Por trabalhar em uma atividade essencial, não tive quarentena. Ainda assim, reduzi muito a circulação e o contato social nos últimos meses. Os finais de semana, por exemplo, passo praticamente só em casa, o que me garante tempo de sobra para pensar sobre esse momento maluco que estamos vivendo.
Um desses pensamentos aleatórios veio num sábado à tarde. Estava eu atirado no sofá, provavelmente com algum sambinha tocando no celular, e enxerguei pela janela duas pessoas na calçada. Aparentemente, eram conhecidos que se encontraram por acaso. Talvez não se vissem há tempos, por força do distanciamento social. Ambos de máscara, cumprimentaramse pelos cotovelos e conversaram por alguns instantes, visivelmente atentos em manter uma distância responsável um do outro.
Fiquei pensando no quanto já nos habituamos com esses rituais de segurança a ponto de sequer percebermos mais o quanto são esquisitos. E como a nossa preocupação agora é tão somente vencer o vírus e retomar o curso normal de nossas vidas o mais rápido possível, mal notamos que estamos protagonizando a História. Com H maiúsculo mesmo, daquelas que vão para os livros, são estudadas em sala de aula e inspiram filmes e romances por gerações a fio.
Publicidade
Pensei, então, em como será daqui a alguns anos, quando todos estiverem vacinados, a pandemia estiver em um passado distante e já sabermos o que é o tal do “novo normal”. Possivelmente os recém-nascidos de hoje estarão assistindo a um documentário sobre “a peste” e ouvirão de seus avós – que, por enquanto, são apenas jovens – relatos sobre como foi duro enfrentar esse período. E sentirão fascínio ou espanto ao saber que, em um longínquo 2020, pessoas se recolheram em suas residências, algumas por vários meses, para fugir de um inimigo invisível que desafiava a medicina e ameaçava a economia. E que as mortes, contabilizadas diariamente na TV, se multiplicavam na mesma proporção da nossa capacidade de naturalizar o caos.
Talvez eles custem a acreditar que fazíamos fila para receber doses de álcool gel na porta dos supermercados e contorcionismos para abrir a porta do banheiro sem encostar as mãos na maçaneta depois de lavá-las pela enésima vez. E que músicos faziam performances nas janelas, atletas corriam maratonas em suas próprias cozinhas, casamentos eram celebrados por videoconferência e até varais de plástico eram instalados para que os abraços não fossem letais. E que a pergunta que todos se faziam diariamente, sempre com um silêncio angustiante como resposta, era: “até quando vai isso?
” Mas talvez eu esteja pensando longe demais.
Publicidade
LEIA OUTRAS COLUNAS DE PEDRO GARCIA
This website uses cookies.