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LISSI BENDER

Por que chamamos os imigrantes de alemães?

Muitas vezes ouço pessoas dizerem que não podemos chamar os imigrantes vindos ao solo gaúcho antes de 1871 de alemães, porque até então não existia o Estado Alemão, enquanto uma unidade, o que viria a ser somente naquele ano. Mas vejamos por que não está equivocado chamar os imigrantes, vindos de terras germânicas, de alemães.

Antes da unificação acontecer, o Império Alemão consistia em diversos pequenos principados, reinados, ducados, grão-ducados, um território imperial e três cidades hanseáticas livres. O que identificava todos, e daí se falar em alemães, é a referência à língua. Na Idade Média, predominavam dialetos (também hoje a Alemanha é ricamente abençoada por dialetos).

Com a tradução da bíblia, por Martin Luther – publicada em 1522 –, foi dado um grande impulso para a evolução da moderna língua alemã. Para poder traduzir a bíblia, cuja leitura Lutero defendia como fundamental a todos os cristãos, ele andava pelas ruas e mercados e prestava atenção às falas do povo, para que a tradução fosse acessível a todos.

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Ao uniformizar o idioma, havia um elo comum entre todos os departamentos políticos vindos da Idade Média. Por isso, ao se falar em imigrantes alemães, vindos antes de 1871, faz-se referência às pessoas de fala alemã, que procederam de uma Heimat vivenciada por um idioma que lhes conferia Zugehörigkeitsgefühl – sentimento de pertencimento.

A tradução da bíblia, a invenção da impressão por Gutenberg, a obrigatoriedade à frequência escolar na Prússia, já em meados de 1700, contribuíram para a língua alemã, o Hochdeutsch, se estabelecer e se difundir. Assim, o primeiro dicionário de uniformização do idioma começou a ser produzido em 1838 por Jacob e Wilhelm Grimm. Eles também haviam coletado inúmeras histórias da tradição oral que reuniram e publicaram sob o título Haus und Kindermärchen. Eis alguns importantes impulsos para o estabelecimento da língua alemã clássica, o Hochdeutsch.

Como os imigrantes vieram, em sua maioria, antes da unificação, nos passaportes o registro constava como vindos da Renânia, da Pomerânia, de Hessen, de Schleswig Holstein, da Prússia… Mas, como todas as pessoas falavam alemão em suas variedades dialetais, a história os registra como “alemães”. Resumindo: os imigrantes trouxeram consigo a fala alemã, seja na forma dialetal ou Hochdeutsch e, portanto, podemos denominá-los de alemães. E quando alguém diz: “Mia deutsche misse zusammehale” – nós alemães precisamos nos manter unidos – não há nenhum cunho político de pertencimento à Alemanha nisso, mas apenas um sentido de pertencimento étnico que tem no idioma alemão e na cultura sua expressão.

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A propósito, dialetos. Eles são Ursprung/origem das línguas padrão e, por isso, valiosos. De minhas vivências em terra suábia/schäbischesländle – Tübingen – conheci o dialeto suábio. Participei de saraus literários vertidos no dialeto local. No centro histórico de Tübingen, quando se sobe em direção ao castelo Hohentübingen, tem no meio do aclive um banco, encostado ao restaurante Mauganeschtle. Na parede acima do banco se lê: Dohoggeddiadiaemmerdohogged – ou seja, “ali sentam os que sempre sentam ali”. Aliás, os suábios são conhecidos pela sua parcimônia que também se reflete em sua fala: Mir kaufet nix, mir gugget bloss – não compramos nada, apenas olhamos; Na consagração de meu doutorado, amigos meus me deram um cartão com o dizer: “Du bisch a Käpsele” – em homenagem à minha conquista. Em suma, eles se orgulham de seu dialeto.

Saibamos também nós valorizar nosso jeito de falar alemão. Saibamos preservar o que nos foi legado.

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