No fim da década de 1940, um jovem estudante de Direito costumava ir à Assembleia Legislativa em Porto Alegre em seus horários livres para assistir aos debates em plenário. Foi nessas visitas ao Parlamento que fez os primeiros contatos que lhe permitiriam, alguns anos mais tarde, em 1955, eleger-se para o único mandato da vida, como vereador de Santa Cruz. Hoje, Emiliano José Limberger é um dos poucos remanescentes desse capítulo já distante da história política local.
Filho de um produtor de arroz do interior de Rio Pardo, Limberger se alfabetizou somente aos 11 anos, em 1938, quando veio estudar em Santa Cruz. Após três anos no internato do Colégio São Luís, onde era orientado por padres jesuítas, mudou-se para Salvador do Sul em busca de uma formação na áreas das humanidades. De lá, teve acesso ao ensino superior.
Sem nenhuma tradição política pregressa na família, Limberger inseriu-se no ninho trabalhista tradicional em Porto Alegre após conhecer figuras como o então deputado Fernando Ferrari, de quem ficaria muito próximo, e o santa-cruzense Siegfried Heuser, que viria a ser seu padrinho de casamento. “Ele (Heuser) é uma figura que Santa Cruz tem que cultuar mais. Sei que existe uma praça com o nome dele, mas é muito pouco. Foi um grande deputado”, observa. Por meio deles, filiou-se ao PTB e tornou-se um estudioso da doutrina trabalhista. Em uma visita ao ex-senador Alberto Pasqualini no Rio de Janeiro, foi presenteado com um exemplar do clássico Diretrizes fundamentais do trabalhismo brasileiro.
Publicidade
De volta a Santa Cruz após a formatura, começou a lecionar e trabalhar como advogado. Passou a assessorar cooperativas e sindicatos de várias categorias, como comerciários, metalúrgicos e empregados de fumageiras, tornando-se uma referência para ações trabalhistas. “Faziam fila no meu escritório. Parecia um comício. Com isso, passei a ser malvisto por muita gente poderosa”, lembra.
O ano em que Limberger elegeu-se foi histórico para a política de Santa Cruz, já que pela primeira vez o conservadorismo foi derrotado e Arthur Walter Kaempf venceu a disputa pela Prefeitura. “Até então, eram os burgueses que mandavam”, conta. Na campanha, Limberger costumava acompanhar Kaempf em roteiros pelo interior. “Na cidade estávamos bem. Mas na colônia éramos considerados comunistas. Inclusive parentes meus não votaram em mim.” Dos 13 vereadores eleitos naquela ocasião, só dois ainda estão vivos: Limberger e Patrick Francis Fairon.
Um fim trágico evitado
Publicidade
Limberger sequer hesita quando é questionado sobre quem é o político que mais admirou. “Sem dúvida, Fernando Ferrari. Um homem honesto, morreu pobre. Foi o primeiro a falar sobre combate à corrupção no Brasil”, diz, em referência à Campanha das Mãos Limpas, lançada por Ferrari em 1962.
Os dois estiveram lado a lado durante vários anos. Limberger participou, por exemplo, da elaboração do Estatuto do Trabalhador Rural, um dos maiores feitos da vida pública de Ferrari. “Éramos tachados de comunistas na época. Como éramos do PTB, nos chamavam de ‘PTBostas’.” Em mais de uma oportunidade, Ferrari veio a Santa Cruz ministrar palestras a convite de Limberger.
Essa proximidade manteve-se quando Ferrari opôs-se internamente à corrente liderada por João Goulart e Leonel Brizola e fundou outro partido, o Movimento Trabalhista Renovador (MTR). “Eles (Brizola e Jango) tinham o trabalhismo da boca para fora. Não eram coerentes, eram muito populistas.” À época, outros líderes do PTB, como Pedro Simon, não aderiram à dissidência. “Ele era vereador em Caxias e eu em Santa Cruz. No início ele era simpático ao Ferrari, mas resolveu ficar com Brizola e Jango”, disse. Hoje, Limberger e Simon moram a poucas quadras de distância, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre.
Publicidade
Por muito pouco, Limberger escapou da tragédia que abreviou a vida de Ferrari em maio de 1963, quando a aeronave Cessna em que viajava caiu próximo ao Morro do Chimarrão, em Três Cachoeiras. Ele estava a caminho de Torres, onde faria uma palestra para 700 agricultores. Depois de decolar de São Gabriel, o avião desceu em São Leopoldo, onde Limberger embarcaria para acompanhá-lo. “Ele pressentiu, eu captei por telepatia e desisti. No meu lugar, foi o colega Ivan Coelho, que faleceu com ele.”
Passados mais de 50 anos, Limberger não tem dúvidas de que a aeronave foi sabotada e, inclusive, já publicou essa denúncia, jamais contestada, em livro.
Um protesto ao vivo
Publicidade
Na Câmara, Limberger dividia o plenário com figuras célebres, como Euclydes Kliemann e Orlando Oscar Baumhardt. A experiência no Legislativo, porém, fez com que ele deixasse de acreditar na atividade parlamentar. Os debates, conta, eram sempre tensos e pouco produtivos. “Era um ambiente muito acirrado e eu não tinha interesse em polêmicas e discussões. Eu queria ação concreta, queria ajudar a resolver os problemas do povo.” Kliemann era à época um dos principais agitadores e isso, na visão de Limberger, contribuiu para o seu fim trágico – em 1963, foi assassinado pelo adversário político Floriano Peixoto Menezes (que também foi colega de Limberger na Câmara). “Quem semeia vento, colhe tempestade”, observa.
Limberger passou parte do mandato licenciado e não chegou a concorrer novamente. Quando deixou a Câmara, retornou a Porto Alegre e seguiu ligado à política, primeiro como secretário-geral do então recém-fundado MTR.
Em 1966, já durante o bipartidarismo, concorreu a deputado estadual pelo MDB, mas sequer chegou a fazer campanha. O objetivo, segundo ele, era aproveitar o espaço do horário eleitoral gratuito, que acontecia pela primeira vez, para protestar contra os governos militares em cadeia de rádio e TV. Por conta disso, chegou a ser tirado do ar e apelou à Justiça Eleitoral. “Mas não tinha pretensão alguma de me eleger. Já havia me convencido que a ação parlamentar não é o caminho mais adequado para resolver as coisas.”
Publicidade
Longe das tribunas, ativo nas ruas
Se a tribuna não lhe despertava tanto fascínio, foi na pressão das mobilizações que Limberger encontrou sua força. Antes de ser vereador, por exemplo, encabeçou um movimento para criação de uma biblioteca pública em Santa Cruz. Até então, havia apenas um pequeno acervo de livros à disposição da comunidade em uma sala no Palacinho. “Passamos a recolher livros de casa em casa, percorrendo o município de carroça”, lembra. À época, Limberger também trabalhava na Rádio Santa Cruz, que deu cobertura ao movimento. Na emissora, fazia locução de notícias e apresentava a tradicional Oração da Ave Maria diariamente. A transmissão era feita de dentro da Catedral São João Batista.
Outro feito do qual se orgulha foi a instalação em Santa Cruz, no fim dos anos 50, de um armazém do Serviço de Alimentação de Previdência Social (SAPS), órgão criado por Getúlio Vargas. O estabelecimento, que existia em várias cidades, vendia alimentos a preços acessíveis. Isso, porém, levou a uma grande paralisação do comércio local, incomodado com a concorrência. “Os comerciantes fecharam e protestaram. Foi o primeiro locaute da história do Rio Grande do Sul. O Estado inteiro acompanhou o que estava acontecendo em Santa Cruz”, conta.
Limberger também enfrentou forte resistência quando liderou um levante para instalação de um colégio noturno em Santa Cruz, onde nenhuma escola de nível ginasial oferecia ensino à noite, o que impedia de estudar muitas pessoas que precisavam trabalhar durante o dia. Seu grande aliado no pleito foi Siegfried Heuser, à época deputado estadual. “Teve muita luta contra. Diziam que isso ia causar arruaça.”
Uma marca da atuação política de Limberger fica próximo ao Acesso Grasel, no início da Avenida Léo Kraether, principal porta de entrada à região central do município. Trata-se de um monumento inaugurado para celebrar o centenário da colonização alemã, em 1949. A ideia foi do próprio Limberger, que contou com a ajuda de Brenno Waldemar Assmann, então vereador. Assmann era sócio de uma cantaria em Cachoeira do Sul, de onde foi encomendada a estrutura. Um detalhe pouco conhecido é que, na base do monumento, foram utilizadas terra e folhas de carvalho trazidas da Alemanha por um amigo de Limberger, e que foram misturadas a folhas de coqueiro, como forma de simbolizar a união entre os dois países.
Da política à História
Com 92 anos completados em janeiro, Limberger trocou a militância pela pesquisa histórica. É pai de quatro filhos, frutos de seu casamento com uma santa-cruzense, Ingona Forster Limberger, falecida há quase 20 anos. Até hoje, vem a Santa Cruz com regularidade.
Culto e autodidata (“Queria fazer faculdade de História, mas não tive possibilidade”), dedica-se a estudos sobre a história missioneira no Rio Grande do Sul. É coordenador do Instituto Pró-Memória Sepé Tiarajú, cujo objetivo é justamente preservar essa memória. Sobre o personagem célebre, fala com gosto: “Imagina um índio enfrentando dois exércitos dos mais poderosos da Europa.” Atualmente, revela, está em planejamento a escavação da sepultura de Sepé em São Gabriel. Também está em vias de concluir um trabalho sobre sua localidade natal, Rincão Del Rey, que será publicado na coluna que mantém há vários anos no Jornal de Rio Pardo. Tem quatro livros publicados, sobre temas como cooperativismo e estatuto do trabalhador rural, além da história missioneira.
Mesmo aposentado da vida partidária, segue atento ao noticiário político. Quando questionado se ainda tem o hábito de votar, mesmo desobrigado pela legislação eleitoral, reagiu com surpresa e bom humor: “Voto, claro. Tu tens algum candidato a recomendar?”.
Na conversa que teve por telefone com a Gazeta na segunda-feira, também tinha uma resposta na ponta da língua quando foi perguntado sobre o momento atual do País e o governo Bolsonaro. “Uma confusão danada”, resumiu. “Ele (Bolsonaro) cuida apenas dos adjetivos, quando deveria cuidar dos substantivos, ou seja, das coisas mais básicas e fundamentais.”
LEIA OUTRAS REPORTAGENS DA SÉRIE:
- Por onde anda o primeiro vereador negro de Santa Cruz
- Por onde anda o ex-vereador Gariba, o ‘zebrão da paróquia’
- Por onde anda o homem que criou a bandeira de Santa Cruz
- Glória Jacobus: a primeira vereadora de Santa Cruz
- “Vem sendo inspirador ouvir pessoas que contribuíram de alguma forma para construir a Santa Cruz que conhecemos”