Quem olha o objeto em cima da mesa do inspetor Jefferson Woyciekoski pode não acreditar que era um capacete de ciclista. O que sobrou do equipamento de segurança utilizado por César Augusto Swarowsky, de 29 anos, na tarde de 27 de outubro, em Vera Cruz, é uma das provas juntadas no inquérito assinado pela delegada Lisandra de Castro de Carvalho que indiciou um homem por tentativa de homicídio.
A Gazeta do Sul teve acesso com exclusividade a detalhes da investigação que apurou evidências sobre a conduta do acusado, que tem 55 anos e trabalha como motorista concursado na Prefeitura de Vera Cruz. Naquele domingo, pelas 15 horas, César seguia de bicicleta rumo à casa da avó, em Vale do Sol, onde estavam seus pais.
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Passando por uma estrada de Linha Andréas, na divisa com Linha Dona Josefa, interior de Vera Cruz, o condutor de um Honda Civic cinza o atropelou e fugiu. O jovem de 29 anos teve que lutar pela vida. Internado no Hospital Santa Cruz com múltiplas fraturas, acompanhou da janela um ato realizado em 7 de novembro por outros ciclistas, que pediam mais segurança no trânsito.
Desde o fato, a Polícia Civil trabalhou para identificar o responsável. “Na comunidade, circulava a informação de que o autor era um motorista da Prefeitura. Decidimos ir até um local de estacionamento de veículos e encontramos o carro dele lá. Observamos uma marca de pneu de bicicleta bastante evidente no para-choque. Apreendemos o Civic e foi realizada uma perícia, que atestou ser marca do pneu da bicicleta do César”, contou o inspetor Jefferson, que conduziu apurações no inquérito.
Foram tomados depoimentos de testemunhas. Uma delas mora perto de onde o fato aconteceu e contou o que viu. “Essa pessoa disse que a via é larga, que tranquilamente passam dois caminhões simultâneos, e a vítima seguia ao lado da estrada quando foi atingida. Ela viu que tinha marcas como se o carro tivesse desviado do trajeto para atingir o rapaz na margem”, disse o policial.
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A testemunha disse que tinha a impressão de ouvir os ossos do jovem quebrando ao ser atropelado. Quando chegou para socorrer, achou que ele estava morto. “Estava agonizando e ela ficou do lado, segurando para não deixar ele dormir até chegar a ambulância. Ajudou a salvar a vida dele.”
Linha de comportamento social mostra conduta violenta
Com a convicção de que o autor do atropelamento consumiu bebida alcoólica no dia do acidente e relatos de que ele vivia embriagado nos fins de semana, os investigadores traçaram uma linha de comportamento social sobre a vida do acusado. Descobriram que desde 1995 ele tem ocorrências nas quais figura como suspeito ou acusado de delitos de violência doméstica.
“Em certa oportunidade, ele agrediu o ex-sogro com um soco que o fez desmaiar. Agrediu também ex-companheiras, sendo que em uma ele desferiu um soco nas costas e na boca, ameaçando-a de que mataria seus pais, e outra precisou fugir da cidade com medo”, detalhou o inspetor Jefferson. Em um dos depoimentos, uma testemunha que conhecia o investigado revelou que uma das ex-companheiras chegava a dormir no porão de um vizinho, com medo de apanhar.
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“Ela contou que ele sempre foi agressivo, e se essa companheira dele chegasse em casa do trabalho e visse bebendo, com um facão cravado na mesa, sabia que ia apanhar. Teve uma vez que apanhou tanto que ele chegou a cortar os cabelos dela com um facão”, revelou o policial civil sobre a conduta do acusado com uma ex-companheira, que seguidamente era vista com olhos roxos, nariz e dedos quebrados.
DEPOIMENTOS
Intimado a prestar depoimento, o autor do atropelamento compareceu na delegacia com advogado. Afirmou que aquela data era próximo do Dia de Finados, que mexe muito com ele, e vinha fazendo uso de remédios controlados para depressão, mas normalmente toma à noite. Contudo, no dia 27 de outubro, por volta do meio-dia, ficou em dúvida se havia tomado na noite anterior e decidiu ingerir um comprimido de antidepressivo.
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Após tomar o remédio, foi tratar seu gato, mas tropeçou e caiu, o que gerou lesões no rosto, braço e perna, além de sangramento no nariz e muita dor de cabeça. Com isso, teria consumido mais um remédio. Disse que, posteriormente, saiu de carro e lembra de permanecer com muita dor de cabeça. Quando se deu por conta, já havia retornado para casa, sem recordar de ter se envolvido em um acidente.
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Depois de ter leve recuperação, a vítima também prestou depoimento, César Augusto Swarowsky disse que o condutor do Civic passava por ele, fazia sinais e gestos e seguia até certo ponto, onde parava e deixava a bicicleta passar. Depois passava novamente. Chegou a fazer três vezes esse “para e segue”. Na quarta, ele foi cruzar e passou por cima do ciclista. César contou aos policiais que não conhecia o acusado.
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“Com base nessas informações, fizemos uma análise com medição na área onde houve o acompanhamento do carro e atropelamento. Conseguimos localizar uma câmera que mostra uma primeira passagem do carro. Visualizando onde ocorreu a colisão, que é cerca de 300 metros depois, fica claro que houve essa manobra de passar e voltar até ocorrer o atropelamento”, salientou o inspetor Jefferson.
“Era só ele ter passado, como vimos pela câmera, e ir embora. Olha a diferença de velocidade de um carro para uma bicicleta. Só por conseguirmos identificar esses pontos, já mostra que não foi só um acidente normal”, disse o policial civil. Ainda buscando evidências do que aconteceu naquela tarde, a polícia identificou três bares em que o homem de 55 anos passou naquele dia, no interior de Vera Cruz. Os proprietários dos estabelecimentos confirmaram que em cada um dos locais ele bebeu um copo de cachaça com refrigerante, o popular samba, um antes do acidente e dois depois do fato.
“Ele bebeu num bar, atropelou a vítima e foi imediatamente depois para outro e mais tarde mais um”, salientou o inspetor. Em depoimento, uma pessoa disse aos agentes que conhece o acusado há anos, e que ele tem histórico de estar sempre embriagado nos fins de semana e ser inconveniente com as pessoas. “Conseguimos informações importantes. Ainda tentamos obter mais depoimentos, mas muitas pessoas não queriam falar porque têm medo dele”, complementou o inspetor.
“Ação cruel”
A delegada Lisandra confirmou o indiciamento final como tentativa de homicídio, um crime que é julgado em júri popular. “Nós podemos, a partir da conduta dele, verificar algumas questões, a começar pela ingestão de bebida alcoólica em expressiva quantidade, tanto que as testemunhas disseram que ele estava com sinais de embriaguez”, comentou.
“Ele entra no carro, conduz o veículo embriagado, passa pelo ciclista, volta e intencionalmente direciona a fim de atropelá-lo, algo indiscutível, percebido pela análise de câmeras e do ponto de impacto. Por isso, é muito claro poder afirmar que pelo menos ele agiu com dolo eventual, de forma inconsequente, indiferente ao resultado”, salientou a chefe da delegacia de Vera Cruz.
Para a delegada ficou evidente, a partir das provas angariadas no inquérito, de que não houve apenas um acidente. Mesmo com a opção da passagem na estrada, o motorista decidiu colidir e atropelar César Augusto Swarowsky. “É óbvio que se alguém joga um carro em uma bicicleta é possível prever que pode matar essa pessoa, e mesmo assim ele fez, podendo ter outra saída, indo e voltando de propósito”, observou.
“A gente tem esse coquetel de desequilíbrio nessa ação cruel. Também é importante ressaltar o que pesquisamos em relação à personalidade dele. É um indivíduo que já tem outros registros de ocorrência desse comportamento explosivo, doentio. Nas ocorrências anteriores, todas as vítimas dizem que ele ingere bebida alcoólica e é agressivo”, finalizou Lisandra. O inquérito de 148 páginas foi remetido ao Poder Judiciário e será apreciado pelo juiz Guilherme Roberto Jasper.
Ainda na fase de investigação, a Polícia Civil solicitou a prisão preventiva do motorista. O magistrado negou e indicou medidas cautelares a serem obedecidas por esse homem, como comparecer a todos os atos processuais, não sair da comarca, não ir aos bares indicados no procedimento, não manter contato com a vítima ou seus familiares e não sair à noite, fins de semana ou feriados. O nome do acusado está sendo mantido em sigilo pelas autoridades policiais.
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