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Perdão

A doença de um familiar e a morte de um ente querido muito próximo – ambos os episódios ocorridos no período de duas semanas – me levaram a refletir sobre os sentimentos que permeiam o âmago de quem está chegando aos 60 anos, como eu. Nestes momentos, coisas que parecem fundamentais adquirem contorno de detalhes, pinceladas quase insignificantes no quadro da existência. Chega-se à conclusão de que há dispêndio excessivo de energia, desproporcional ao real valor da maioria dos acontecimentos.

O perdão é, com certeza, o ato mais sublime, de fundamental importância para converter as agruras do dia a dia num fardo mais leve. A reconciliação constitui gesto de extrema importância e nem sempre fácil de levar a termo. Não coincidência que a Justiça investe cada vez mais na conciliação e no entendimento entre as partes envolvidas no processo. A decisão judicial põe fim à disputa jurídica, mas nem sempre representa solução para finalizar o conflito. 

Desafetos de muitos anos desafiam a nossa capacidade de tolerância. Teimosamente resta uma fagulha de revolta que impede o gesto concreto de buscar a concórdia que sossega a alma. Colabora para a dificuldade de entendimento a postura de pessoa próxima que instiga o recrudescimento diante da possibilidade de hastear-se a bandeira branca.

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“A generosidade perdoa, a imprudência esquece”, reza um dos tantos ditados que tratam do tema e, cá entre nós, carrega um tanto de verdade. Simplesmente esquecer é revisitar a dor vertida pelo ódio cada vez que lembramos da testilha ou recordamos detalhes que levaram à rixa histórica.

Como todas as atitudes sublimes, o perdão exige obcecada determinação, renúncia e força de vontade. O ódio, por vezes reduzido à raiva, seguida de um sentimento de desconforto diante das recordações da quezila, muda de graduação pela inexorável ação do tempo. O abreviamento de tamanho sofrimento pode se dar através do entendimento. Nem sempre esse gesto precisa ser verbal. Basta, por vezes, encetar tentativas de agir com naturalidade diante do desafeto, tratando com atenção quem nos ofendeu e magoou.

A proximidade da morte e o padecimento diante de alguma moléstia grave encerram o dom de amolecer corações, esmorecer sentimentos de rancor. Mas se engana quem considera tarefa descomplicada esta de perdoar na plenitude aqueles que nos magoaram a ponto de originar uma ferida íntima que atravessa anos, décadas.  Fazer o bem em tempos normais, sem os solavancos de uma finitude próxima, reclama renúncia, força invulgar e determinação. Mas traz, em seu bojo, uma recompensa única, revestida de satisfação, contentamento e a paz d’alma que justifica todo o esforço.

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