Nem sempre os acontecimentos cotidianos permitem produzir longas narrativas, histórias emocionantes e infinitas. Muitas vezes, apresentam-se como um flash, um episódio momentâneo e que, mesmo assim, se planta na memória, fazendo ali uma inarredável morada. Em geral, há um só protagonista e talvez dele restem raros momentos de holofote. Se ninguém os registra, perdem-se definitivamente, somem como fumaça de palha seca, desaparecem.
Nesta segunda-feira, 26, quero gravar algumas dessas pequenas histórias da aldeia, da minha aldeia. Nem desejo confrontar ou desafiar o grande romancista russo Leon Tolstoi (1828-1910), que recomendou: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Um bom conselho para quem pretende ingressar no maravilhoso, mas desafiante, universo de escrever.
Comecemos pelo massagista do time de futebol. Carregava uma pequena e rústica maletinha de madeira, dentro da qual havia algum esparadrapo, um pouco de gaze, algodão, água oxigenada, um frasco de mercúrio e outro do temível mertiolate. Era cheio de boa vontade, embora nunca tivesse estudado qualquer noção de massagem. Caído o bravo jogador, disparava ao seu encontro com admirável velocidade e parco conhecimento. Em poucos segundos, o atleta estava de pé e a partida continuava bem animada. Até hoje tenho dificuldade de entender como, em tantos jogos do interior, tão poucos acidentes sérios aconteceram. Talvez algum anjo se travestia de massagista.
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Um dia, jogando em Colinas (então Corvo), ralei o joelho deslizando sobre as rosetas. Chegando ao vestiário, abriu-se a maleta mágica e o remédio milagroso apareceu. Derramaram generosa dose de mertiolate sobre o ferimento. Ardia como fogo. Apelei ao meu parceiro de zaga: assopra, assopra! Ele me olhava assustado e… nada. Aí me dei conta de que ele só entendia alemão e urrei: ploss, ploss! E lá veio o alívio nos poderosos sopros que desferiu. Ao escrever, fui procurar o alemão culto para o meu dialeto ploss! Aprendi que o certo seria usar o verbo blasen, mas chegou tarde e, no caso, não faria diferença. O zagueiro igualmente não entenderia blass e o mertiolate continuaria a queimar sem piedade.
Quem morava no interior, quase sempre acabava agricultor. Um amigo nosso virou pintor, desses de parede. Boa profissão num lugar em que esses profissionais eram raros. Ele até deu uns “retoques” nos dois grandes anjos que o renomado Roman Riesch havia pintado na pequena igreja da comunidade. Mas o moço era muito posudo, muito cheio, como se dizia na época. “Ele se acha”, como dizem por aí hoje. Não demorou e apareceu o apelido: Probel.
Estávamos na era pós-colchão de palha e de crina, surgiam colchões mais confortáveis, bem gordos, estufados como peito de pomba. O produto Probel chegou às casas trazendo mais orgulho e mais conforto. E o criativo apelido se impôs. Lá pelas tantas ninguém mais lembrou a origem nem o amigo se incomodava. Acho que nunca se incomodou. Talvez hoje iríamos todos para o xilindró. Ora, onde se viu, Probel!
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Todos os leitores devem ter lembranças desse gênero, pequenas histórias, ora engraçadas, ora nem tanto, mas que, sem registro, desaparecem. As próprias escolas poderiam se propor guardar essas memórias das comunidades em que se encontram inseridas. Não faltaria material valioso para escrever um bom texto. E, além do mais, abrir-se-ia um grande espaço de diálogo entre gerações, pois certamente os ancestrais teriam muita coisa para contar.
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