Alguns anos atrás, quando eu fazia mestrado, um diálogo que testemunhei em sala de aula me marcou muito. O primeiro dos dois anos chegava ao fim e a professora perguntou a uma de minhas colegas se achava que o curso estava valendo a pena. Sem hesitar, ela respondeu que sim e emendou uma justificativa tão espontânea quanto profunda (possivelmente mais profunda do que ela própria imaginava). “Está sendo ótimo porque aqui eu vi como sou ignorante”, disse. Alguns riram, talvez achando que se tratasse de uma piada. Mas não era. E com a mesma segurança, ela continuou: “Isso não é ruim. É bom. Porque eu não sabia que eu era ignorante. E agora sei”.
Fiquei dias pensando sobre aquilo, impressionado com a coragem da colega em declarar-se ignorante em um ambiente cheio de solenidades e vaidades. Ignorância, diga-se de passagem, não é burrice, e sim o desconhecimento sobre a existência de algo, segundo a acepção do dicionário.
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Na verdade, reconhecer a própria ignorância é um ato de extrema sabedoria. Primeiro, porque assume-se que o mundo é vasto, vastíssimo e que, não importa o quanto se viva ou o tanto que se estude, sempre haverá um infinito a se revelar. Segundo, porque admite-se a impossibilidade de saber tudo, ou mesmo de conhecer a fundo muitas coisas. Como diz um samba antigo do mestre Candeia: “Cego é quem vê só aonde a vista alcança”.
Por mais eruditos e experimentados que possamos ser, seguiremos sempre ignorantes. Aliás – e essa foi a lição que tirei das palavras da minha colega –, quanto mais aprendemos, maior se torna o universo diante de nossos olhos e, consequentemente, mais cientes da própria ignorância ficamos. Por sinal, um certo pensador grego já dizia algo nessa linha mais de 2 mil anos atrás.
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A questão é: quem tem hoje coragem de assumir que não sabe de alguma coisa? Vivemos uma época sem precedentes em termos de democratização do conhecimento formal, em que a informação é abundante e há conteúdo de qualidade a um clique de distância de quase todo mundo. Paradoxalmente, nunca se viu tanta desinformação e dogmatismo por metro quadrado.
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Veja o que aconteceu nas últimas semanas. O planeta foi atacado por um vírus novo, desconhecido até para a ciência, e mesmo assim muitos leigos se atreveram a tirar conclusões as mais diversas por conta própria. O alarido dos epidemiologistas de sofá tornou-se insuportável. E o pior: enquanto muitos entupiam-se de convicções fajutas, as autoridades sanitárias eram em muitos casos desprezadas – embora elas tenham, mais do que ninguém, condições de chegar próximo de alguma verdade nesse caso. Quer dizer, ou não estamos aproveitando a fartura de conhecimento que temos à disposição ou estamos aproveitando mal. Ou os dois.
Teríamos, penso, muito mais chances de tomar decisões coletivas certeiras em momentos de crise como o atual se todos reconhecessem a obviedade de nossa ignorância e praticassem, como fez minha colega, o “só sei que nada sei”. Certezas são enganosas e, não raro, perigosas, pois nos fazem esquecer que sempre há algo mais a descobrir ou um ponto de vista diferente a se considerar. A instrução, ou a falta dela, deveriam levar à humildade e não à soberba. Por via das dúvidas, prefiro confiar mais nelas.
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