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JOSÉ ALBERTO WENZEL

Pobres ossos nobres

A noroeste da praça do Giraldo, em Évora, Portugal, desponta majestosa a Igreja de São Francisco de Assis. Difícil dizer o que mais desperta curiosidade; se o altar-mor, as capelas e salas laterais, as imagens e seus nichos ricamente decorados, ou a abóboda nervurada. Granito e mármore compõem o cenário sacro.

Da concepção original do século XIII pouco resta. Com a instalação da realeza em Évora, o prédio foi transformado para se tornar “digno” da magnificência palaciana. Realeza que sepultou seus nobres sob as lápides do corredor central. Corredor que permite o acesso à Capela dos Ossos, junto ao braço leste da Igreja.

Ao chegar à capela, ao invés de identificar as lápides que encobrem as ossadas reais e do alto clero, os olhos percorrem as paredes e seis colunas completamente incrustadas por crânios e ossos humanos propositalmente expostos. Indescritível a sensação que nos arremessa para junto das tíbias, fêmures e caveiras. Pertencem aos monges e ao povo, uma vez que, para completar o cenário, foram buscados restos humanos em cemitérios da região.

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Quem foram essas pessoas? O que nós sabemos de fato de suas existências, de sua qualidade de vida, de seus afetos e relações? Quantas daquelas ossadas não testemunharam ou atuaram na edificação de mausoléus, só que não dos seus, mas dos poderosos? Como seria entendido o dia do trabalho para aquelas pessoas? Quanto sangue, lesões, recursos, decisões e empenho para construir palácios e templos? O legado que nos chega contempla o que foi a vida daquelas pessoas restadas na Igreja e na Capela?

Aparentemente é a Igreja de São Francisco que abriga a Capela dos Ossos, contudo, rapidamente se percebe que a Igreja não apenas contrasta com a capela, mas desta se faz ilusória imagem. Pequena em tamanho, se comparada à Igreja, a Capela expande-se para além de si mesma, para muito adiante dos limites de qualquer templo ou cemitério. Capela de ossos que doem; sem corpos doem mais.

Estabelece-se flagrante paradoxo entre a fugaz exuberância da Igreja e a permanência da Capela do século XVI. Como não refletir sobre a finitude? Ossos resguardados sob lápides de mármore diferem dos recolhidos em cemitérios populares frontalmente amostrados?

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Ainda, dentro da capela, uma constatação. Ali não estão disponíveis bancos, estes comuns dos templos, onde as pessoas tomam acento. O que isso sugere? Que estamos a caminho da morte e a jornada não permite titubeios, ou que a vida urge ser intensamente experienciada a cada instante? E nem a morte é o que costumamos perceber, e sequer a vida o que cotidianamente nos atarefa?

Quem sabe alguém que entendeu a morte no contexto da imanência intrínseca entre Deus e Natureza, como Baruch de Espinosa (1632-1677), um livre pensador holandês excomungado, e cujos familiares, judeus sefarditas portugueses, foram perseguidos pela Inquisição, pudesse nos auxiliar na resposta. O mesmo Espinosa que posteriormente seria compreendido pelo intuitivo físico Einstein (1879-1955) e pelo místico geólogo Chardin (1881-1955).

Todavia, perguntas, devaneios e possíveis respostas desmoronam perante a inscrição, marmorizada, no pórtico de entrada da capela: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos.”

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