Hoje, quem tem por volta de 35 ou até 40 anos de idade provavelmente não tem noção de como era viver num país com inflação de 1.000% ou 2.400% ao ano; num mês, chegou a 82,39%, o que significa que os preços quase dobraram de valor em apenas 30 dias. Era comum ver-se funcionários de estabelecimentos comerciais, principalmente nos supermercados, acionando freneticamente as maquinhinhas de remarcação de preços; os financiamentos eram escassos e muito seletivos; as pessoas e empresas tinham dificuldades em planejar o presente, quem dirá o futuro. Vivia-se de acordo com a filosofia dos AA: um dia de cada vez.
Vários governos tentaram derrubar a inflação, através de planos e pacotes, geralmente impostos de forma autoritária, estabelecendo congelamentos de salários e preços, além de mudarem a moeda. Em 1986, o governo Sarney iniciou a série , decretando o Plano Cruzado I, cuja principal marca foi o congelamentos de preços; o governo até incentivou a ação de “fiscais do Sarney”, clientes que, “em nome do presidente Sarney”, mandavam fechar as portas de mercados que tivessem reajustado algum preço. Como costuma acontecer nos congelamentos, desde a antiga Babilônia, começou a escassez de produtos e, em consequência, a cobrança de ágio para quem não quisesse esperar para conseguir atender a sua necessidade ou simples desejo.
Outros planos econômicos, com mudanças de moeda e medidas anti-inflacionárias, sucederam o Cruzado I, como o Cruzado II, o Bresser, o Plano Verão e o mais traumático – o Plano Collor I -, lançado em 16 de março de 1990, logo após a posse do novo presidente Fernando Collor. A marca principal do Plano Collor I foi o “confisco” das contas correntes, poupanças e outros ativos, além de, mais uma vez, o congelar preços e salários. Pessoas que estavam com dinheiro na conta corrente ou aplicado em investimentos no banco, com algum negócio ou compra de algum bem já encaminhados, simplesmente tiveram que abortar seus planos. Há registros de pessoas que entraram em desespero e se suicidaram. O único fato do governo Collor que realmente promoveu uma mudança na economia do Brasil foi ter facilitado a entrada de importados, com reflexo positivo em vários segmentos, como nos eletrônicos e veículos.
Publicidade
No fim de 1991, com a inflação acumulada de 472%, os empresários e trabalhadores já demonstrando insatisfação e sem apoio político, falava-se no impeachment de Fernando Collor, que foi aprovado pela Câmara de Deputados em 29/09/1992, tendo assumido o governo o seu vice, Itamar Franco. Liderado pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o novo governo lançou, em dezembro de 1992, o Plano de Estabilização Econômica, com o objetivo de preparar a economia para uma nova moeda – o real. O programa foi desenvolvido ao longo de um ano por um grupo de economistas – André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan, Pérsio Arida e outros, chamados de “pais do Plano Real” -, com características diferentes dos planos anteriores: foi anunciado com antecedência; não houve retenções de dinheiro nem congelamentos; sem conversões e, acima de tudo, sem dramas. Todos os contratos, salários e preços foram indexados em URV (Unidade Real de Valor), uma espécie de “moeda de transição”, corrigida diariamente, e que fazia parte do Plano Real, até migrar para o real. O alinhamento dos preços, através da URV, evitou o movimento de recomposição de perdas.
Finalmente, em 1º de julho de 1994, foi lançado o Plano Real, tão eficaz que, com a inflação acumulada de 916,5% naquele ano, no ano seguinte, em 1995, caiu para 22,40% ao ano. Vários aspectos da vida dos brasileiros mudaram com o real e a estabilização da economia. A lista inclui desde mudanças no dia a dia das famílias até aquelas que contribuíram para transformar o quadro econômico e social do Brasil: 1) fim das compras para manter estoques em casa: com frequente aumento de preço e receio de faltar algum item, as pessoas estocavam mercadorias em casa; 2) possibilidade de planejar o futuro; 3) não precisar gastar muito tempo pensando em como proteger seu dinheiro em investimentos nos bancos; 4) redução da pobreza: a inflação alta castiga mais aos pobres: 5) intolerância a “pacotes-surpresa”: as medidas do Plano Real foram anunciadas com bastante antecedência, evitando choques e distorções; 6) crescimento do crédito: a estabilidade e o controle da inflação permitiu a milhares de brasileiros comprar pela primeira vez uma TV, geladeira, carro ou casa; 7) facilitação dos investimentos.
Embora o Plano Real tenha tido sucesso, afastado de vez o risco de uma hiperinflação – descontrole total de preços -, precisaria de alguns ajustes, que não foram realizados. Tanto assim que, em 2014, percebendo os estragos que, principalmente os governos Lula II e Dilma estavam promovendo, os “pais do Real” defendiam reformas urgentes para garantir seu legado, que só agora começam a ser discutidas, no Congresso Nacional. Ao longo das administrações petistas, os três pilares sobre os quais foi construído o Plano Real, começaram a sofrer as consequências de medidas de governantes populistas, preocupados apenas em garantir reeleições ou um projeto de poder, que poderiam enterrar de vez a conquista que o plano trouxe ao brasileiro, o que só não aconteceu por causa do impeachment da ex presidente Dilma: 1) a lei de Responsabilidade Fiscal foi flexibilizada, principalmente com obras e estádios para a Copa do Mundo de 2014, quando foram construídos alguns estádios que, hoje, são subutilizados, com um dinheiro que não existia, aumentando a dívida do governo; 2) câmbio flutuante: passou a ser “administrado”; e, 3) meta de inflação de 4,5%, com teto de 6,5%, corrompida por intervenções do governo Dilma , segurando de forma irresponsável, provavelmente para vencer a eleição para presidente de 2014, preços da energia e de combustíveis.
Publicidade
Talvez porque o Brasil tenha sido submetido a vários outros planos econômicos que fracassaram e pioraram o que já estava ruim, por ideologia ou, ainda, por simples oposição política, o fato é que, quando de sua implantação, muita gente foi contra o Plano Real: as esquerdas brasileiras no todo e o PT, em particular, além de outros deputados, como um certo Jair Bolsonaro. Os benefícios do Plano Real são praticamente uma unanimidade nacional, reconhecido como fundamental para o Brasil, mas apenas Fernando Henrique se elegeu presidente a bordo desse plano; depois dele, só elegemos presidentes que foram contrários. Curiosamente, Michel Temer, vice presidente de Dilma e que completou o mandato dela, como deputado federal, em 1994, votou a favor do Plano Real. Possivelmente, o Brasil não seria, hoje, o que é sem o Plano Real. Assim, cada real não representa só nossa moeda oficial, mas um pouco de história do Brasil.
This website uses cookies.