Todos nós temos algumas histórias particulares que, se não narradas ou escritas, se perdem para sempre. Em geral, são episódios casuais, com marcas de alegria, algumas de dor, e muitas de surpreendente humor. Elas se espalham ao longo da vida, companheiras da biografia de cada um, marcas que se colam silenciosamente nas paredes do coração. Recordo aqui três pequenas histórias que merecem permanecer na memória, ao menos na minha.
Minha mulher teve que fazer uma cirurgia. No dia e hora marcados, fomos ao hospital. Sem demora, entrou para o bloco cirúrgico e eu permaneci na sala de espera. Depois de umas três ou quatro horas, abre-se a porta do bloco e uma moça, de branco, anuncia: seu Elenor, o bebê nasceu, ele e a mãe estão bem, daqui a pouco irão para o quarto.
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Todos (menos um) que estavam na sala me olharam e já ensaiavam os cumprimentos, aquela felicidade coletiva e solidária, e eu, abismado, incrédulo, pasmo. Uma, que fora minha aluna na Psicologia, percebendo a lividez, saiu em busca de água. Quando voltou, a porta se abriu de novo. A moça de branco, constrangida, anunciou: seu Elenor, desculpa, a mãe do bebê é outra. E sumiu.
Senti um suave alívio, pois já imaginava questões de justiça, de DNA para provar o sim ou o não, pensão a pagar, quem seria essa mãe desconhecida, minha mulher me olhando com olhar oblíquo, essas coisas gerais. Engano desfeito, até mesmo aquele dos parênteses acima me perdoou do seu mau julgamento e abriu um largo sorriso. Nem contei o caso para a Carmen. Se risse, poderia abrir os pontos.
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Certo dia, andando por um supermercado em Porto Alegre, ouvi atrás de mim: Miguel, Miguel, se não tens abelha, como vendes mel? A frase imediatamente acendeu uma luz na minha memória. Por vários anos, fui professor no Colégio São Luís. Lá pelas tantas, uma aluna teve bebê. Quando retornou às aulas, perguntei: qual é o nome do teu bebê? Miguel, respondeu. Foi então que gravei nela aquela frase. Fazia, no mínimo, uns trinta anos que não nos víamos, mas de pronto a reconheci. Então, me contou que Miguel já era formado, acho que em Direito, estava trabalhando e muito bem encaminhado na vida. E nos abraçamos, porque éramos amigos para sempre. Felizes, continuamos a empurrar nossos carrinhos em busca da sobrevivência.
Minha irmã mais velha mora na simpática e encantadora Colinas. Quando ainda estudante, muitas vezes passava alguns dias de férias ali. Havia um ônibus, já bastante judiado, que fazia a linha Arroio da Seca (hoje Imigrante) até Estrela. O motorista era o próprio dono da viatura, que batia os ferros e as latas enquanto se deslocava na estrada poeirenta, tomada de pedras e buracos. Poucos passageiros se valiam desse coletivo.
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Numa ocasião, apenas um cidadão era transportado. Chegando ao seu destino, na hora de pagar a passagem, comunicou que estava sem dinheiro. Indignado, o motorista disparou: Oras, pombas! A gente carrega só um passageiro e ainda não vai pagar! O povo batizou o ônibus e seu bravo motorista de “Oras, pombas”. O horário em que passava por Colinas (na época ainda Corvo) era pelas onze. Quando apontava, as donas de casa se antenavam: está na hora de fazer o almoço, o “Oras-pombas” já passou.
E tu, leitora, e tu, leitor, qual é a tua pequena história?
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