Em Xangai, aguardando a hora de embarcar em um trem para Nanquim, observo o movimento de passageiros na vasta e moderna Estação Ferroviária de Hongqiao. Talvez induzido pelo significado alternativo da palavra “passageiro”, penso no fato de que, em menos de um século, eu e todos naquele mar turbulento de humanos não faremos mais parte do mundo dos vivos.
Situada em uma região estratégica da costa leste chinesa, Xangai é cortada pelo Rio Huang-pu, com o estuário do maior rio da Ásia, o Yangtzé, ao norte e a baía de Hangzhou ao sul. É a maior das megalópoles chinesas, com população metropolitana de mais de 40 milhões de habitantes e PIB superior ao brasileiro. Devido à estratégica localização, a cidade cresceu como polo de comércio e transporte, em especial após a derrota da China na atroz Guerra do Ópio, quando a fúria imperial britânica forçou a rendição de Xangai aos ciclos de ocupação francês, britânico e americano, abrindo a região ao comércio marítimo internacional. Hoje, o porto local é, de longe, o primeiro do mundo em movimentação de contêineres.
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Mesmo tendo feito dezenas de visitas a Xangai nas últimas duas décadas, a cidade jamais deixou de me surpreender com seu frenético desenvolvimento e com a permanente vanguarda arquitetônica e tecnológica. Embora tenha inúmeros pontos de interesse cultural, como os Jardins Yu e o Templo do Buda de Jade, a área às margens do movimentado rio Huangpu conhecida como Bund é seu maior cartão-postal. De um lado, o famoso perfil de construções do distrito de Pudong, em constante e futurística transformação. Na margem oposta, a arquitetura colonial francesa e britânica, completando o visual imponente e único. No início do milênio, observei a vasta cidade do topo do prédio Jin Mao, o mais alto da cidade na época, com 430 metros. Nos anos seguintes, acompanhei o edifício ir se apequenando diante dos novos vizinhos. Atualmente, a aerodinâmica Torre de Xangai reina absoluta, com 632 metros de altura.
Apesar do período de fechamento pós-Revolução Maoista, a presença de outras culturas ao longo de séculos fez com que a metrópole assumisse um caráter cosmopolita. O distrito de Xuhui, no sudoeste da cidade, possui um centro missionário cristão desde o século 17, com colégios, bibliotecas, observatório astronômico e construções erigidas pelos Jesuítas. No início do século 20, judeus russos fugidos da revolução bolchevique encontraram refúgio em Xangai, formando uma comunidade judaica considerável. Com a abertura chinesa iniciada por Deng Xiaoping há 30 anos, proliferaram as oportunidades de negócio e a cidade soube se adaptar às várias nacionalidades que adotaram Xangai como local de residência e trabalho. Esse intercâmbio criou uma fascinante diversidade cultural na municipalidade chinesa, que tem seu próprio dialeto, o xangaiês, e é administrada diretamente, sem fazer parte de uma das províncias do país. Imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, os chineses não esqueceram da educação e da ciência. Renomadas universidades fazem da cidade a quinta no mundo em produção de pesquisa científica.
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Para garantir o transporte público na cidade mais populosa do planeta, foi construída uma rede de trens urbanos de 644 quilômetros, além do trem comercial mais rápido da atualidade. Ligando o principal aeroporto da cidade ao centro de Xangai, o Maglev levita suave e silenciosamente sobre um campo magnético a uma velocidade de até 430 quilômetros por hora, sem rodas e sem tocar em trilhos.
Por trás do incansável crescimento, das linhas harmoniosas dos arranha-céus ultramodernos, das ruas e avenidas bem cuidadas e do povo munido com as últimas tecnologias, tento entrever o trabalho quase sempre pouco remunerado de quem construiu e constrói a “Pérola da Ásia”, me perguntando se existe plena consciência do sacrifício individual de milhões de chineses em prol de ideais coletivos.
Voltando ao pensamento talvez um pouco mórbido que apareceu na movimentada estação de trens, a reflexão sobre nossa brevidade remete às prioridades que elegemos e ao imenso desperdício de momentos de raiva e ressentimento que por vezes guiam nossos atos e decisões. Na interação com companheiros de jornada e com nossa própria individualidade, vale sempre ponderar sobre o impacto de palavras e ações, assim como considerar amiúde que legado queremos deixar aos próximos passageiros.
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