Pesquisadores de três países – Israel, Reino Unido e Brasil – estão arrecadando dinheiro pela internet para o trabalho que pretende desenvolver um teste rápido e barato a fim de detectar com precisão a presença do vírus Zika na saliva. Caso o estudo dê frutos, a promessa da equipe é tornar públicos, na internet e de forma gratuita, todos os resultados e métodos obtidos, para serem reproduzidos em qualquer parte do mundo.
O teste deve detectar o RNA (sigla em inglês para ácido ribonucleico) do vírus na saliva, caso a pessoa tenha sido infectada. Esse código molecular é uma espécie de identidade do Zika, semelhante ao DNA (ácido desoxirribonucleico, em português), que é único para todos os organismos vivos. Essas sequências de genes, no entanto, têm partes semelhantes e podem confundir métodos de testagem.
Para isso, a primeira fase da pesquisa se dedicou a reunir todos os 40 mapeamentos de variedades do zika feitos no mundo até agora e a cruzar informações para saber que parte do RNA é inconfundível – ou seja, só tem nesse vírus específico, inclusive em comparação com humanos e o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. “Fazendo diagnósticos para identificar esse RNA você pode ter um resultado muito preciso, porque trabalha com o RNA do vírus e não com a proteína que ele produz ou que o seu corpo produz quando tem o vírus”, diz o pesquisador-chefe do projeto, Gilas Gomé, da Universidade de Tel Aviv, em Israel.
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Depois de conseguir isolar essa sequência genética, a ideia dos cientistas é usar uma tecnologia simples e barata para identificar a presença do Zika na saliva. De acordo com eles, não é preciso usar qualquer equipamento, laboratório ou profissional altamente treinado. Basta que se colha uma amostra da saliva ou da excreção do nariz, se coloque em um pequeno tubo de plástico com um reagente químico e pronto: se ele mudar para a cor indicada, a pessoa tem o vírus. “Você pode usar isso no meio da selva, em lugares inacessíveis”, afirma o pesquisador.
A precisão e o custo baixo estão entre os principais fatores buscados no projeto, que são também os dois maiores defeitos dos testes usados atualmente para a detecção do zika e das outras arboviroses, dengue e chikungunya, de acordo com os estudiosos. “O método que os laboratórios comuns de análise usam é o PCR, que é Reação em Cadeia de Polimerase. É bem clássico dentro da biologia molecular, mas é caro, de alto custo. Isso é um fator limitante porque, por exemplo, o SUS [Sistema Único de Saúde] não tem como arcar com a demanda de todo mundo que está infectado para fazer os testes”, diz Maria Amélia Borba, biomédica e estudante de doutorado do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “O que a gente está fazendo também é uma PCR, mas ela é isotermal. Não precisamos de equipamento, só de água quente”.
Os resultados dos testes que já estão no mercado, segundo a equipe, também apresentam erros no diagnóstico. “A gente tem reação cruzada. Isso significa que a pessoa tem dengue e o diagnóstico mostra que ela tem Zika ou vice-versa. Esses testes não são precisos. Isso acarreta um manejo clínico alterado. O tratamento é diferente”, analisa Maria Amélia Borba, que também argumenta que o novo teste pode ajudar pesquisas sobre problemas neurológicos e sua relação com o vírus. “Pra gente saber se o Zika realmente está ligado à microceflia e malformação fetal temos que ter certeza absoluta que é Zika, então a precisão é muito importante”.
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O projeto começou em março e na próxima semana já entra na segunda fase, que é a testagem do método em amostras de sangue, urina e saliva contaminadas e armazenadas no laboratório Lika, da UFPE. É quando eles esperam otimizar os testes, estabelecendo as condições e os materiais ideais para a detecção, e criar resultados para comparar com os métodos usados pelo mercado. Em experiências-piloto já feitas, o resultado saiu em até uma hora.
A última fase é levar o kit de testagem a campo para usar em humanos e mosquitos, o que, dependendo do valor arrecadado, pode ocorrer em dois meses, segundo Borba. No futuro, a intenção dos pesquisadores é ampliar o teste para identificar também sinais de dengue ou chikungunya mas, para isso, segundo a biomédica, é preciso seguir os mesmos passos usados com o Zika: reunir os genomas, comparar e achar uma peça-chave única para cada vírus, trabalho realizado por pesquisadores da área de computação ligada à ciência de duas entidades brasileiras, o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e a Universidade Federal Rural do estado (UFRPE).
Outro integrante da equipe, Alexander Kumar, médico britânico especialista em doenças infecciosas com base na Universidade de Leicester, no Reino Unido, afirma que os princípios do projeto o atraíram diante de experiências anteriores. “Quando eu estava trabalhando no tratamento de ebola, era muito frustrante como a pesquisa se movia tão lentamente. Ver as pessoas morrendo sem oportunidade para tratamento, porque como o Zika, não há cura ou vacina, e confiar em um teste que não funciona bem, e só em uma curta janela de tempo. Quando eles me abordaram, foi uma coisa rápida: eu queria justamente estar aqui em campo, inovando, colaborando, contribuindo. Produzir algo barato e confiável”. De acordo com Kumar, o teste que está em desenvolvimento pode ter de 96% a 100% de precisão.
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Por isso, o britânico acha que o projeto pode não só contribuir para o combate ao vírus Zika, mas “revolucionar” o diagnóstico de doenças infectocontagiosas em países pobres. “Um dos problemas é que todas as bases de teste são o PCR e são caras. Isso não pode ser pago em El Salvador, Gana, no Vietnam. Esse teste pode ser acessível, efetivo e confiável”. E completa: se eu, como clínico, posso me sentar na frente de alguém que talvez tenha Zika, essa pessoa pergunta se tem, e eu tenho uma ferramenta que pode dizer isso, sim ou não, e se pode ter algum problema para o bebê – ainda não foi provado, mas há muita evidência da ligação do vírus com a microcefalia – se posso trazer isso para o cenário atual, isso muda vidas”, comenta.
Gilad Gomé destaca que, posteriormente, o método pode ser usado para outras doenças. “Potencialmente, podemos fazer isso para outros vírus no futuro, porque estamos trabalhando no nível de RNA. Só é preciso mudar a sequência para combinar com o que você está procurando”, avalia.
Rapidez e engajamento social
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Mesmo com a disponibilização de milhões de reais pelo governo federal e outras organizações internacionais para financiar pesquisas relacionadas ao vírus Zika e ao mosquito Aedes aegypti, a equipe responsável pelo projeto escolheu o crowdfunding, uma forma de arrecadação online, para conseguir recursos destinados à segunda fase da pesquisa.
Esse método é popular para que músicos criem novos discos ou cineastas obtenham dinheiro para um documentário, por exemplo, mas também encontra espaço na comunidade científica. Ele é feito pela internet, onde é publicada uma proposta resumida com os objetivos e o orçamento do projeto.
A doutoranda Maria Amélia Borba explica a escolha pelo crowdfunding: “A gente também submeteu o projeto a todos os editais que estão sendo abertos de verbas públicas, tanto federais quanto estaduais, porque nossa ideia é conseguir o máximo possível. No entanto, demora um tempo para análise, aprovação e liberação do dinheiro. Como a situação que estamos vivendo hoje dessa tríplice epidemia [dengue, chikungunya e zika] é urgente, a gente entende que é uma boa opção recorrer à sociedade para que ela participe do processo, de modo que não fique caro para todo mundo; quando junta tudo, ajuda muito”.
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Na opinião do pesquisador Gilad Gomé, além de acelerar a pesquisa, para que os testesem laboratório já comecem a ser feitos, o mecanismo envolve a sociedade no combate à epidemia e educa as pessoas. “Queremos fazer algo agora e fazer as pessoas participarem. Com a campanha, estamos também educando as pessoas. Estamos postando lab notes [notas de laboratório, uma ferramenta disponível na página usada para arrecadar o dinheiro] sobre o trabalho desenvolvido, o que é o vírus, o mosquito”, informa.
Os interessados contribuem com qualquer valor, e, no caso da pesquisa para desenvolver o teste rápido, é possível acompanhar diariamente tudo o que está sendo feito. Os proponentes têm 30 dias para reunir o total do valor solicitado, que é baixo para o meio científico: US$ 6 mil, ou cerca de R$ 20 mil. Em 48 horas eles já conseguiram 70% do orçamento necessário, ou US$ 4,2 mil. Os profissionais explicam que o dinheiro será usado para adquirir o material básico para construir os kits de testagem.
“É também um experimento interessante de como inovar sem limitação de orçamento. Esse valor pode nos dar a primeira prova do experimento. Então, mesmo com um baixo orçamento, podemos caminhar uma grande distância”, defende Gilad.
O projeto traz outra inovação: no fim da pesquisa, uma vez que os kits sejam criados, todos os resultados vão ser disponibilizados na internet de forma aberta e gratuita. “Esse teste não foi feito para ganhar dinheiro. Uma vez que validemos tudo, vamos compartilhar toda a pesquisa com o mundo pela internet, para os outros países saberem o que fizemos, como fizemos, o que devem fazer. Esperamos que outros tomem isso como exemplo e abram a ciência para mais pessoas. Se tiver outro vírus em outra parte do mundo, eles podem se inspirar nesse caso e desenvolver uma tecnologia semelhante”, sugere o pesquisador-chefe do projeto.
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