A recordação mais antiga que tenho está ligada a uma canção dos Beatles. Lembro que, para me acalmar (eu era uma criança inquieta, vamos dizer assim), a mãe deixava Across the Universe tocando no aparelho de som. Até hoje, quando ouço essa música, sinto uma espécie de paz. A reminiscência me veio porque quarta-feira, 13, foi o Dia Mundial do Rock. Fiquei pensando no quanto esse estilo esteve presente em minha vida. Vivi a adolescência durante a “febre” do rock brasileiro nos anos 1980, coroada pelo primeiro Rock in Rio, escutando grupos como Ira!, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Paralamas, Titãs, RPM e outras. Era a trilha da época.
Não me considero saudosista, embora ache que seja difícil evitar certo saudosismo na meia-idade – não porque os velhos tempos tenham sido melhores, mas apenas porque éramos mais jovens (ou seja, sentimos saudade de nós mesmos). Mas sempre admirei, nos compositores de rock, a capacidade de falar sobre vários assuntos nas letras. A coisa não se resumia a bebedeiras, farras e “sofrências”.
Havia isso, mas – eis a questão – não se limitava a isso: podia abranger também política, doses generosas de filosofia e existencialismo, qualquer coisa. Era um horizonte amplo. Raul Seixas tinha o Rock das Aranhas, mas no mesmo disco você encontrava Aluga-se e Minha Viola, completamente diferentes. O que me aborrece nos sertanejos de hoje, por exemplo, é que são monotemáticos. Até as rimas deles se repetem.
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Já o rock tem lugar para uma obra complexa e fascinante como The Wall, do Pink Floyd, álbum duplo que virou filme. As 26 faixas contam a história de Pink, um ídolo da música que se isola progressivamente do mundo. Seu afastamento da realidade é representado pela imagem de um muro ou parede que se ergue aos poucos. Cada ferida mal cicatrizada na vida de Pink, desde a infância sem o pai até o casamento falido, é um tijolo a mais na construção.
Quando o muro está pronto, ele não é mais o mesmo. Ressurge como outro tipo de ídolo: um líder fascista raivoso que conclama as massas para a guerra. Um delírio, e uma boa alegoria até hoje. Pois não faltam muralhas artificiais que alienam as pessoas umas das outras e alimentam a cegueira suicida e delirante do fascismo.
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