Poucos lugares têm um passado tão interessante e complexo como a Ásia Central e, em particular, o Uzbequistão, país mais populoso da região. Mesmo com muita pesquisa, pareceu-me impossível entender com profundidade a formação cultural do vasto território. Pelo menos era o que eu achava até entrar em contato com a poesia da Transoxania – nome histórico da região – e, já com os pés em solo uzbeque, mergulhar no Bazar Chorsu, enorme mercado público da capital, Tashkent (agradeço a Romar Beling pelas ótimas referências literárias sobre a região).
Em agosto de 1991, o Uzbequistão foi o primeiro estado independente surgido com o colapso da União Soviética. Com 30 milhões de habitantes, o país é duplamente isolado de mares e oceanos, já que os vizinhos também não têm costa marítima. O único outro país na mesma situação é o minúsculo Liechtenstein, cercado pela Suíça.
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A bandeira uzbeque já é uma lição cultural. Nela, estão representados o azul dos povos turco-mongóis, o branco dos muçulmanos sunitas e o verde, que retrata a natureza da região. Aparecem ainda no estandarte a meia-lua do Islã e 12 estrelas, simbolizando o pioneirismo na astronomia.
Os árabes conquistaram a região no século 8 e trouxeram com eles o Islã, religião predominante no país. Em 1220, a chegada avassaladora de Gengis Khan e suas tropas arrasou as principais cidades, criando um hiato cultural que só se fechou quando, em 1363, o turco-mongol Amir Timur (1336-1405) e seus exércitos nômades uniram o país e expulsaram os mongóis. O poderoso império timúrida se expandiu da Síria e sul da Rússia até a Índia, alimentado pela fúria expansionista de seu líder e pela riqueza que percorria a Rota da Seda.
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Em Tashkent, uma estátua equestre do maior herói nacional ocupa o centro da praça principal. A pujança de Timur e de seus descendentes, que ainda formaram o império Mogul no norte indiano, geraram enorme produção cultural, evidente, por exemplo, no Forte Vermelho de Delhi, ou no mausoléu Taj Mahal de Agra, joia maior da arte muçulmana na Índia e no mundo. No Uzbequistão, a glória do império timúrida reina esplendorosamente na antiga capital Samarcanda.
Tashkent se tornou a capital uzbeque após a ocupação da Rússia tsarista em meados do século 19 e, posteriormente, com os soviéticos. Um terremoto dizimou grande parte da cidade em 1966 e a reconstrução deixou predominantemente a exuberante e brutal arquitetura soviética. Um dos legados positivos dos comunistas para a cidade de 2,5 milhões de habitantes foi o eficiente metrô e as belíssimas estações. Uma herança negativa foi o redirecionamento dos principais rios que alimentavam o Mar de Aral para a agricultura do sul da Rússia, reduzindo o lago a um terço da superfície original.
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Com a independência, em 1991 foi eleito presidente o antigo secretário do Partido Comunista, Islam Karimov, ficando no poder de forma autoritária até morrer, em 2016. Seu fiel primeiro-ministro e atual presidente, Shavkat Mirziyoyev, assumiu o poder em uma eleição manipulada.
Tashkent é um dos maiores centros da tradição islâmica, com belíssimas mesquitas, monumentos e madraças (escolas de ciência e formação religiosa). O vasto Complexo Hazrati Iman impressiona pela riqueza artística e cultural. No local pude ver o mais antigo manuscrito do Corão, composto e decorado em 655 d.C. sobre 338 páginas gigantes de couro de cervo.
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Como não me canso de repetir, o mercado público pode ser um complemento necessário para qualquer estudo histórico. No imenso Bazar Chorsu, caminhando entre temperos, carnes, queijos, frutas e nozes, interagi com a fusão de persas, russos, turcos, mongóis, chineses, persas e árabes que forma o simpático povo local. Sorrisos e boas conversas finalmente conectaram fatos e preencheram vazios na incrível teia cultural do Uzbequistão, traduzindo uma fascinante história de conquistas, ocupações e influências em uma das regiões mais interessantes e pouco exploradas do planeta.
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