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Peregrinação ao Botucaraí: origem da tradição está em monge italiano

Uma antiga tradição religiosa foi reeditada nessa sexta-feira, 15, em Candelária. A romaria ao Morro Botucaraí reuniu cerca de 2 mil pessoas no “pé do cerro”, onde foi realizada uma celebração e a benção dos chás. A cerimônia foi conduzida pelo padre José, da Paróquia Nossa Senhora da Candelária. No mesmo local, também houve a encenação da Paixão e Morte de Cristo, interpretada pelo Grupo de Teatro Cara&Cor’Agem, da Associação Cultural de Candelária Érico Veríssimo (Accev).

Os peregrinos foram até o Morro Botucaraí para pagar promessas, agradecer a graças alcançadas e também pedir bênçãos. Para tanto, alguns estavam de pés descalços. Outros carregavam vasilhames para pegar água da fonte, a qual possui propriedades curativas, segundo crenças locais. A peregrinação religiosa ao Morro Botucaraí tem origem centenária. O secretário Flávio Kochenborger conta que a romaria já vem acontecendo há muitos anos. “As pessoas recorrem ao Morro Botucaraí em virtude de ali ter morado por um tempo um monge, que transitava por todo o Sul do País. Existe uma crendice de que a água da fonte é milagrosa e tem propriedades curativas, porque no tempo em que o monge morou ali, fazia curas e bênçãos”, relata.

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O monge Giovanni Maria D’Agostini

O monge Giovanni Maria D’Agostini, também conhecido como João Maria de Agostini, era um italiano nascido em Sizzano, em julho de 1801. Após a morte da mãe, em 1819, decidiu seguir a vida religiosa, mas não teria se adaptado à reclusão dos mosteiros. Cruzou o oceano e, em 1838, desembarcou em Caracas, na Venezuela, onde iniciou a jornada de evangelização, que passou também pelo Equador, Colômbia e Peru, até chegar ao Brasil em 1844. No País, esteve em Belém do Pará, no Rio de Janeiro – então capital do Império Brasileiro –, em Sorocaba e no Rio Grande do Sul, onde viveu entre 1845 e 1848, em Candelária, no Morro Botucaraí, e em Santa Maria, no Campestre. Combinava ervas, raízes e folhas com a água da fonte do Botucaraí para uso medicinal, receitava chás e preparava unguentos para curar os doentes. Era considerado pelo povo um santo capaz de fazer milagres. A crença popular é de que o monge teria feito a fonte milagrosa surgir, o que explica a fama até hoje de que a água tem poderes de cura.

Em cada lugar onde esteve, o profeta andarilho iniciou uma tradição religiosa que perdura. No entanto, a influência e o grande número de seguidores levaram a perseguições e prisões, e o fizeram ser deportado mais de uma vez. Viajando de barco, a cavalo e a pé, e improvisando residência em grutas e cavernas, pregava o Evangelho. Em cada cidade, procurava bispos e presidentes de província pedindo autorização para fazer as pregações. Agostini vestia hábito religioso e calçava sandálias, carregava apenas uma bíblia, medalhas de Nossa Senhora e um cajado.

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O caminho do monge José Maria o levou ainda ao Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai, além da América Central e do Norte. Em Havana, Cuba, foi fotografado em 1861. No meio-oeste americano viveu na montanha Tecolote, que mais tarde ganhou o nome de Hermit’s Peak (Pico do Eremita) em homenagem a ele. No estado do Novo México viveu na montanha de 1863 a 1867, e se dirigiu ao sul em Mesilla, onde foi assassinado em 1869 por índios apaches que lutavam contra a ocupação branca do território. Os admiradores do eremita encontraram, entre as posses dele, passaportes, cartas e uma foto dele feita em Santa Fé. Ela registra uma característica particular da aparência física do monge, coincidente com o registro feito em Sorocaba no Livro de Registro de Estrangeiros: “aleijado de três dedos da mão esquerda” – o que comprova ser a mesma pessoa. O corpo do religioso está enterrado no cemitério católico de Mesilla.

A trajetória do religioso foi tema de estudo do historiador Alexandre de Oliveira Karsburg, autor da tese O Eremita do Novo Mundo: a trajetória de um peregrino italiano na América do século XIX (1838-1869) (UFRJ, 2012). Aparece ainda no documentário A Maravilha do Século, de Márcia Paraíso. O italiano também inspirou outros eremitas no Brasil, entre eles João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho.

O guardião do cajado

Presente nessa sexta-feira no Morro Botucaraí estava Leonel Santos Moraes, atual guardião da última relíquia da passagem do monge João Maria de Agostini pela região. O cajado foi dado de presente ao bisavô dele pelo religioso, que passou ao avô dele, depois ao pai. Agora, Leonel participa da celebração anualmente, para que a história do monge não seja esquecida por quem vai à romaria. “Ele e meu bisavô tinham uma relação de amizade, meus bisavós vinham de carreta ou carroça e almoçavam aqui com ele. Quando foi preso, o monge, passando pela fazenda do meu bisavô, pediu aos policiais para se despedir de um amigo, e avisou que havia deixado uma lembrança pendurada em uma árvore, porque sabia que não ia voltar e não iam mais se ver. Meu bisavô achou o cajado e guardou de relíquia. Vem passando de geração em geração”.

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Leonel Moraes e o cajado recebido pelo bisavô | Foto: Alencar da Rosa

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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