É hora de colher na região do Vale do Rio Pardo. A falta de chuva desde novembro no Rio Grande do Sul reflete na produtividade das lavouras de soja e arroz e tem efeito no preço dos grãos. A soja está valorizada em razão da cotação no mercado internacional (R$ 102,00 o saca), enquanto o arroz segue estabilizado (R$ 49,00 o saca).
Com a estiagem, as culturas sofreram alteração no plantio e na floração. Por consequência, para não perder toda a lavoura, alguns produtores estão antecipando a colheita. O engenheiro agrônomo e extensionista da Emater RS/Ascar em Santa Cruz do Sul, Marcelo Cassol, relatou que este cenário tem se repetido na região.
“As chuvas de outubro atrasaram e isto afetou o plantio. Quando plantadas, as culturas sofreram com excesso hídrico, pelas fortes precipitações. Com o replantio tudo atrasou”, explicou Cassol. “A estiagem está sendo determinante. No período de floração e enchimento dos grãos faltou água, muitas lavouras estão morrendo pela seca. Em outras, as plantas finalizaram seu processo antes do esperado por conta do excesso de calor.”
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Os grãos minguados pelo sol espelham a angústia de quem colhe a soja. “É uma safra de frustrações. Criou-se expectativas que não serão alcançadas. Os produtores que tiravam em média 60 sacas por hectare vão colher apenas 20”, comentou o extensionista. Ele detalhou que foram plantados cerca de 2 mil hectares de arroz e 3,3 mil hectares de soja em Santa Cruz do Sul.
“No arroz o agravante é ainda maior. Os dias foram quentes, o que poderia elevar a produtividade, contudo faltou água. Além disso, as noites foram mais frias. Esse impacto vai ser sentido na qualidade do grão. O preço não é tão atrativo aos produtores”, disse Marcelo Cassol. O extensionista ainda relatou que cerca de 50% das lavouras de Santa Cruz do Sul já iniciariam a colheita.
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Pouca produtividade e alto custo assusta
Nas margens da RS-409, em Vera Cruz, no Bairro Bom Jesus, a movimentação de tratores e colheitadeiras que abrem caminho em meio aos campos pode ser vista por quem passa pela rodovia. A colheita em muitas lavouras dali começou na manhã dessa quinta-feira, 19, e deve se estender por pelo menos duas semanas.
Guilherme Nelson Simon, 30 anos, planta arroz e soja em terras de várzea (terrenos cultiváveis junto aos rios e ribeirões). “Vamos ter uma média daqui alguns dias. Provavelmente a produção da lavoura foi menor. O que sobra da captação da água do Rio Pardinho, nós utilizamos para a irrigação do arroz. Nos dois últimos meses do ciclo do arroz, não pudemos usufruir deste recurso. Espero ter um boa média, para equilibrar as contas”.
Desde criança, Guilherme acompanha o pai, Nelson Simon, 60 anos, na rotina do campo. Ele relatou que a família já enfrentou outros períodos de seca, mas nada igual a este ano. “Na nossa área de soja eu tenho certeza que vamos colher no máximo 20 sacas por hectare, mais do que isso é impossível. Em anos anteriores foram mais de 60, em média. A soja está literalmente morrendo. Vou esperar secar bem para colher. Nunca tinha tido problema, este ano foi seco demais”, descreveu.
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A família não tem silos, mas utiliza depósitos para estocar a colheita. “Conforme o valor nós estudamos se é melhor vender ou não. Quem tem soja pode ter um fôlego financeiro, mas mesmo assim o valor poderia ser de R$ 200,00 a saca. Com a produtividade baixa e o custo de produção elevado, vão ficar só prejuízos ao produtor. Este ano não será fácil para ninguém”, desabafou.
Ao projetar a próxima safra, Guilherme Nelson Simon demonstrou preocupação. “Qual vai ser o custo dos insumos? Compra-se tudo em dólar. Se na próxima safra o valor do grão cair, os colonos, que já estão mal, vão enfrentar uma situação ainda pior, mesmo colhendo bem.” Para manter a propriedade, pai e filho buscam diversificar a renda, que vem das colheitas e também da criação de cabeças de gado.
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Movimento nas cooperativas
O gerente regional da Coagrisol, Vanderlei Guiel, relatou que as cooperativas estão atentas às dificuldades enfrentadas pelos agricultores. Ele detalhou que na região as propriedades são de pequeno, médio e grande porte, com algumas chegando a 8 mil hectares. “Em conversa com nossos associados encontramos diversas realidades. Há produtores que não vão colher. A estiagem não permitiu. Há outros que estão colhendo até dez sacas por hectare”, disse.
Com base nos produtores que já têm levado sua colheita à cooperativa, Guiel relatou que as perdas na soja projetadas no Vale do Rio Pardo chegam a 80%. “Estamos fazendo visitas aos produtores, temos que dar suporte e prestar assistência. Não podemos dizer que o mundo acabou, mas a situação é delicada. Nós (cooperativa) não queremos deixá-los mal, vamos ajudar.”
Guiel entende que o agronegócio é uma potência econômica e credita à inflação e ao coronavírus a quebra no setor neste ano. “O dólar elevou-se a outro patamar. A saca de soja está valorizada, quem dispõe de grão e não tem compromisso de vender agora, mesmo com a quebra, vai ter um ganho na saca. Mas a moeda norte-americana deve voltar para a casa dos R$ 4,00 em pouco tempo. O recomendado ao produtor que tem essa capacidade é colher e fazer a média, estocar e vender aos poucos, para poder negociar melhor”, ressaltou.
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