Toda vez que ouço que alguém é pissicólogo ou pissiquiatra, lembro-me de peixe. A maior parte das palavras da língua portuguesa provém do latim. Pisces, em latim, significa peixe. A raiz permanece em piscicultura, piscina (reservatório usado para criar peixes), pisciano (quem é do signo de Peixes), piscívoro, entre outras mais. Poderíamos, quem sabe, criar piscicólogo, que seria o profissional dado a estudar os peixes e suas dúvidas existenciais.
A palavra psicólogo nada tem a ver com peixe. Sua raiz grega – psique – tem sentido original de alma, mente, espírito. A pronúncia correta é psicólogo, não pissicólogo. Esses atropelos fonéticos empobrecem a língua. Absoluto não é abissoluto, substantivo não é subistantivo. Advogado não é adevogado. Deixa esse adevogado para profissionais que humilham as pessoas até reduzi-las a pó.
A fonética é a parte da gramática que, em regra, estuda os sons da língua. Se eu desejo aprender uma língua estrangeira, obrigatoriamente preciso aprender seus sons, a pronúncia de suas palavras. Isso, muitas vezes, é difícil e até há quem o considere ridículo. Quem nunca estudou alemão vai ter dificuldade inicial de pronunciar ich (eu), esse som aspirado. Quem estuda francês sabe que precisa aprender a “fazer biquinho” para pronunciar algumas palavras, biquinho que não se exige na língua portuguesa.
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Se aprender uma língua estrangeira demanda conhecer sua fonética, por que não a aprendemos (e ensinamos) também na língua portuguesa? Trabalhei numa escola onde encontrei vários alunos que não duplicavam o erre (r). Em vez de carroça, por exemplo, diziam caroça. Deixei claro para eles que ali, na sua comunidade, isso não constituía problema. Mas alertava que em outros espaços poderiam passar por situações constrangedoras, daí a importância de pronunciar corretamente as palavras. E procurei ensinar.
Alcy Cheuiche escreveu O mestiço de São Borja, romance que vale a pena conhecer. Uma aluna minha apresentou a obra numa aula de literatura e falava de uma personagem importante, francesa, de nome Françoise. E pronunciava assim como está escrito. Esclareci que em francês, esse oi se pronunciava oa, daí Françoase. Ela se prometeu que iria estudar francês e cumpriu sua promessa. Aquela fagulha fonética incendiou um desejo de valioso investimento cultural.
Na língua, há uma tendência de buscar a saída mais confortável, o que se dá predominantemente na oralidade. Várias palavras proparoxítonas (com acento tônico na antepenúltima sílaba) tendem a paroxítonas (acento na penúltima sílaba). Em Florianópolis, há uma praia denominada Pântano do Sul. Aqui ao lado temos Pantano Grande, mas todas as terras baixas alagadas continuam sendo pântanos.
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A língua é uma entidade viva, evolui, perde elementos, agrega outros, no entanto não pode cada um criar a sua forma pessoal de comunicação, a ponto de cairmos numa babel incomensurável. A língua é um dos elementos da unidade nacional. O ensino e a aprendizagem dela devem estar entre as altas prioridades de qualquer projeto pedagógico de uma escola. Devem ser compromisso de todos os professores, não apenas dos de Português. Ensinar e corrigir com amor, com respeito, sempre mostrando a relevância do seu bom uso em tantas situações que a vida exige ou oferece.
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