15 de julho de 2024
(Pessoa 1) – Oi! Eu queria ver um negócio contigo. Lá na firma eles não estão querendo aceitar o atestado porque não tem o carimbo do médico, daí eu quero ver como é que vai ficar, né, porque daí não vou querer aceitar. Vamos perder esses quatro dias aí.
(Pessoa 2) – Olha aqui, eu tenho esse atestado da médica, do postinho ali. Aí tem o nome dela e o CRM. Eu vou te cobrar 25 pila mais ou menos pra fazer. Uns 20 pila, uns 20 pila pra fazer aí de cada um.
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18 de julho de 2024
(Pessoa 1) – Oi! Deu certo lá o atestado. Eu queria ver contigo se não pode fazer dessa semana pra três dias pra nós, mas daí igual aqueles, né, pra gente, assinatura do médico e tudo daí.
(Pessoa 2) – Eu não sei o que você quer que eu coloque nele, a mesma doença?
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(Pessoa 1) – É. A mesma que tu colocou naqueles outros, daí o meu é do nervo ciático e o dela da tendinite.
Documento emitido por um profissional comprovando a condição de saúde de uma pessoa, normalmente entregue por um trabalhador ao seu gestor para que não sofra descontos em sua remuneração, o atestado médico é uma justificativa oficial baseada em lei, e obedece critérios. Os diálogos acima, feitos pelo WhatsApp, no entanto, mostram evidências de um esquema que fraudou este procedimento legal.
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A reportagem da Gazeta do Sul teve acesso com exclusividade a detalhes de uma investigação traçada em sigilo, ao longo de um ano pela Polícia Civil, que desmantelou uma estrutura organizada de compra e venda de atestados médicos em Vera Cruz. Uma mulher de 42 anos, que foi servidora pública municipal concursada durante 13 anos e trabalhava no posto da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do Bairro Arco-íris, foi identificada como a chefe do esquema.
De acordo com a delegada Lisandra de Castro de Carvalho, que coordenou a investigação, as primeiras informações acerca do fato chegaram ao conhecimento da Delegacia de Polícia (DP) de Vera Cruz em dezembro de 2023. Na oportunidade, uma técnica de enfermagem registrou uma ocorrência sobre um homem de 36 anos que trabalhava em uma empresa de Santa Cruz do Sul e tinha um atestado médico suspeito, carimbado um mês antes no posto da ESF do Bairro Arco-Íris.
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Nos primeiros meses de 2024, outro fato chamou a atenção dos investigadores. Conforme o inspetor de polícia Jefferson Woyciekoski, que conduziu apurações no inquérito, uma médica também realizou um registro, após uma empresa de Vera Cruz alegar que alguns atestados apresentados por funcionários tinham características suspeitas. “Vinham sempre do mesmo posto, sem carimbo de médico, e sim de uma técnica em enfermagem”, disse o agente.
Os informes apurados até então eram indícios de que um esquema era realizado no município, mas não se sabia quem estava por trás. Porém, durante cumprimento de mandado de prisão preventiva no dia 12 de julho, para um homem de 47 anos, acusado de abusar de menores e comercializar drogas em uma casa do Bairro Arco-Íris, a prova cabal veio à tona. Na oportunidade, foi apreendido o celular de uma mulher de 34 anos, que terminou envolvida em uma ocorrência de desacato contra os policiais.
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No aparelho, analisado após quebra de sigilo e compartilhamento de prova autorizadas pela Justiça, foi exposta a conversa de WhatsApp citada acima, além de outras, com uma das negociações de atestados, indicando a mulher que fazia os documentos, comprados pela investigada que era proprietária do celular apreendido. “Essa autora costumava vender os atestados por R$ 35,00, mas fazia promoções. Se aumentasse a quantidade de dias, ia diminuindo o preço. Por exemplo, se fossem quatro atestados, ela fazia o preço de R$ 80,00 o pacote”, comentou o inspetor de polícia.
Os agentes então descobriram que a mulher que vendia atestados era irmã do homem de 36 anos que apresentou o documento suspeito na empresa de Santa Cruz no final do ano passado. Apuraram ainda que ela era agente de saúde e havia sido exonerada pela Prefeitura de Vera Cruz em janeiro deste ano, após responder Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por não ser assídua no trabalho.
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Confissão, diante das evidências apuradas
Com as evidências apuradas que indicavam a prática criminosa, os policiais da DP de Vera Cruz solicitaram um mandado de busca e apreensão na casa da mulher de 42 anos, no Bairro Boa Vista, que foi cumprido no dia 27 de agosto. Na época, ela estava em campanha eleitoral, após candidatar-se a vereadora em Vera Cruz – posteriormente não sendo eleita.
Na residência da investigada, foi apreendido um carimbo do posto da ESF do Bairro Arco-Íris e duas folhas de atestados já prontos com os dados dos compradores inseridos. “Ela costumava ir no posto de saúde muito próximo das 16 horas, quando fechava uma parte do local. Ficava sozinha e tinha acesso aos blocos de atestado e carimbos”, detalhou o inspetor Jefferson, sobre como a acusada agia.
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Em depoimento, confrontada com todas as provas, a mulher confessou. Disse que apropriou-se de um carimbo, mas que foi exonerada e esqueceu de devolver. Ainda, revelou que começou a vender atestados porque pessoas a procuravam querendo comprar. O primeiro, segundo ela, teria sido de graça para o irmão, em novembro de 2023. E o segundo, sendo o primeiro vendido, foi no mês seguinte, para uma vizinha, quando ela cobrou R$ 70,00. Por fim, disse que teria feito xerox de algumas folhas de atestado para vender, e confirmou que lucrava cerca de R$ 300,00 por mês com a venda de atestados falsos.
Para a polícia, o lucro era maior do que esse. Conforme a delegada Lisandra, a mulher de 42 anos vai responder por falsificação de documento público, que tem pena de reclusão de dois a seis anos e multa. Para a acusada, pode ainda valer uma majorante – que em caso de condenação pode aumentar a pena em um sexto – por ela ter cometido o crime sendo funcionária pública. “Este caso foi concluído, mas essa mesma mulher permanece sendo uma investigada na nossa delegacia pela prática de outros crimes”, salientou a chefe da DP de Vera Cruz.
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Outras cinco pessoas, entre elas o irmão da organizadora do esquema e a mulher que negociou via WhatsApp a compra dos atestados, vão responder pelo crime de uso de documento falso, que tem pena de um a cinco anos de reclusão e multa. O inquérito, com dois volumes, que totalizou 211 páginas, foi remetido ao Poder Judiciário. Os nomes dos investigados foram mantidos em absoluto sigilo pelas autoridades policiais.
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