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História

Pesquisadores resgatam legado dos antepassados imigrantes em Santa Cruz

Foto: Alencar da Rosa

Nelson Jandrey mostra a mensagem em alemão e letra gótica esculpida na lápide da sua tataravó, Charlotte Sophie Jandrey, que veio ao Brasil em 1853

Esculpidas à mão, três lápides localizadas em um cemitério abandonado, acima de uma curva da estrada de Linha Sete de Setembro, interior de Santa Cruz do Sul, preservam mais do que símbolos e mensagens em língua alemã sobre os falecidos ali sepultados. As escritas góticas nas lápides, com mais de 140 anos, revelaram-se verdadeiros documentos históricos que ajudam a decifrar parte da história da colonização do município.

Em uma área de 900 metros quadrados, que mal pode ser vista por quem trafega pela estrada de chão, jazem os restos mortais dos primeiros imigrantes da família Jandrey, que no século 19 desembarcaram em Rio Pardo e foram se instalar no local, então batizado de Fingerhut (dedal, na tradução para o português).

O cemitério, escondido em meio ao capão, foi descoberto ao acaso por familiares do santa-cruzense Nelson Jandrey que passeavam no local. O feito tornou-se a “cereja do bolo” – como o próprio Nelson define – da pesquisa que ele iniciou em 1998 sobre a origem de seus antepassados. Visitando cemitérios da região, encontrou e mapeou os locais das sepulturas de alguns de seus parentes falecidos de diferentes gerações.

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Mal sabia ele que ali, em meio à mata espessa e terreno acidentado, estariam enterrados Johann Gottlieb Jandrey (1803 – 1882) e sua esposa Charlotte Sophie Jandrey (1806 – 1878) –. seus tataravós e integrantes da primeira geração de imigrantes da família que veio da Alemanha ao Brasil –, além da neta do casal, Bertha Jandrey, já nascida no País e falecida aos 8 anos. Junto com Johann e Charlotte, naturais da cidade de Klein Raddow, região da Pomerânia, então norte da Alemanha (hoje, Polônia), ainda vieram para o Brasil seis filhos deles, quatro homens e duas mulheres, todos casados.

Descendentes de imigrantes que chegaram à região, Ernesto e Nelson produziram pesquisa sobre as gerações familiares dos Jandrey

O encontro dos terceiros primos
Segundo consta no livro Santa Cruz do Sul de Colônia a Freguesia (1849-1859), escrito por Hardy Almiro Martin, o grupo familiar dos Jandrey, composto por 14 pessoas, zarpou em 15 de julho de 1853 de Hamburgo a bordo do navio Marianne, para atracar no Rio Grande do Sul cerca de três meses depois. Ao todo, 54 alemães vieram no veleiro.

O interesse em comum por essa história familiar uniu Nelson Jandrey, de 63 anos, e Ernesto Eduardo Frederichs, de 64. Ambos são terceiros primos e integrantes da sexta geração da família, tataranetos de Johann e Charlotte Jandrey. “Morei na Alemanha em 1990. Na volta para Santa Cruz, eu me senti impulsionado a descobrir informações sobre a minha família, por isso iniciei a minha pesquisa”, diz Jandrey, morador do Bairro Santo Inácio e diretor do Colégio Monte Alverne.

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Há cerca de cinco anos, Ernesto ligou para Nelson após ter relacionado o nome do diretor do Colégio Monte Alverne com uma pesquisa sobre a família Jandrey, encontrada na internet. “Possuo cerca de 1,4 mil nomes de Jandrey registrados e onde estão sepultados os antepassados. A maioria fica na região de Rio Pardinho e Linha Sete de Setembro, local onde criaram a base familiar”, ressalta Ernesto, que é aposentado, voluntário na Igreja Evangélica do Bom Pastor, no Bairro Universitário, e filho de Erna Jandrey e Walter Frederichs.

O coração de Bertha
Aninhada entre os túmulos de Johann e Charlotte, como se estivesse sendo protegida pelos avós alemães, está sepultada a menina brasileira Bertha Jandrey, nascida em 27 de abril de 1868 e falecida em 13 de dezembro de 1876. Porém, como as palavras escritas em língua alemã na lápide estão apagadas, não é possível afirmar com certeza se é a menina que está enterrada – embora os indícios sejam evidentes para os pesquisadores.

O desenho de um coração ao pé da lápide, que parece desafiar o tempo e o clima, é o único símbolo ainda intacto na pedra. Além de a figura ser relacionada a túmulos de crianças e não existir outro no local com um desenho do tipo, outros fatores reforçam a tese de que se trata da lápide de Bertha. Primeiro, porque o túmulo é consideravelmente menor do que os demais no cemitério. E a proximidade das sepulturas dos avós se mostra reveladora.

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Além disso, o fato de não haver registros de Bertha em outros cemitérios da região, diferente do que ocorre com a maioria dos parentes, indicam que aquele é o seu sepulcro. “Foi a primeira que faleceu, dos três enterrados ali.

A avó morreu em 1878 e o avô em 1882. Parece que colocaram um de cada lado para guardar a menininha”, comenta Nelson Jandrey. A morte da criança de 8 anos teria acontecido de forma trágica, conforme uma história que percorreu gerações. “Segundo contava minha mãe, em uma tarde de verão, próximo do Natal, Bertha resolveu nadar e teria se afogado nas águas do Rio Pardinho. Os antigos contavam que, antes de localizarem o corpo, avistaram o chinelinho dela na barranca do rio”, relata Ernesto.

Os pais de Bertha estão sepultados em dois locais: a mãe, Carolina Cristina Auguste Jandrey (1825-1905), está no Cemitério Evangélico Rieck, também em Linha Sete; e o pai, Johann Gottlieb Jandrey (filho do imigrante de mesmo nome), no Cemitério Evangélico de Ponte Rio Pardinho. Como a lápide dele foi perdida, não é possível identificar qual a data do falecimento. Sabe-se que nasceu em 1833. Nos dois cemitérios, há também outros descendentes da segunda e terceira geração dos Jandrey.

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Das inscrições da lápide, sobrou aprenas o desenho

A primeira foto
Primo de Bertha, Johann Hermann August Jandrey (1857-1944) também era neto do casal Johann e Charlotte. A família dele foi a primeira dos Jandrey a ser registrada em fotografia, por volta de 1915. O túmulo de Johann está em Linha Saraiva e o da esposa, Milde Wilhelmine Amanda Jandrey (1860-1920), em Linha Vitorino Monteiro, também em Monte Alverne.

Segundo a pesquisa de Nelson Jandrey, Hermann nasceu em Rio Pardinho, mas mudou-se para Linha Saraiva devido aos altos preços dos terrenos e às enchentes. Desiludido após ser enganado em uma compra de terra – foi levado a crer que a propriedade adquirida seria maior do que era na realidade –, resolveu se mudar para Linha Justo Rangel.

Passou os últimos anos de sua vida na casa da filha Amanda, casada com Alberto Selzler. Segundo o neto Alcido, era uma pessoa quieta, reservada e que sentiu muita frustração por ter sido passado para trás na compra de terras. O registro histórico que retrata Johann junto a oito dos nove filhos está publicado na pesquisa familiar escrita por Nelson.

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Da esquerda para a direita: Ida, Alvina, Ana, Helmuth, Milde, Emílio, Johann Hermann (de barba), Richard, Hermann Sohn e Amanda. Falta Helma, a filha mais velha

A lápide desaparecida
Segundo contam os pesquisadores Nelson e Ernesto, o terreno onde está localizado o cemitério abandonado, em Linha Sete de Setembro, pertencia aos Kannenberg. Em virtude disso, a maioria das sepulturas é de integrantes dessa família. Mesmo assim, além dos Jandrey, também podem ser encontrados túmulos pertencentes às famílias Kohl, Neumann e Petry. A teoria de Nelson Jandrey é de que o cemitério foi instalado em uma região alta de Linha Sete de Setembro para escapar às enchentes do Pardinho.

Em uma das visitas que a Gazeta do Sul fez ao local junto com os pesquisadores, os herdeiros da família Jandrey deram pela falta de uma das três lápides dos seus antepassados – a do patriarca Johann, sepultado ao lado do suposto túmulo da neta, Bertha. Intrigados, Nelson e Ernesto percorreram o perímetro na esperança de encontrá-la jogada em um canto, ou mesmo quebrada.

A terra úmida no ponto onde a lápide estava assentada indicava que o possível furto teria ocorrido no dia anterior, quem sabe até horas antes. Uma teoria levantada pela dupla dava conta de que a pedra poderia ter sido furtada para ser utilizada como mesa por alguém das redondezas, em virtude do seu tamanho. Ou mesmo como um adorno de jardim. Uma edificação nas proximidades do cemitério também foi considerada como suspeita. “Daqui a pouco, podem ter utilizado a lápide como base para a construção”, considerou Nelson.

O mistério, por fim, foi solucionado após Ernesto perguntar sobre a lápide aos integrantes da comunidade responsável por cuidar do Cemitério Evangélico de Ponte Rio Pardinho. Eles revelaram tê-la pego para mantê-la junto aos outros descendentes dos Jandrey enterrados nesse local. Tem sido uma tendência, segundo Nelson e Ernesto, que se busque agrupar as lápides em um mesmo cemitério, a fim de dar destaque a artefatos que remetem aos imigrantes que ajudaram a colonizar Santa Cruz do Sul, sobretudo a região de Rio Pardinho e Linha Sete de Setembro. “Felizmente não houve perda. Precisamos valorizar o nosso legado, e essas lápides são verdadeiros documentos da nossa história”, comentou Ernesto Frederichs.

“Esses imigrantes foram pioneiros que, com uma serra, machado, enxada e algumas sementes, abriram o mato para começar uma vida. Eles não só sobreviveram, como ajudaram a construir nossa cidade e constituíram famílias que perduram até hoje”, ressaltou Nelson Jandrey.

Acima, a lápide de Johann Gottlieb Jandrey, que estava no cemitério abandonado de Linha Sete de Setembro (ao lado) e reapareceu no Cemitério Evangélico de Ponte Rio Pardinho

Despertar
Presente nas incursões ao cemitério abandonado dos Kannenberg, em Linha Sete de Setembro, e aficionado pela história da imigração em Santa Cruz, o secretário municipal da Fazenda, Nasário Bohnen, ressaltou a importância de manter vivo o legado da história local. “A nova geração não conhece a nossa própria história e quem ajudou a construir a nossa cidade. Temos o dever de fazer com que se desperte de novo nos jovens o interesse pela família e pelo nosso legado. Cabe à educação e à cultura fazer com que isso seja possível, pois é um dever saber quem somos, da onde viemos e para onde vamos.”

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