxim, Xanxerê e Itapiranga. O primeiro prefeito, escolhido de forma provisória, foi Wilibaldo Schoeler, até a realização do primeiro pleito, em 3 de outubro de 1954. Na ocasião, enfrentaram-se nas urnas Afonso Schwengber e Arthur Goerck, que acabou eleito com 1.782 votos (66%).
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Atualmente, Itapiranga possui 16,8 mil habitantes, distribuídos entre a sede e 27 comunidades rurais. A economia é baseada na produção agrícola e na pecuária, com forte participação da agricultura familiar e agroindústrias a partir da produção leiteira e de frangos e suínos. Destaca-se ainda o turismo rural e de aventura, haja vista que o município se localiza às margens do Rio Uruguai, conhecido por sua correnteza forte e propícia para esportes radicais aquáticos. Assim como Santa Cruz, Igrejinha, Blumenau e outros municípios fundados por imigrantes alemães e seus descendentes, Itapiranga também possui uma Oktoberfest, que por lá já se encontra na 44ª edição.
Apesar de algumas ações que visam preservar as tradições dos imigrantes, como a própria Oktoberfest e o Centro Histórico Germânico, o historiador Euclides Staub entende que é preciso mais empenho nesse sentido. Em sua compreensão, a língua alemã está em extinção devido à falta de interesse dos mais jovens em aprender. “A coisa está tão crítica que, no meu último livro, pedi a uma professora alemã aposentada que me ajudasse a elaborar 60 questões em português e alemão, com a pronúncia, para que o idioma não se perca.”
Staub considera fundamentais iniciativas como os festejos dos 200 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul para preservar a história, a tradição e as memórias dos antepassados. “Tem que querer fazer as coisas. Para escrever meu último livro, fui em três municípios argentinos e outros três no Rio Grande do Sul que estão na divisa com Santa Catarina para fazer pesquisa.” Com isso, ressalta a importância de que a população procure conhecer as suas origens e os processos de formação dos municípios e das regiões onde moram.
Os primeiros colonos enfrentaram uma série de dificuldades, desde o acesso aos lotes, à educação e à saúde até terrenos acidentados, falta de médicos e hospitais. Já a emancipação exigiu anos de negociações.
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