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Pepe Soares: “Pelas esquinas da vida”

Cresci num meio musical privilegiado, confesso. Na infância, devido à dificuldade de encontrar locais para ensaiar, meus irmãos e parceiros musicais transformavam a sala/cozinha da casa dos meus pais num verdadeiro home studio, quando esse conceito ainda nem existia no lado de baixo do Equador. Os gêneros mais diversos possíveis impregnavam o ar, desfilando desde bandinhas até o psicodelismo dos anos 1970, permitindo e aceitando as diversidades musicais naturalmente. O conceito “gosto é gosto e não se discute” se aplicava sem forçar a barra de nada ou ninguém. Bons tempos.

Lembrei disso porque, na busca pela origem de minha paixão pelo universo da música, o único critério existente se resumia numa pergunta: se o som era bom ou ruim, simples assim. Todo o resto gravitava na perfumaria sem interferir na essência. E acredito nesse mantra até hoje. Gosto muito de acompanhar as várias listas que determinam, segundo o entendimento de alguns, quais são os melhores da música de Todos os Tempos. Inclusive esse termo me causa arrepios no tímpano.

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Conceitualizar a partir do ponto de vista, ou auditivo, no caso, é como um elefante usando patins numa loja de cristais com os olhos vendados: inevitavelmente deixará rastros e estragos pelo caminho. Desde a época do Pão e Circo, onde o povo se extasiava nas arenas e coliseus com os mais bárbaros tipos de entretenimento, a hipnose coletiva tem sido um poderoso meio de controle das massas. Cabe a cada um se permitir envolver pela moda ou sustentar opiniões a partir do que te faz bem, ou não.

Foto: Divulgação

A mais recente lista dos melhores discos brasileiros destacou Clube da Esquina (1972), de Lô Borges e Milton Nascimento, como a obra-prima nacional, levantando inúmeros posicionamentos contrários e outros tantos a favor da escolha. Imagino os argumentos de cada lado, defendendo e justificando as teses, lembrando que existe a verdade de cada um e a Grande Verdade, artigo tão místico quanto o Santo Graal. O problema reside justamente nisto: enxergar o copo meio cheio ou meio vazio é uma questão de escolha, sendo lícito que tudo vale a pena desde que a alma não seja pequena. Pois bem, caro leitor: a esta altura do campeonato, você deve estar se perguntando qual a relevância de um tema que aparentemente parece ser despretensioso, mas que esconde a pedra de toque deste artigo?

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Dos inúmeros comentários, um chamou a atenção de forma especial, não sobre a música, mas sobre o Estado. Sim, sobre a origem: que não poderia ter vindo de Minas Gerais o melhor disco da história, sendo Milton Nascimento “até” relevante, mas Lô Borges nem como um bom coadjuvante serviria. No aprofundamento, a justificativa trouxe dados quantitativos sobre a produção carioca e paulista, puxando um assado inclusive para os baianos, afinal o inimigo do meu inimigo é meu amigo, reza a lenda. Sei que o mundo anda muito complicado, mas, como aprendi nas vivências juvenis, em briga de mãos limpas não pode ter canivete; então, usar de um argumento que se fundamenta em coordenadas geográficas e não em acordes musicais não me parece a melhor estratégia para questionar a escolha feita.

Aproveitei nesta semana e ouvi o disco na íntegra. As 21 faixas geraram um misto de emoções que ampliaram a minha curiosidade em relação aos demais concorrentes históricos. A lista é longa; vou me aventurar nesta busca sem temer o que possa encontrar, lembrando a cena do filme Alice no País das Maravilhas, quando a protagonista pergunta ao Senhor Gato: “qual o melhor caminho que devo seguir?”. Ele responde: “Depende muito de onde você deseja chegar”. Descobriremos juntos, nesta jornada musical sem fim.

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