Uma estátua de Alexandre, o herói nacional da Macedônia, montado em seu cavalo, Bucéfalo, recebia os visitantes no saguão do aeroporto da capital Skopje. Poucos dias após minha visita, tanto a estátua como o nome do aeroporto foram removidos, em uma tentativa de amenizar a polêmica com a Grécia em torno da nacionalidade de Alexandre.
É interessante e revelador que a figura mais reverenciada neste novo país na realidade nasceu no norte da Grécia, na região que também se chama Macedônia. Alexandre foi aluno de Aristóteles até os 16 anos e herdou o antigo reino grego da Macedônia do pai, Filipe II, assassinado em 336 AC.
LEIA MAIS: Pelo mundo: Belgrado, o encontro de dois grandes rios
Publicidade
Seu reinado foi marcado por conquistas militares e implacável expansão, enraizando a cultura helenística em uma região que ia do norte da África até o atual Paquistão. Sua influência no mundo ocidental persiste até os dias de hoje. Fundou dezenas de cidades com seu nome. A mais famosa delas, Alexandria, no Egito.
Como guerras e conquistas territoriais sempre acabam prevalecendo sobre exemplos de paz e humanidade, uma filha da Macedônia, esta legítima e bem mais atual, acabou sendo deixada em segundo plano na nomenclatura e nos monumentos da capital. Anjezë Gonxhe Bojaxhiu nasceu em Skopje, e tornou-se mundialmente reconhecida por sua incansável atividade social, justamente em um território que Alexandre nunca conseguiu conquistar: a Índia.
LEIA MAIS: Sérvia, berço da mente brilhante de Tesla
Publicidade
Anjezë é mais conhecida como Santa (Madre) Teresa de Calcutá. Apesar de ser uma heroína moderna e fonte global de inspiração, o fato de ser mulher, e de origem albanesa, possivelmente a tenha ofuscado no cenário local. Visitei o pequeno memorial da “Mãe” Teresa, na região central da cidade. Ali estão detalhes de sua vida, suas realizações, relíquias da infância e adolescência em Skopje, e uma galeria de fotos e documentos, retratando a vida de coragem dessa franzina religiosa, sempre chamada à ação e à caridade. Quando foi, por vezes, criticada por aceitar homenagens e prêmios, como o Nobel da Paz, repetia sempre que o fazia unicamente pelo benefício às obras de caridade, e jamais por orgulho pessoal.
Skopje foi parcialmente destruída em 1963 por um terremoto que matou mais de mil pessoas e derrubou monumentos e estátuas. A partir de 2010, a cidade passou a reconstruir e ampliar o número de monumentos. Jamais vi tantas estátuas em nenhum outro local. A impressão que se tem é de que há mais estátuas do que pessoas pelas ruas da cidade de 630 mil habitantes, um terço da nação. Nesse exagero, há uma tentativa explícita de forçar a cultura helenística em um país com origem predominantemente eslava.
LEIA MAIS: FOTOS: Nepal, espiritualidade e sincretismo no topo do mundo
Publicidade
Isso fica evidenciado na arquitetura das novas construções, quase todas em estilo clássico grego, contrastando com o ambiente eslavo, oriental e muçulmano na cidade. Etnias albanesas e turcas somam mais de 30% da população do país. Como em tantas outras cidades, um dos lugares de que mais gostei foi o Antigo Bazar, o segundo maior do mundo depois do Grande Bazar de Istambul. Aprecio demais a interação com o povo local que grandes mercados públicos proporcionam. Sinto-me, por alguns instantes, parte integrante da comunidade, e começo a compreendê-la melhor.
A praça central da cidade é dominada por uma monumental estátua equestre de Alexandre Magno, cercada por uma fonte. Entre o pouco que restou de realmente antigo, a Ponte de Dusan foi construída pelo Império Sérvio no século 15, sobre ruínas romanas. Várias outras pontes recém-construídas atravessam o rio Vardar. De gosto duvidoso, também as pontes estão repletas de estátuas de celebridades locais. Ouvi de um comerciante do bazar que cada estátua custou entre 1 e 3 milhões de euros, e que, na proliferação de monumentos, havia forte indício de corrupção estatal, ou seria, nesse caso, “estatual”. A ostentação se torna ainda mais afrontosa em um país onde um quinto da população está abaixo da linha de pobreza.
Termino a visita com um excelente jantar em um restaurante albanês e uma última caminhada pelas ruas dessa capital que ainda luta para aparecer no cenário cultural e econômico europeu. Enquanto aguardava o embarque na partida, penso que a jovem república perdeu a oportunidade de dar o nome de um de seus filhos autênticos ao principal aeroporto. Na vizinha Albânia, o único aeroporto internacional recebeu, este sim, o nome de Aeroporto Madre Teresa.
Publicidade
LEIA MAIS: Pelo mundo: um santa-cruzense em Doha, terra da próxima Copa
This website uses cookies.